Na coluna do estudante, Ane Caroline dos Santos Silva e Stéfanie Santos Prosdócimo elaboram uma reflexão sobre a violência política praticada no país, vale a leitura! ''A incidência da violência eleitoral e política no Brasil cresce cada vez mais ao longo dos anos. Esta violência sustentada pelo discurso machista, racista, pela homofobia e pelas várias outras formas de discriminação, além de violarem os direitos humanos, acabam por gerar um retrocesso de uma sociedade que há anos luta por igualdade de direitos. O atual cenário é estarrecedor, a luta pelo poder traz consigo consequências trágicas''. Por Ane Caroline dos Santos Silva e Stéfanie Santos Prosdócimo Nos últimos anos a violência contra candidatos e pré-candidatos a cargos eletivos teve um aumento significativo, dentre estas formas de violência, destacam-se assassinatos, ameaças, agressões físicas e verbais.
A Organização Mundial da Saúde define violência como uso, de forma intencional, da força física ou do poder, podendo ser real ou por ameaça. Isto pode ocorrer contra si mesmo, outra pessoa e até mesmo um grupo ou comunidade que venha resultar ou que possa resultar em alguma lesão, morte, dano psicológico, deficiência no desenvolvimento ou privação[1]. Neste viés, as organizações sociais de direitos humanos, quais sejam: Terra de Direitos e Justiça Global, ressaltam que a violência política “consiste no uso intencional de recursos e ferramentas de poder e da força com o objetivo de alcançar resultados políticos” e ainda assim aduz que a violência é incentivada como forma de obtenção de benefícios e de contribuir para obter, tomar ou até mesmo para mantê-lo. Deste modo, a polarização e a competitividade, bem como: “o apelo a ideologias de glorificação da violência, o estímulo à discriminação e ao medo de determinados grupos, a potencialização da rivalidade violenta entre adversários são elementos instrumentalizados por grupos políticos dominantes e elites tendo em vista a garantia do poder. A violência acaba por se fortalecer como um recurso poderoso e um resultado inevitável”[2]. De acordo com Arendt a violência não é irracional, sendo motivada pelo ódio, o qual vem manifestar a prática violenta, assim afirma “a violência frequentemente advenha do ódio”[3]. Portanto, a preservação do controle do poder reflete em consequências trágicas dentro da política, visto que, a violência se faz presente nesse cenário, como forma de manter o domínio ao que se almeja. A incidência da violência política foi foco para levantamento de dados globais apresentados pelas organizações sociais de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global a partir de notícias publicadas pela imprensa. Desta forma, em 2019, um episódio de violência política foi registrado a cada três dias no Brasil, houve um aumento de 37% em relação ao ano de 2016. Dentre o número de casos registrados, observa-se que são 125 assassinatos, 85 ameaças, 33 agressões, 59 ofensas, 21 casos de invasões e 4 casos de criminalizações[4]. Neste contexto, as pesquisas mostram que as mulheres são mais visadas no que tange a prática de violências. Em caso de assassinato e atentado 7% das vítimas são mulheres, assim como 18% em casos de agressão. Cabe ressaltar que 31% das vítimas de ameaça também são mulheres e 76% em casos de ofensa[5]. Evidencia-se ainda a baixa ocupação das mulheres no cenário político. Em 14 de março de 2018, na cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco e seu motorista Anderson Matias foram assassinados em atentado, com 13 tiros, ao carro em que se encontravam. A socióloga foi eleita vereadora da Câmara do Rio de Janeiro com 46.502 votos e também foi Presidente da Comissão da Mulher da Câmara[6]. Ronnie Lessa e Elcio Queiroz são acusados pela morte da vereadora e seu motorista. A decisão proferida pelo juiz Gustavo Gomes Kalil, da 4ª Vara Criminal da Capital, qualifica tal fato como homicídio doloso, visto que, os réus agiram por motivo torpe. Assim, profere: “no mérito, de início, quanto aos crimes dolosos contra a vida, há provas de materialidade dos dois crimes de homicídio consumado, em detrimento das vítimas fatais Marielle e Anderson”[7]. Menciona-se ainda o assassinato de Adriano Magalhães, candidato à prefeitura de Dom Eliseu, no sul do Pará. Ele foi morto a tiros, até o momento ninguém sabe de onde partiu o tiro que acabou com sua vida, cabe destacar que era a primeira vez que ele participava de uma eleição. A polícia investiga o caso[8]. Isto posto, podemos concluir que a violência eleitoral é motivada por diversos fatores, destacam-se o tipo de regime, o arranjo institucional e as condições sociais do país[9]. Destarte que, a Justiça Eleitoral brasileira é formada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE's), é um órgão independente cuja legitimidade não vem sendo contestada. Há estudos internacionais que além de apontarem a independência das Cortes Eleitorais, sugerem que esta poderia atuar como um mecanismo de desenvolvimento da accountability política no país[10]. Por conseguinte, com a finalidade de enfrentar a problemática pertinente à violência eleitoral no Brasil, há de se sugerir a criação de um comitê de ética e um comitê disciplinar para proteger os candidatos e pré-candidatos; discussão entre os órgãos do sistema de justiça e direitos humanos, como o Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos e o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (PROVITA), para a criação de um protocolo de atendimento das vítimas de violência, tendo em conta a garantia de: 1) a escuta e assessoria das vítimas; 2) análise de riscos; 3) adoção de medidas de segurança; 4) conectar a vítima com as autoridades competentes; 5) integração das vítimas em redes e serviços de apoios[11]. A incidência da violência eleitoral e política no Brasil cresce cada vez mais ao longo dos anos. Esta violência sustentada pelo discurso machista, racista, pela homofobia e pelas várias outras formas de discriminação, além de violarem os direitos humanos, acabam por gerar um retrocesso de uma sociedade que há anos luta por igualdade de direitos. O atual cenário é estarrecedor, a luta pelo poder traz consigo consequências trágicas. Assim, acrescenta-se que com os atos de violência disseminados e praticados e principalmente, direcionados a grupos que no decorrer da história vêm sendo discriminados, afeta assim, a democracia do país. ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA Graduada em Ciências Biológicas. Graduanda em Direito, 6° período, Centro Universitário Uninter. Membro do Grupo de Pesquisa: Não Somos Invisíveis. STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Graduanda em Direito, 6° período, Centro Universitário Uninter. Membro do Grupo de Pesquisa: Direitos da Mulher. Estagiou em Departamento da Polícia Civil de 2018 a 2020. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Sobre a violência. 3. ed. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2001. BORBA, Felipe. NOGUEIRA, Ary Jorge Aguiar. Violência eleitoral no Brasil: o perfil político e social de candidatos assassinados entre 1998 e 2016. Disponível em: < https://portal.anpocs.org/index.php/papers-40-encontro-3/gt-31/gt35-10/11416-violencia-eleitoral-no-brasil-o-perfil-politico-e-social-de-candidatos-assassinados-entre-1998-e-2016/file>. Acesso em: 13 nov. 2020. G1. Estudo aponta 327 casos de violência contra candidatos entre 2016 e 2020. Disponível em: < https://g1.globo.com/politica/eleicoes/noticia/2020/10/25/estudo-aponta-327-casos-de-violencia-contra-candidatos-entre-2016-e-2020.ghtml>. Acesso em: 13 nov. 2020. Instituto Marielle Franco. Disponível em: < https://www.institutomariellefranco.org/quem-e-marielle>. Acesso em: 11 nov. 2020. Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. 2019. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2019/04/14142032-relatorio-mundial-sobre-violencia-e-saude.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2020. Poder Judiciário – Estado do Rio de Janeiro. Caso Marielle, réus irão a júri popular. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/7079282>. Acesso em: 11 nov. 2020. Terra de Direitos e Justiça Global. Violência Política e Eleitoral no Brasil. Panorama das violações de direitos humanos de 2016 e 2020. Disponível em: <http://www.global.org.br/wpcontent/uploads/2020/09/Relat%C3%B3rio_Violencia-Politica_FN.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2020. NOTAS: [1]Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. 2019. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2019/04/14142032-relatorio-mundial-sobre-violencia-e-saude.pdf> Acesso em: 11 nov. 2020. [2]Terra de Direitos e Justiça Global. Violência Política e Eleitoral no Brasil. Panorama das violações de direitos humanos de 2016 e 2020. Disponível em: <http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Relat%C3%B3rio_Violencia-Politica_FN.pdf> Acesso em: 11 nov. 2020. [3]ARENDT, Hannah. Sobre a violência. 3. ed. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2001, p. 47. [4]Terra de Direitos e Justiça Global. Violência Política e Eleitoral no Brasil. Panorama das violações de direitos humanos de 2016 e 2020. Disponível em: <http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Relat%C3%B3rio_Violencia-Politica_FN.pdf> Acesso em: 11 nov. 2020. [5]Ibidem, p. 49. [6]Instituto Marielle Franco. Disponível em: < https://www.institutomariellefranco.org/quem-e-marielle> Acesso em: 11 nov. 2020. [7]Poder Judiciário – Estado do Rio de Janeiro. Caso Marielle, réus irão a júri popular. Disponível em: < http://www.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/7079282> Acesso em: 11 nov. 2020. [8]G1. Estudo aponta 327 casos de violência contra candidatos entre 2016 e 2020. Disponível em: < https://g1.globo.com/politica/eleicoes/noticia/2020/10/25/estudo-aponta-327-casos-de-violencia-contra-candidatos-entre-2016-e-2020.ghtml>. Acesso em: 13 nov. 2020. [9]BORBA, Felipe. NOGUEIRA, Ary Jorge Aguiar. Violência eleitoral no Brasil: o perfil político e social de candidatos assassinados entre 1998 e 2016. Disponível em: < https://portal.anpocs.org/index.php/papers-40-encontro-3/gt-31/gt35-10/11416-violencia eleitoral-no-brasil-o-perfil-politico-e-social-de-candidatos-assassinados-entre-1998-e-2016/file>. Acesso em: 13 nov. 2020. [10]Idem. [11]Terra de Direitos e Justiça Global. Op cit., p. 81.
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