A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225 caput, menciona que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Destaca-se, que esse dispositivo abarca consigo o Princípio da Responsabilidade Intergeracional, haja vista que o constituinte não apenas se preocupou em proteger a geração presente e foi mais além, estendendo essa proteção à geração futura.
Entender a complexidade e os níveis de articulação, linguagem e cognição[1] é uma tarefa hercúlea para a limitada percepção humana, especialmente quando o desejo pelo capital a todo custo - favorecido e intensificado pela lógica mercantil – se sobrepõe ao cuidado com todas as vidas. A preservação inter e intrageracional do meio ambiente não se circunscreve, não se destina apenas à família humana. Esse seria um objetivo demasiadamente cego quando o ser humano não entende que faz parte da cadeia vital junto com outros seres. O Homo Sapiens Sapiens tem, sim, características próprias da sua evolução que demandam atitudes e responsabilidades compatíveis, porém essa condição não o coloca como “ser superior” à Natureza. Nesse caso, de acordo com o texto constitucional, é conferido ao meio ambiente à sua devida proteção e importância, inserindo-o no rol de Direito Fundamental. No mesmo artigo 225, observa-se, por meio da leitura do § 3º que, “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados[2]”. Esse texto normativo traz uma inovação posta pela atual Constituinte, considerando que antes do advento desta, era pacífico que cabia ao Direito Penal tratar tão somente de comportamentos da própria pessoa humana, não se admitindo a hipótese de integração da pessoa jurídica como sujeito de condutas criminosas. No quesito atinente às sanções penais, deve-se atentar que estas derivam da resposta estatal, o qual lhe é concedido por meio do exercício do jus puniendi. Como resultado, almeja-se a manutenção da pacificação social, a efetivação da proteção dos bens jurídicos penalmente tutelados, sempre observando as garantias constitucionais. De acordo com Novelino (2014, p. 1069), “A responsabilização penal visa a promover a preservação do meio ambiente enquanto bem jurídico fundamental”. O meio ambiente se torna, nessa linha de pensamento, bem juridicamente tutelável e que pertence à esfera do indecidível, ou seja, daqueles direitos considerados indispensáveis para a manutenção da vida. A preservação dos ecossistemas e a relação entre os seres que o habitam não pode ser negociada, trocada ou renunciada como mercadoria porque ali flui uma ecologia integral[3] na qual permite o desenvolvimento e manutenção de tudo e todos. De acordo com o magistério de Machado (2013, p. 2103): A sanção do crime ambiental e sanção da infração administrativa no tocante à pessoa jurídica guardam quase uma igualdade. A necessidade de se trazer para o processo penal a matéria ambiental reside principalmente nas garantias funcionais do aplicador da sanção. Deve-se enfatizar que o Direito Penal é a ultima ratio, ou seja, apenas deve ser aplicado aos casos que não se pode resolver por meio dos outros ramos do Direito. Por conseguinte, o meio ambiente possui a sua devida tutela penal, tendo em conta que não há de se falar de dignidade da pessoa humana sem um meio ambiente saudável e equilibrado, devendo desta forma, ser protegido, uma vez que se infringem os cuidados necessários ao equilíbrio ambiental, gerando danos a este, tem-se uma coletividade atingida. Trata-se de direito difuso de Terceira Geração. No que tange a importância do meio ambiente ser tutelado pelo Direito Penal, Freitas (2001, p. 34), explana que “Essa imposição se justifica na medida em que o Estado confere proteção a valores fundamentais, como o é o meio ambiente”. No mesmo sentido, o citado autor (2001, p. 32), leciona, ainda, que:
No entanto, ao se fazer um contraponto à citação anterior, será que o Direito Penal é a resposta mais satisfatória para a preservação ambiental? A quem se destina e qual o propósito de uma pena pecuniária? Se ainda for o caso, o que significa identificar atitudes criminosas pelas pessoas jurídicas e decretar a prisão de seus dirigentes? Deve-se atentar: a preservação do meio ambiente é direito difuso. Por esse motivo, os danos também são difusos. Quanto maior a extensão do dano, mais difícil a sua reparação, bem como a identificação daqueles que infringem a lei penal ambiental. O caso de Mariana, no Estado de Minas Gerais, é um exemplo dessa situação. Outro ponto: a sanção penal ambiental – seja de privação de liberdade, seja a de caráter pecuniário, atende tão somente aos interesses humanos. A sua efetividade e eficácia pouco atende àquilo que a Natureza demanda para recuperação de seus ciclos regenerativos e restaurativos, ou seja, nem sempre a “monetarização” é capaz de solucionar os desastres antropogênicos causados ao meio ambiente. Não obstante, “A aplicação das sanções penais ambientais tem com objetivo elementar assegurar a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (FIORILLO, 2013, p. 811). A intenção do legislador foi de conferir uma maior segurança em relação ao cumprimento dos preceitos legais, conferindo ao Direito Penal à tutela do meio ambiente. A Constituição Cidadã, todavia, não dispôs quanto à forma de responsabilização sobre o crime ambiental, deixando essa tarefa para a lei infraconstitucional. Logo, com o escopo de promover e garantir uma maior proteção ao meio ambiente, pautada no artigo 225 do texto constitucional, a Lei n.º 9.605/98, denominada por Lei dos Crimes Ambientais e que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, aduz em seu artigo 3º, parágrafo único que[4]:
Para MACHADO (2013, p. 2104), “Conservar-se só a responsabilidade da pessoa física frente aos crimes ambientais é aceitar a imprestabilidade ou a inutilidade do Direito Penal para colaborar na melhoria e recuperação do meio ambiente”. Denota-se, então, que o ordenamento jurídico pátrio concede à admissibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica nos casos de crimes ambientais, haja vista que o legislador constitucional, com a intenção de proteger o meio ambiente contra os danos graves e até mesmo irreparáveis, se utilizou do instrumento penal, pautado no caráter repressivo das penas, para coibir essas agressões e punir os agentes pelas condutas delituosas. No que tange a responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica, MACHADO (2013, p. 2104), explica que:
Nos termos do artigo 3º, parágrafo único da Lei n.º 9.605/98, no tocante a ação penal relativa aos crimes ambientais, num primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça, entendia que recaía a necessidade de inclusão da pessoa física responsável no polo passivo da ação criminal, juntamente com a imputação da pessoa jurídica, para que assim se iniciasse então o processo penal em face desta. Leia-se[5]:
Nessa linha de pensamento, e seguindo o parágrafo 3º, do artigo 225 da Constituição Cidadã, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em 2013, por meio do Recurso Extraordinário n.º 548.181/PR, decidiu que não se “[...] condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação[6]”. Essa demanda judicial tratou sobre a denúncia do Ministério Público Federal do Paraná em face da empresa Petrobras. O tema em pauta era sobre um crime ambiental ocasionado por poluição em curso d´água no Estado do Paraná. É preciso salientar, no entanto, que, aos poucos, surge no Brasil a recepção dos Direitos da Natureza[7] como consequência do Novo Constitucionalismo Latino-Americano. Essa condição altera os pressupostos antropocêntricos do Direito Penal, por um lado, e o antropocentrismo alargado da Lei de Crimes Ambientas, por outro. A interpretação do artigo 225 da nossa Constituição Federal, dentro da perspectiva biocêntrica, por exemplo, não pactua com a ideologia do antropocentrismo alargado. A magistrada Cinthia Mua em decisão liminar nos autos n. 1.17.00127383 da Comarca de Gravataí – Rio Grande do Sul - destacou: “[...] A concepção biocêntrica não dialoga com uma leitura reducionista do caput do artigo 225 da Magna Carta de 1988”. Pode-se verificar que a Lei de Crimes Ambientais e o artigo 225 da nossa Constituição Federal representam significativas forças que oferecem, em parte, segurança jurídica em torno da preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. No entanto, os seus pressupostos hermenêuticos encontram-se em profundo descompasso com a realidade constitucional latino-americana nessa dimensão relacional entre o Homem e a Natureza. Aicha de Andrade Quintero Eroud Graduanda em Direito do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu- Cesufoz. Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED. Estagiária da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu. Membro Associado do International Center for Criminal Studies –ICCS. Membro da Comissão Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais. Membro da Comissão Especial de Estudos de Direito Penal Econômico do Canal Ciências Criminais. Sergio Ricardo Fernandes de Aquino Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Permanente do Mestrado em Direito (PPGD) da Faculdade Meridional – IMED. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Ética, Cidadania e Sustentabilidade”. REFERÊNCIAS AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. (Contra o) eclipse da esperança: escritos sobre a(s) assimetria(s) entre direito e sustentabilidade. Itajaí, (SC): Editora da UNIVALI, 2017. BRASIL. Constituição Federal. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. BRASIL. Lei dos Crimes Ambientais. http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9605.htm. [1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS n.º 37.293-SP http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=rms+37293+sp&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2. [1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.º 548.181/PR http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7087018. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2005. FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus/Loyola, 2015. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Comentários à Constituição do Brasil / J. J. Gomes Canotilho... [et al.]. outros autores e coordenadores: Ingo Wolfgang Sarlet, Lenio Luiz Streck, Gilmar Ferreira Mendes. – São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. – 14. ed. rev., ampl. e atual. em face da Rio+ 20 e de novo “Código” Florestal – São Paulo: Saraiva, 2013. FREITAS, Vladimir Passos de. FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: (de acordo com a lei 9.605/98). 7. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. – 9. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. [1] “A ideia central da teoria de Santiago é a identificação da cognição, o processo de conhecimento, com o processo do viver. [...] cognição é a atividade que garante a autogeração e a autoperpetuação das redes vivas. Em outras palavras, é o próprio processo da vida. A atividade organizadora dos sistemas vivos, em todos os níveis de vida, é uma atividade mental. As interações de um organismo vivo – vegetal, animal ou humano – com seu ambiente são interações cognitivas. Assim, a vida e a cognição tornam-se inseparavelmente ligadas. A mente – ou melhor, a atividade mental – é algo imanente à matéria, em todos os níveis de vida”. (CAPRA, 2005, p. 50). [2] BRASIL. Constituição Federal. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 13 de abr. 2018. [3] “Dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais”. (FRANCISCO, 2015, p. 85). [4] BRASIL. Lei dos Crimes Ambientais. http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9605.htm. Acesso em: 13 de abr. de 2018. [5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=rms+37293+sp&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2. Acesso em: 13 de abr. de 2018. [6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7087018. Acesso em 13 de abr. de 2018. [7] “A marginalização do mundo natural - sempre descrito como objeto de infinita exploração para se saciar as vontades materiais e ideológicas humanas – encontra-se num momento de saturação. O “Véu de Ísis” não se refere mais aos segredos da natureza e a sua importância, mas à produção da Verdade referente aos enigmas de nossa humanidade. No fundo das aparências, todos os fenômenos não-humanos não atingiram o status de sujeitos. Nenhum mortal ousou levantar o mencionado véu. Retoma-se a necessidade de uma cosmovisão, uma Revolução, na qual se assume – e se esclareça - a consciência de que todos habitam o Planeta Terra. A distinção entre “dominantes” e “dominados” é vazia de sentidos, especialmente quando se observar, de modo claro, o vínculo biológico comum a todos os seres deste território terrestre”. (AQUINO, 2017, p. 173/174). Comments are closed.
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