Não obstante, ainda no século XX, o memorável Desembargador do Tribunal de Apelação[2] da Capital Federal, em 1939, na sua obra “Processo Penal do Jury no Brasil’’, Margarinos Torres já sinalizava a celeuma que abrangia a ausência de registro documental por via escrita nos procedimentos do Tribunal do Júri.
Na história do Tribunal do Júri não se tem apontamento da obrigatoriedade de efetivo registro dos debates realizados entre defesa e acusação na sua íntegra. Contudo, os operadores do direito, desde a instauração do Tribunal do Júri, apontam os prejuízos causados para ambas às partes. É inolvidável, também, o prejuízo social ocasionado até os dias atuais pela referida carência. Em 1938, no Decreto Lei nº 167, o qual regulava a instituição do Júri, passou a determinar o artigo nº 65 que os depoimentos testemunhais seriam reduzidos “resumidamente a escrito”, sendo cada termo assinado pela respectiva testemunha juntamente com o juiz e as partes. Nos dias atuais, e com o advento da Lei 11.419 de 2006, mormente, no artigo 193 do Código de Processo Civil, foi estabelecido que todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei. No entanto, essa lei não foi aplicada globalmente nas Sessões de Julgamento em Plenário. O artigo 495, inciso XIV, do Código de Processo Penal, determina que o Juiz Presidente deverá fazer constar na ata dos trabalhos os debates e as alegações das partes com os respectivos fundamentos. Ocorre que na prática é impraticável registrar tudo o que é dito pelas partes no que diz respeito às teses e seus respectivos fundamentos. Diante disso, o Juiz Presidente pontua, correntemente, apenas a(s) tese(s) escolhida(s) pela defesa e acusação. Segue o exemplo:
Portanto, cabe aos operadores do direito providenciarem suas câmeras, filmadoras ou pelo menos gravadores de voz para arquivar o que ali será aventado. Mas, ressalta-se que ainda será necessário contar com a autorização da outra parte para gravá-la e do juízo, pois essa solicitação pode ser vetada pelas mesmas. O que de fato se torna um posicionamento um tanto quanto enigmático, tendo em vista que o que deve ser mantido e conduzido em plenário, acima de tudo, é a ética, o respeito e a transparência perante o conselho de sentença. Logo, não há razões para essa discordância e não permissão pela parte contrária (para uns: “adversários” [4]). O procedimento relativo aos processos da Competência do Tribunal do Júri inicia-se no artigo 406 do Código de Processo Penal, o qual está inserido no capítulo II. O presente artigo proporcionará um ponto agudo do instituto contido na 2ª fase desse rito tão peculiar: o momento dos debates da Sessão de Julgamento em plenário do Tribunal do Júri. Atualmente os debates proferidos em plenário não são gravados por mídia (como já mencionado), salvo os depoimentos das testemunhas, e o interrogatório do acusado conforme preconiza o artigo nº 475 do Código de Processo Penal. Assim, além das partes terem que levar todo material necessário e pertinente para uma sessão em plenário (Princípio da Plenitude de Defesa), alguns operadores, com o fim resguardar direitos e a prevenção de violação dos direitos fundamentais, levam seus objetos de gravação com a finalidade de cinzelar esse especial momento: os debates orais. Ressalta-se que os incidentes durante a sessão plenária, tendo como base os princípios constitucionais, deverão ser requeridos que se conste em ata pelas partes logo na sequência de seu acontecimento, pois a ata é o espelho fidedigno do que ocorre em plenário sob pena de nulidade. Vejamos um precedente, in verbis:
Volvendo ao questionamento da carência de registro dos debates em sua íntegra: por qual razão o sistema de registro das sessões plenárias não se coaduna com todo o resto do ordenamento jurídico brasileiro? Será que essa omissão não vai de encontro com o que se veda o sistema jurídico pátrio? Deste modo, imprescindível destacar alguns pontos positivos que existiriam nas sessões em plenário devidamente registradas em sua completude por vídeos (debates e jurados[5]), e não apenas por áudio:
Os debates no plenário do Tribunal do Júri colocam as vicissitudes daquele operador do direito (Tribuna da Acusação ou da Defesa), o qual se dedicou incansavelmente ao longo daquela causa. Muito se comenta sobre o aguilhão desse instante decisivo. Talvez quem melhor tenha sintetizado esse turbilhão de emoções e sentimentos que toma conta do tribuno, mormente, no momento dos debates, seja o inexcedível mestre do júri Evandro Lins e Silva, quando, em sua imperecedoura obra “A Defesa Tem a Palavra’’, cunhou, de modo indelével, a expressão “estado de júri”. [6] Como mencionado no parágrafo antecedente, “o estado de Júri” do profissional é a recolocação fática e processual, além da emocional, de todo um processo criminal, ou seja, um reordenamento de compreensão não apartado da razão, mas sim consciente e responsável pela complexidade que cada causa ali debatida tem a sua especialidade. Afinal, é no rito do Tribunal do Júri que se ventilam os crimes dolosos contra a vida. Ainda, tentando demonstrar um pouco do que envolvem as emoções e sentimentos que versam sobre esse instituto, menciona-se a palavras de Evandro Lins e Silva:
É com inenarrável sabedoria dessa permanente juventude de Evandro Lins e Silva, quando se refere ao Júri, o denomina como “um drama da vida que se envolve naquele dia”, cuja experiência o tribuno tenderá a se envolver desmedidamente. Ocorre que apesar do sentimento de fascínio e paixão pelo instituto, não se aconselha cerrar os olhos e os demais sentidos humanos para seus constantes déficits. Dessa forma, o ditado popular: “o que os olhos não veem, o coração não sente” não é atinado a vingar, principalmente, nos dias atuais. Pois bem, necessita-se de um cuidado extremado quando nos referimos a esse encantador instituto. De tal modo questiona-se por qual “verdadeira” razão que na segunda fase do Tribunal do Júri não se verifica a imprescindível necessidade de gravação das alegações orais como regra (como por exemplo, as alegações finais orais que são registradas em todos os outros procedimentos, inclusive, na Audiência de Instrução e Julgamento da primeira fase do rito do Júri), como se ela fosse um ponto externo de uma sistemática jurídica circunferencial. Iniciou-se a presente reflexão com a obra de Magarinos Torres de 1939, e se finaliza com a obra de Juarez Cirino dos Santos de 2014, pois ambos doutrinadores, com preocupações semelhantes embora adequas a seu tempo e modo, mencionam as limitações democráticas do poder de punir com o objetivo de ressaltar as garantias constitucionais e legais, sintetizadas, atualmente, no conceito do Principio do Devido Processo Legal. [8] Assim, permanece o objetivo de reflexão sobre se há violação expressa ao Princípio pautado na Carta Política Brasileira de 1988, constante no artigo 5º, inciso LIV, com a não aplicação da Lei da Informatização do Processo Judicial (Lei 11.419/06) durante os debates orais do Tribunal do Júri. Já que é notório que as alegações finais orais em qualquer outro rito processual, e na primeira fase do Tribunal do Júri, são sempre gravadas na sua íntegra pelos meios eletrônicos atuais. Carla Juliana Tortato Mestranda em Direito pela UNINTER Especialista em Direito e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Advogada Criminal. [1]TORRES, Magarinos. Processo Penal do Jury no Brasil. Ed. Livraria Jacintho. 1939. pg. 347. [2]BRASIL REPÚBLICA: Corte de Apelação do Distrito Federal (9 de março de 1891 a 1945) Em obediência ao texto constitucional, o antigo município neutro, agora definido como Distrito Federal da República dos Estados Unidos do Brasil, teria autonomia para criar e para organizar um Judiciário próprio; o primeiro Tribunal do Distrito Federal. Nesse compasso, passaram a existir, distintamente, as Justiças do Estado do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, sendo que esta última viria a ser organizado, ainda no Governo Provisório, pelo Decreto nº 1.030 de 14 de novembro de 1890, que instituiu a primeira organização judiciária do Distrito Federal. É pertinente consignar que a Corte de Apelação do Distrito Federal foi o primeiro Tribunal de Justiça instalado na República e, em função desse ato, os demais tribunais de justiça existentes no Império foram dissolvidos, o que suscitou a necessidade de os Estados programarem a instalação de novos tribunais na República.Fonte: https://www.tjdft.jus.br/institucional/centro-de-memoria-digital/historico/antecedentes Acesso em 07 de abril de 2018. [3]TORRES, Magarinos. Processo Penal do Jury no Brasil. Ed. Livraria Jacintho. 1939. pg. 347 - 348. [4]O termo adversário encontra-se demasiadamente defasado, embora e lamentavelmente, se faça tão presente nos dias atuais pelos operadores de direito. Pois se a ética vige, não há adversariedade, e sim, apenas confrontos de ideias técnicas dignas de serem respeitadas por ambas as partes. [5]Sugere-se aqui uma reflexão sobre a possibilidade de ser registrado em completude o conselho de sentença por vídeo e áudio, desde que se elaborasse um sistema íntegro que salvaguardasse aquele grupo de cidadãos sob sigilo absoluto e com acesso restritivo e justificativo pelas partes, por exemplo. [6] BRETAS. Adriano. Apontamentos do Processo Penal. Curitiba. Ed. Sala de Aula Criminal. 2018. pg.325-326. [7] LINS E SILVA, Evandro Lins. O Salão dos Passos Perdidos. Rio de Janeiro. Ed. FGV. 1997. pg. 115 [8] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal – Parte Geral. Curitiba. 6ª edição. Ed. ICPC. pg. 633. ditar. Comments are closed.
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