Os valores inversos: a força do mercado na política, no direito e nas relações de trabalho12/4/2017
Cada vez mais as instituições do mercado moldam os pensamentos de todos, o tom acrítico bloqueia o sentido antes vanguardista da evolução de uma espécie hoje decadente, mas que antes peleava por algo a mais.
A sensação de medo do estranho e dos próprios sentidos aguçados de consumismo ao manter expectativas enquanto comprador num mundo de mercadorias é voraz. Se o outro perturba, a falta de possibilidade de produzir prazer a si mesmo e divulgar esse deleitamento em mídias sociais é derradeira e beira a perdição. Expor a vastidão de importâncias das coisas materiais das quais se é possuidor demonstra o sucesso em um tempo de valores irrelevantes. A descartabilidade do próximo e do outro pode ser vista nos reality shows alheios em programas de TV que preponderam entre o divertimento e o real ocaso da civilização em uma estrutura que outrora a compactava. Hoje, o Big Brother é a vida real. Cada cidadão é tão descartável ou até mais que os participantes do programa de entretenimento que melhor demonstrou o jogo em que se insere o ser humano (BAUMAN, 2011, p. 42). Nesse interim, a perspicácia de alguns sugere que as relações de poder nunca desandam, mas cambiam de interesses. Num jocoso jogo de predileções nota-se a politica como o maior circo do sistema. Só que esse sistema deve ser levado a sério, pois autopoiese é a sua engrenagem; nasce e se preciso, renasce das mesmas cinzas que outrora o incinerou. E tudo isso motivado pelo movimento acrítico que desola os pensamentos (LUHMANN). E determinado circo gera o espetáculo. Políticos trocam de partido como mudam de carapuças todas as manhas, leis e normas são visivelmente criadas para beneficiar a classe, nossos legisladores são interpretes da própria experiência e dessa forma, são formadores de normas que contribuam unicamente para seus interesses. Tudo é muito visível, mas no fim da fila de importância jaz o povo, em especial, os mais carentes. Por mais tecnologia que se tenha em mãos, ainda se morre de doenças banais e ainda muitos são mortos pela fome, numa inanição tendenciosa moldada por diversos fatores e entre eles, o afastamento, a apatia e a ganância. Por mais que se discuta que o direito penal não pertence ao mundo das drogas, ou que não deve estruturar uma guerra às drogas, é o que mais ocorre mundo afora. Por mais que convenhamos que educação pode iluminar a escuridão de trevas iminentes, escolas são fechadas, lanches são desviados e professores são pagos conforme a necessidade atual: precisa-se de consumidores, nunca de pensadores. A transformação do humano em simples mercadoria é o que há de mais usual nos princípios mercadológicos que detraem o que antes nos tornava únicos. A humanidade cede lugar às maquinas e o tempo é o de não olhar para trás, mas de perder-se em um mundo de medo e de consumo. Antes, empresas buscavam empregados que transmitissem os valores éticos de respeito ao colega de trabalho, ao próximo e às relações sociais mundo afora. Com a mudança desenfreada, os horários de trabalhos alteraram e seu alcance vai até as ultimas forças do trabalhador, pois o mercado não cessa. Para isso, as pessoas compreenderam, de certa forma, que não podiam mais seguir os trilhos dourados da convivência e os deixaram esquecidos. Nessa nova visão, aquele despreocupado com suas tarefas fora da empresa, que pode descartar qualquer sentido ético em prol da manutenção do seu serviço e até mesmo, definir novas virtudes praticas em detrimento da sociabilidade, é o diferencial e o aceito. Pessoas descartáveis e que facilmente descartam seus princípios éticos e até mesmo, os outros. São valores inversos, procurados pelo mercado, para preencher suas engrenagens. Diante a tudo isso há a falta de fé e a apatia que reina nos assuntos do que é público, em forma de “desencantamento” com o que é política e com o que é coletivo (WEBER). Nesse interim, a falta de perspectivas gera também a falta de responsabilidades éticas para com os outros e para com as instituições diversas, entre elas, as organizações fundantes da própria sociedade. A regulação é feita por uma justiça sobrecarregada, abatida e apática, em um direito ultrapassado que não abrange os novos moldes da ética e da civilização do consumo. Não à toa muitos processos distribuídos à competência jurisdicional levam um tempo enorme para serem analisados. Comum cartórios particulares colocarem os interesses próprios em primeiro lugar, impulsionando processos pagos em detrimento de justiça gratuita; pois são apenas negócios. E nisso tudo sofre quem mais necessita de um pouco de atenção, que não se aventura em processos por desejo próprio. A justiça para todos é um dos mais falaciosos jargões do direito, o que antes era invisual hoje alimenta o sistema. Os cárceres estão cada vez mais abarrotados de selecionáveis, drogados e pobres. Há uma higienização constante legalizada e institucionalizada, enquanto rombos bilionários dão cabo às aventuras de nossos ricos políticos mundo afora. No mesmo instante, furtos famélicos, insignificantes para qualquer um, são levados às últimas consequências, negros/pobres são presos por portar desinfetante em sua bolsa, algumas moedas e um punhado de maconha. Nesse turbilhão o mercado se coloca em primeiro lugar. Nota-se a formação do mundo acadêmico jurídico como um grande comércio já aceito nos ideais da mercancia. A transformação de acadêmicos em simples “passadores do exame da Ordem” é consequência, por parte, de um intuitivo negócio em crescimento e por outro lado, da necessidade de obter a aprovação. Ocorre que este sentido parece ser o único ou o mais importante na vida do acadêmico, pois também faz parte desse sistema. Mas a prova não prepara para os desafios que certamente virão, muito menos o fazem cursinhos intensivos ou manuais de direito. Ela é apenas mais uma etapa a ser concluída, que se transformou, infelizmente, num grande negócio. Importante sim, mas nunca deveria ser vista como um comércio, lucro ou mercado. São os valores inversos que formam a ética da sociedade atual. Inúmeras empresas pagam suas multas, principalmente em âmbito ambiental, como se essas fossem simples permissão para continuar fazendo a atividade geradora das multas impostas. É mais simples pagar pois a engrenagem não pode parar, e esse é um dos desafios hodiernos. Cessam bolsas de pesquisas cientificas, diminuem possibilidades e universidades federais dão o ultimo suspiro por conta de governos que não entendem (ou entendem muito bem) sua importância. A formação de homens negócio e consumidores acríticos são uma benção para empresas assim. E no meio de tudo isso, quem mais sofre é a população mais carente, que hoje não pode mudar o status quo nem mesmo junto àquele velho jargão: “com muito esforço e trabalho se chega lá.” Iverson Kech Ferreira Mestrando em Direito pela Uninter Pós-graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal Advogado Referência: BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2011. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |