Quem são eles? Por que deveríamos nos importar? Faz diferença com ou sem eles? Notamo-los? Os percebemos? Sabemos quem são, o que fazem, o porquê de ali estarem, assim serem, ou terem chegado a tal ponto?
A maioria de nós os vê como um estorvo. “Estão ali porque querem!”. “Vão trabalhar, vagabundos!”. “Não dê atenção, filho. Continue andando sem olhar!”. E assim os excluídos permanecem como tal. Como falar em oportunidade quando a exclusão é retroalimentada pela própria sociedade a que pertencem? Não há qualquer incentivo. Muito pelo contrário – há apenas a eliminação sistemática de qualquer tentativa de levante ou insurgência. Assim deve permanecer, pois caso contrário, o braço do Estado alcançará os que ousarem se rebelarem. “Cadeia neles!”. Apenas isso. John Grisham construiu uma excelente história em seu livro “O Advogado”, onde o choque com a realidade (para além da análise com o conforto ofertado por uma poltrona atrás da mesa) fez com que o protagonista da obra repensasse toda a sua vida. Michael, um talentoso advogado, ao conhecer mais de perto a situação dos moradores de rua e toda a opressão do sistema sofrida por estes, revê toda a sua vida. No âmbito pessoal e profissional, o advogado revê conceitos e reestrutura suas ações, passando a se tornar um advogado de rua. “Advogado de rua”, pois sua luta passa a ser outra – muito além da busca pelo sucesso profissional e financeiro. Diante de sua epifania, são outras questões vivenciadas que passam a significar o “ter prestígio”. Os defendidos por Michael em sua nova empreitada? Eles, os excluídos. O advogado, junto a estes, rebela-se contra o sistema, contra a injustiça, contra a ausência de corpo, de voz e até mesmo de existência dos que residem sem residir. O livro de Grisham é um deleite e nos faz, no mínimo, pensar. Mas e em nosso corpo social, a existência de alguns poucos Michaels é suficiente para mudar a realidade? É possível romper com as barreiras que são impostas aos que não possuem voz? Difícil de responder positivamente, principalmente quando se leva em conta que o sistema funciona para que assim continue. Vale lembrar que até pouco tempo atrás a contravenção de “mendicância” se encontrava vigente. E por mais que grandes e salutares vozes na doutrina sustentem a inconstitucionalidade da Lei de Contravenções Penais, os efeitos da malograda lei ainda se fazem presentes. No mínimo é possível sustentar o caráter simbólico e nefasto que a mencionada lei exerce. Uma das previsões de tal texto legal é a definição como contravenção, em seu artigo 59, o ato de “entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita”, a tal da contravenção de vadiagem. Guilherme de Souza Nucci sustenta a inconstitucionalidade do dispositivo “não somente pela aplicação do princípio da intervenção mínima, mas, sobretudo, pelo caráter discriminatório da contravenção penal do art. 59”. Mesmo assim, o recado pelo Estado ali está dado. Quem não se amolda ou não se encaixa, excluído deve ser. O Direito Penal e a eterna insistência de sua tradução como a panaceia para todos os males (ou assim vistos como sendo) da sociedade... Airto Chaves Junior e Fabiano Oldoni articulam sobre a questão com maestria:
E a eles, os excluídos? A indiferença ou o Direito Penal – é o que estamos proporcionando apenas. Há chances de se mudar algo? Depende de nossa postura, de nossas atitudes, do nosso agir. Mesmo sendo utópico um alcance total, cada ato particular já faz toda uma diferença. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Bibliografia Consultada: CHAVES JUNIOR, Airto. OLDONI, Fabiano. Para Que(m) Serve o Direito Penal?: uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 207 GRISHAM, John. O Advogado. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas (Volume 1). 6ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 167 Comments are closed.
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