Não apenas em relação à ideia do cárcere, é necessário pensar além. Para cumprirem-se as leis, ações de fiscalização e prisão são tão importantes quanto as que vem depois: durante o momento de reclusão e também após. Mesmo constatando que o sistema atual brasileiro não supre àquilo que é demandado pela sociedade, não se deve desistir de refletir e criar alternativas que fogem aos padrões e ao que é esperado, pois tudo o que visa o crescimento comunitário é válido.
Durante o período do cárcere, muitas pessoas são submetidas à práticas antes não imaginadas, pois terão que seguir regras, obedecer superiores, trabalhar,... é até possível imaginar uma sociedade totalmente diferente. Em algumas pesquisas, é possível detectar que o período passado lá, principalmente para as mulheres, acaba se tornando mais um espaço de violência, dando margem à ideia de que qualquer coisa seria melhor que a prisão (SILVA, MARCONDES, 2017). Entretanto, não se deve esquecer que esse período precisa compreender ações que visem a ressocialização, visto que o sujeito não permanecerá para sempre lá. Como confirma Almeida (2012), o objetivo da Lei de Execução Penal é cumprir as disposições legais e oportunizar a ressocialização do indivíduo, com o intuito de fazer com que ele reingresse à sociedade. Muitas dificuldades ainda são encontradas no que tange a este assunto, em especial no momento em que o tempo de prisão acaba. A dúvida do que fazer a seguir com este egresso ainda não tem uma resposta estabelecida, mesmo ele ainda sendo, de certa forma, responsabilidade do Estado, já que não se cumpriu ainda a parte do pós encarceramento. Como aquilo que se está descrito em lei inclui um projeto maior do que “apenas” a permanência em cadeia, não se deve achar que o trabalho acaba neste momento. Assim, o que vemos na prática é que o cidadão, tendo sido privado de sua liberdade por um período, perde seu referencial de vida e, mesmo já tendo passado seu tempo penal, encontra dificuldades para retomar o convívio na comunidade, acabando por permanecer desempregado ou com trabalhos informais (ALMEIDA, 2012). Isso faz com que a “segunda” parte do processo seja perdida. Almeida (2012) ainda reforça que o sistema prisional não deve ser considerado como uma forma de segregar da sociedade as pessoas que infringiram a lei; mas a comunidade, por sua vez, precisa entender que é necessário que exista uma ação conjunta com o Estado para a implementação de medidas sociais, econômicas, educacionais e culturais para proporcionar um ambiente ressocializador, tanto quanto conscientizar a população encarcerada. Retomando a pesquisa citada anteriormente, que demonstra que as presas mulheres consideravam que qualquer coisa poderia ser melhor que a situação atual, ainda assim houveram reflexões acerca de alternativas que garantiriam a liberdade provisória, mas que também poderiam ser altamente punitivas (SILVA, MARCONDES, 2017). A opção da monitoração eletrônica, por exemplo, por um lado, vem com a ideia de controlar o indivíduo, sem precisar com que ele fique recluso, auxiliando a reinserção no cotidiano fora da prisão. Entretanto, é acompanhada por um estigma e ainda uma “suposta liberdade”, pois, como apresenta Silva e Marcondes (2017), “os limites territoriais e os horários de circulação são autorizados por juízes e juízas, e podem variar discricionariamente, havendo situações em que a área de circulação é incompatível com a manutenção do endereço da pessoa monitorada”. Juntamente com o preconceito que permeia a situação, pois, continua-se com o rótulo de “condenado” e a aversão é vista não somente nas empresas, mas também pela própria comunidade, que deseja que os criminosos sejam presos, mas não querem saber deles após a pena cumprida (ALMEIDA, 2012), essa “soltura” que não deixa livre, de fato, pode ser tão punitiva quanto a prisão. Considerando o teor rigorosamente vigilante do uso da tornozeleira como objeto de monitoração, esta medida deveria ser utilizada raramente, tenho o principal intuito de restringir o número de pessoas presas, em especial, mulheres (SILVA, MARCONDES, 2017). Mas isso nem sempre ou em todas as ocorrências precisa ser visto de forma somente crítica negativamente. Com um maior conhecimento da vida das pessoas que passarão a um regime deste tipo, é possível reverter a visão somente punitiva, introduzindo um aspecto positivo sobre o período monitorado: o de oportunidade. Essa mudança de paradigma apresenta uma ideia diferenciada, considerando as pessoas detentoras de deveres, mas sem esquecer de seus direitos. Como não se pode mais pensar de maneira linear, pois já identificamos muitos fatores que perpassam a criminalidade, uma visão sistêmica da situação em si é a mais adequada. Assim, com o avanço da democracia e aumento do estado, em andamento desde a reforma constitucional de 1988, a sociedade tem cada vez mais demandas, que envolve também a solução pacífica de conflitos existentes, trazendo indivíduos, partidos políticos, empresas privadas, entre outros, como atores desse processo, encontrando-se motivação para melhorar o desempenho como cidadãos (ALMEIDA, 2012). Decorrente disso, pode-se criar um ambiente mais propício para o desenvolvimento de alternativas que quebrem as barreiras e contribuam para a sociedade. Na prática, é possível lembrar do projeto Geração Bizu, que serve como um exemplo para que mais ideias possam sair do papel. Essa iniciativa, com criação na cidade de Curitiba, Paraná, é uma startup de empreendedorismo comunitário desenvolvida pela assistente social Fernanda Rossa e da psicóloga Carolina Miranda do Amaral e Silva, tendo como objetivo primordial o desenvolvimento pessoal e profissional, assim como o apoio psicológico e social, capacitando pessoas inseridas no sistema prisional, para que possam estar aptas ao mercado de trabalho e possuam meios para geração de renda. Recentemente, um antigo posto policial que havia sido abandonado após um incêndio foi inteiramente reformado e transformado em um café. Após muito estudo, engajamento e parcerias, ele foi inaugurado e conta com uma característica especial: só emprega mulheres monitoradas por tornozeleira eletrônica. As duas funcionárias que trabalham lá foram autorizadas por um juiz a trabalharem longe de casa. Assim, podem criar um cotidiano e contar com a aprendizagem que uma nova ocupação proporciona. Como já pontua Almeida (2012), as alternativas de ressocialização (assim como ideias de prevenção) são o caminho para a transformação de um indivíduo. Com isso, novas maneiras de se visualizar o que acontece são necessárias, tanto quanto, com isso, poder criar novas formas de tratamento e oportunidades diferenciadas com o intuito de igualar a vivência dos egressos com sua reinserção na sociedade. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Rosdeci M. Prisão, egresso e trabalho. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Administração. Curso de Especialização em Gestão Municipal UAB. 2012. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/71769/000877313.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 04 ago. 2018. Curitiba inaugura o primeiro café de monitoradas do país.Conselhos da Comunidade. Disponível em: < https://conselhodacomunidadecwb.com.br/2018/07/30/curitiba-inaugura-o-primeiro-cafe-de-monitoradas-do-pais/>. Acesso em: 05 ago. 2018. SILVA, Mariana L. C.; MARCONDES, Nina C. MulhereSemPrisão: reflexões para o desencarceramento. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017. Disponível em: <http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499267649_ARQUIVO_Artigo_Mulheresemprisao_reflexoesparaodesencarceramento.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2018. Site do projeto citado: http://geracaobizu.com.br/ Comments are closed.
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