Dentro do cenário jurídico, diversos atores nos são apresentados: vítimas, acusados, advogados, juízes... Em um processo, há de se concordar que a figura primordial, que definirá o desfecho de um caso, é aquela quem julga. Essa figura pode ser representada tanto pelo juiz quanto pelos jurados, dependendo da situação. Assim, é preciso também considerar tais pessoas ao voltar o olhar da Psicologia para a área jurídica.
Com isso, precisamos entender que, como indivíduos, não são aptos a despirem-se de toda a sua subjetividade, que é intrínseca à própria personalidade, valores e ideais quando bem precisarem. Entretanto, é preciso observar com cautela e discernimento o quanto podem utilizarem destes aspectos em prol do benefício comum à sociedade. Conforme Fiorelli e Mangini (2009), são julgados aqueles que acusam e os que defendem, julga-se também os que opinam; mas, antes de tudo, todos trabalham com a realidade dos relatos e depois com os fatos. Isso significa que, em primeiro lugar, os relatos são identificados, em relação a sua veracidade para que, então, se possa pensar nos fatos acontecidos. Tal processo carrega em si uma parcela de responsabilidade inestimável, não sendo permitido – em tese – leviandade nas decisões. Partindo da ideia de arquétipos – comportamentos estruturais da mente, que tem origem na experiência acumulada em termos de humanidade e são armazenados no inconsciente coletivo, servindo como referências as quais os indivíduos veem o mundo e, principalmente, constroem sua personalidade (VANDENBOS, 2010), para a Psicologia Analítica – podemos inferir que a noção de justiça é algo que acompanha o homem desde sua existência e, por conta disso, esta noção é inerente à forma inata dos sujeitos, admitindo, então, um arquétipo de justiça (FILHO, 2010). Logicamente, a maneira com que esse aspecto irá se manifestar sofre influência também do meio, contando com o desenvolvimento próprio do indivíduo, no que diz respeito a sua educação e vivências, mas já é presente arcaicamente em sua forma de pensar e agir. Assim, o ato de julgar é dado também perante à perspectiva sociocultural interpretada pelos indivíduos através dos filtros sensoriais e cognitivos de cada um, que, por sua vez, estão intrínsecos aos valores e conceitos, expectativas, experiências e do momento histórico (FIORELLI e MANGINI, 2009). Podemos tomar como base de análise o papel desempenhado pela autoridade de um magistrado. Assim, da mesma forma, Ambrosio (2012) já pontua que o ato de julgar vai além da formação jurídica do juiz, pois a magistratura exige que ele detecte a forma que seus próprios aspectos psicológicos, assim como os dos demais envolvidos no litígio, interferem em sua sentença. Com isso, abre-se uma visão holística sobre o fato, que acaba por fazer com que se compreenda os conteúdos intrapsíquicos, que pertencem a um leque de fatores tanto conscientes quanto inconscientes em, assim, tem-se mais que uma simples aplicação de normas jurídicas em uma sentença de um caso concreto (AMBROSIO, 2012). Ao ter consciência da presença de sua própria inconsciência, o julgador, ao servir de seu papel como tal, tem em mente que qualquer passo dado, no que se refere à interpretação e aplicação do Direito, é acompanhado por demais outros passos; assim, “controlando seus próprios passos, encontrará compasso” (FILHO, 2010). O pensamento e a ação devem estar em concordância, pois são decisões importantes a serem tomadas, de forma a representar juridicamente o certo e o errado, considerando as leis em primeiro lugar, mas sem se eximir de todo aporte subjetivo que já se carrega. Sabendo-se que o ato de julgar é realizado através de comparações com referenciais inscritos no social e modulados pelos fenômenos mentais que dirigem cada indivíduo (FIORELLI e MANGINI, 2009), é possível imaginar que a questão em si tem um peso muito maior e que quaisquer que sejam as direções tomadas, elas terão reflexo em diversos setores e não somente na vida dos atores diretos de um processo. Isso, por si só, já faz com que o caso e os resultados obtidos também sejam “julgados” por terceiros. Portanto, é de responsabilidade do juiz filtrar atentamente o material que chega ao seu conhecimento, sobre o qual pronunciará seu juízo e, mesmo não podendo afastar-se totalmente de suas emoções, deve estar ciente e saber administrar o processo de interferência emocional, evitando ações precipitadas, rejeições de fatores importantes e juízos de valores que não reflitam os verdadeiros interesses da sociedade (AMBROSIO, 2012). Conforme observa Filho (2010), a intercalação entre a Psicologia e o Direito se restringe, em grande parte, às intersecções relacionadas ao direito penal e à criminologia, utilizando-se dos conhecimentos para a avaliação de aspectos psicológicos de testemunhas e para análises dentro do direito de família e de crianças e adolescentes, por exemplo. Dessa forma, o autor também destaca que a Psicologia que envolve as decisões judiciais e os julgadores ainda é muito incipiente e precisa de atenção. Ainda há um longo percurso a ser percorrido nesta área, visto que é pouco explorada, mas que contém um terreno suficientemente extenso para observações e análises, de forma a buscar um conhecimento que auxilie durante todo um processo. É importante, conforme explicitado, saber que o auxílio também precisa considerar os atores jurídicos que estão na posição de julgamento, sejam eles juízes ou jurados, distinguindo as reais necessidades de apoios de cada um, visando a melhor forma no andamento de cada caso. Ludmila Müller REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMBROSIO, Graziella. Psicologia do juiz. Revista Direito Econ. Socioambiental. v. 3, n. 2, jul/dez, 2012. Disponível em: < https://periodicos.pucpr.br/index.php/direitoeconomico/article/view/6230/6152>. Acesso em 1 out. 2018. FILHO, Paulo F. Verdade e inconsciente: a hermenêutica filosófica e a Psicologia Analítica no rastro dos julgadores no Direito. Dissertação de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. 2010. Disponível em: < http://www.repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/4180/28.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 30 ago. 2018. FIORELLI, José O.; MANGINI, Rosana C. R. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009. VANDENBOS, Gary R. (org.). Dicionário de Psicologia da APA. Porto Alegre: Artmed, 2010. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |