Qual é a finalidade de rotular (nomear) uma operação da Polícia Federal ou Civil? Qual é a razão operacional-prática? Talvez seja estigmatizar os investigados presos. Ou até canonizar os eventuais servidores públicos que realizam a captura dos investigados, como se estes estivessem acima do bem e do mal. O inquérito policial detém o sigilo como característica legitimadora de sua existência e tramitação. Isso porque a autoridade policial goza de independência para investigar qualquer cidadão (ninguém está acima da lei), mas essa mesma autoridade não tem o direito de expor um investigado/indiciado ao vexame público e aniquilar sua vida social. Mesmo que o investigado seja efetivamente o responsável pelos ilícitos ventilados no inquérito. O Congresso Nacional precisa urgentemente, por meio de lei, vedar a nominação de procedimentos investigatórios e a prática de entrevistas coletivas antes ou depois de atos processuais, sob pena de exoneração de função pública do servidor que o fizer. Nessa linha,o Conselho Nacional de Justiça, por meio de nova Resolução de nº 217/16, já está rechaçando a iniciativa perniciosa de alguns membros do Poder Judiciário e até da Polícia Judiciária de dar vazamento seletivo a informações que são sigilosas por excelência. Ainda que a publicidade ocorra com o recebimento da denúncia, a matéria versada na ação criminal e no inquérito não pode ser pauta para espetáculos midiáticos cujos “mocinhos” sejam justamente os fiscais da lei. Recentemente no cenário nacional, vimos alguns membros do Ministério Público Federal se prostrando em rede nacional como paladinos da moral e da justiça. É nítido o discurso maniqueísta que (pseudo)legitima o combate aos “seres malignos” da corrupção a qualquer custo. De onde vem tanta superioridade? Mais do que nunca fazem sentido as palavras de Fernando Pessoa: “Arre, estou farto de semideuses!” Não bastasse o discurso de salvador da pátria em nome da moral, os mesmos servidores públicos que promovem a ridicularização dos investigados, agora querem os holofotes das estrelas de Hollywood. Ou seja, a cada denúncia ofertada ou representação de prisão preventiva, convoca-se mais uma coletiva de impressa. Não sem antes chamar a equipe de maquiagem e produção, é claro. Nem estudiosos do porte de Heleno Cláudio Fragoso e Nélson Hungria Hoffbauer poderiam antever que, em pleno séc. XXI, teríamos um novo direito penal, digo, direito penal midiático. Como se fosse resquício latente da Santa Inquisição na busca pela “verdade real e absoluta” que agora aflora. É como se precisassem eleger um inimigo público para salvar todos do mal. De qualquer modo, vale lembrar que a mídia não perdoa. Por isso, uma vez exposta a imagem de um inocente que não tem envolvimento com ilícitos, jamais sua vida voltará ao normal. Sei disso porque já vi clientes perderem o convívio da família, o respeito dos vizinhos e até o emprego para depois ser declarado inocente. Por isso, os atos inquisitoriais devem ser sigilosos, ao passo que os atos processuais devem ser públicos, porém dotados de discrição. Amanhã pode ser qualquer o inimigo da nação. Lucas Bonfim Advogado criminal Professor universitário Parecerista jurídico. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |