O artigo 385 do Código de Processo Penal dispõe que “Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”.
Quem alega a inaplicabilidade do artigo ressalta o fato de que o Código de Processo Penal atualmente vigente no Brasil foi elaborado em 1941 e que na época de sua elaboração havia uma direção autoritáriae, portanto, teve uma grande influencia da visãoinquisitiva. Porém, com o passar do tempo, ocorreram mudanças na sociedade, que levaram às alterações legislativas. No sistema processual penal acusatório, as funções de acusar, julgar e defendersão realizadas por poderes distintos, evitando assim prejuízos à imparcialidade. O Ministério Público atua como órgão responsável pela acusação, buscando a produção de provas no interesse da verdade, deixando ao juiz a função de analisar e julgar os fatos com impessoalidade e imparcialidade. Desse modo, o réu, sujeito de direitos, goza de todas as garantias constitucionais, sendo julgado e condenado com base nas provas apresentadas no processo. Pois bem, apesar de grande parte da doutrina opinar que o artigo em questão seria inconstitucional, não é a nossa opinião. A maioria traz como justificativa o fato de o Código de Processo Penal ser arcaico, visto que foi criado em 1941, tempo que, temos que concordar, os julgamentos não eram os mesmos da atualidade, utilizava-se muito a ideia de "olho por olho, dente por dente", em que as pessoas muitas vezes faziam justiça por conta própria, de forma desproporcional, baseado no famoso princípio de talião. Porém, esta justificativa não pode ser considerada, já que, depois da criação deste Código, houveram reformas, sendo que não foi modificado o artigo em discussão em momento algum, deixando claro que apesar de o Código ser sim antigo, as modificações que se mostraram necessárias com o passar do tempo foram sendo feitas e adaptadas para serem aplicadas atualmente. Outro argumento utilizado é que o juiz, condenando o sujeito mesmo com o pedido de absolvição do representante do Ministério Público, estaria sendo imparcial, sendo que esta imparcialidade é pressuposto para que a relação processual seja válida, já que o magistrado não pode condenar por sua vontade própria. Mas, se o juiz fundamentar devidamente sua decisão, alegar todos os requisitos que levaram à condenação mesmo com o Ministério Público pedindo a absolvição, porque não condenar? Algumas vezes o juiz pode analisar situações que talvez não foram analisadas pelo Ministério Público, não a propósito, mas porque passou despercebido, e se estiver devidamente fundamentado e explicado o motivo pelo qual levou à condenação, não tem porque não condenar. Há ainda quem apoie a ideia de que se o juiz não absolver mesmo o Ministério Público pedindo, qual seria o papel do Ministério Público no caso. Entretanto, pensamos de forma diferente, se o juiz tivesse que aceitar tudo que o Ministério Público propõe, qual seria o papel do juiz no processo? De acordo com o Princípio da Íntima Convicção do Juiz sobre o mérito da causa, o juiz não se subordina a qualquer pedido anterior. A moderna doutrina não apresenta a relação processual com hierarquia entre o magistrado e as partes; e sim, aponta para um horizonte igualitário, onde há direitos e deveres recíprocos, sendo a busca da solução justa o principal ponto de convergência, sendo assim, se não há hierarquia, o juiz não deve submeter-se às escolhas do Ministério Público, mas sim expor sua decisão, defendendo o que for correto para si, com base no andamento e provas apresentadas no processo. Nesse mesmo sentido, afirmam Afrânio Silva Jardim e Pierre Amorim:
De modo similar, defendem essa ideia Guilherme de Souza Nucci e Eugênio Pacelli, entre outros. Portanto, nossa opinião é a de que não há inconstitucionalidade no artigo em discussão, sendo que grande parte dos argumentos debatidos pelos doutrinadores que pensam ao contrário do que defendemos foram argumentados. Ainda, caso o Ministério Público não concorde com a sentença, poderá recorrer em favor do réu, por este motivo também o juiz tem o direito de divergir do pedido feito pelo Ministério Público. Ana Kelly Moraes Acadêmica de Direito pela Universidade do Contestado (UnC) – Campus Canoinhas/SC Gabrielle Sanchuki Cruz dos Santos Acadêmica de Direito pela Universidade do Contestado (UnC) – Campus Canoinhas/SC Juliani Pontes Gonçalves Acadêmica de Direito pela Universidade do Contestado (UnC) – Campus Canoinhas/SC Maira Orgecovski Acadêmica de Direito pela Universidade do Contestado (UnC) – Campus Canoinhas/SC Sindia Maria de Araújo Machado Acadêmica de Direito pela Universidade do Contestado (UnC) – Campus Canoinhas/SC REFERÊNCIAS AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. 7. ed. São Paulo: Método, 2015. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. JARDIM, Afranio Silva / AMORIM,Pierre Souto M. C. de. Direito Processual Penal - Estudos e Pareceres - 13ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. MENDONÇA, Andrey Borges de. Reformas do Código de Processo Penal. São Paulo: Método. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal - 21ª Ed. 2017: Atlas. Comments are closed.
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