Shakespeare foi um homem além de seu tempo e suas peças teatrais são fontes de grande aprendizado e lições na sociedade atual. A peça Júlio César foi escrita em 1599, representando a passagem de Shakespeare das peças históricas para as tragédias[1]. Nessa peça, observa-se o processo político de criação no enredo dos personagens e a forma como os fatos se desenvolvem ao decorrer da história no contexto político e social.
As conspirações são evidenciadas primordialmente por Brutus, no qual demonstram-se os interesses pessoais de tudo o que sucederá na história. Brutus movido por ambições pessoais decide matar Júlio César sem uma justificativa plausível, trazendo diversos questionamentos naquela situação. Como aduz Liana Leão:
Nesse sentido, essa peça é uma das mais destacadas da carreira de William Shakespeare em uma tragédia que reflete muito sobre a conduta humana, interesses pessoais e políticos em um determinado contexto social. Em um momento da peça, observa-se que Brutus busca justificações para sua conduta em prol do bem comum e o amor à pátria, quando aduz: BRUTUS: Ouvi com paciência até o fim. Romanos, compatriotas e amigos! Ouvi-me por minha causa, e ficai em silêncio para poder ouvir. Acreditai-me por minha honra, e respeitai minha honra por poder acreditar. Censurai-me em vossa sabedoria e despertai vossos sentidos para julgar melhor. Se houver alguém nesta assembleia, algum querido amigo de César, a ele eu direi que o amor de Brutus por César não foi menor do que o seu. Se então ele perguntar por que Brutus levantou-se contra César, está é a minha resposta: não foi porque amei menos a César, mas porque amei mais a Roma. Preferiríeis vós que César estivesse vivo, para que morrêsseis todos escravos, a que César estivesse morto, para viverdes livres? Porque César me amava, choro por ele; porque foi feliz, regozijo-me; porque foi bravo, honro-o; mas porque era ambicioso, matei-o. Há lágrimas por seu amor, regozijo por sua felicidade, honra por sua bravura e morte por sua ambição. Quem há aqui tão baixo que quisesse ser escravo? Se há alguém, que fale; pois a ele eu ofendi. Quem há aqui tão rude que não quisera ser romano? Se tão vil que não ame o seu país? Se há alguém, que fale; pois a ele eu ofendi. Espero uma resposta[3]. Brutus possuía uma capacidade argumentativa brilhante, o que possibilitou atingir seu objetivo mesmo com a causa da morte injustificada. Sob os argumentos da tirania de César, de sua ambição e numa ação embasada em prol do bem comum do povo Romano, vislumbra-se nessa clássica tragédia de Shakespeare a capacidade do ser humano de agir em busca de seus interesses pessoais, movidos sempre pela busca do poder. A ambição de César posteriormente a sua morte é questionada pelo povo, pois César havia negado a coroa e no diálogo entre os romanos após a morte de César é evidenciada a dúvida diante dos fatos. 1º PLEBEU Acho que tem razão do que ele diz 2º PLEBEU Pensando bem em toda essa questão, César foi muito injustiçado. 3º PLEBEU Muito! Eu só temo que venha outro pior 4º PLEBEU Ouviram? Ele não quis a coroa; É óbvio que não era ambicioso[4]. Nesse sentido, vislumbra-se as conspirações perante César diante do diálogo dos personagens, demonstrando toda a questão política e de poder nos fatos que antecederam a morte de Júlio César. Afinal, qualquer pessoa que escuta a frase ‘’Até tu Brutus?’’ sabe que trata-se de uma das maiores traições escritas nas obras de Shakespeare podendo ser observada na fala de Antônio após os fatos. ANTÔNIO Se tendes lágrimas, chorai agora. Conheceis este manto. Eu inda lembro A vez primeira em que ele o usou: Era tarde de estio; em sua tenda, No mesmo dia em que venceu os Nérvios. Vede aqui onde Cassius o feriu, E onde o rasgou a inveja de Casca. Aqui o apunhalou o amado Brutus, E quando este puxou pra fora a faca, Vede o sangue de César a segui-la, Assim como se corresse porta afora Pra ver se o golpe fora do cruel Brutus. Pois esse Brutus, como vós sabeis, Era o anjo de César. Vós, oh deuses, Julgai o quanto César o amava! Essa ferida mais cruel Pois quando César o viu golpeando-o, A ingratidão, mais forte que os traidores, Venceu e arrebentou seu coração; E, protegendo o rosto com seu manto, Junto à base da estátua de Pompeu, Todo em sangue, caiu o grande César. E que queda foi essa, meus patrícios! Pois então vós e eu caímos todos Com o triunfo sangrento da traição. Ora chorais e eu vejo que sentis Dor e piedade. Esse é um belo pranto. As feridas de um manto? Olhai agora, pra ver como a traição feriu seu corpo[5]. Os ímpetos humanos e a busca exacerbada pelo poder são marcantes nessa peça e em seus personagens. Sem dúvidas uma das mais brilhantes peças de Shakespeare gerando inúmeros questionamentos sobre a ambição humana e seus interesses pessoais, relacionando-se perfeitamente com a conjuntura política atual na qual um grupo detentor do poder político age única e exclusivamente para reivindicar os próprios interesses, custe o que custar. Mas tudo tem um preço e esse preço pode ser caro prejudicando a sociedade em sua totalidade. Como aduz Barroso[6]: transplantando o imperativo categórico de Kant do Iluminismo para a Antiguidade Clássica, se todos pudessem matar, trair e derrota o amor em nome de um ideal legítimo, o prêmio final viria sem mérito nem virtude. E embora fosse moralmente maior que César, para destruí-lo, Brutus tornou-se menor que ele. O mal não é fonte do bem. Por melhores que sejam as intenções. Sem dúvidas uma peça que deve ser lida pela riqueza de reflexões sociais e políticas que possui. Paula Yurie Abiko Graduanda Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Estagiária do Ministério Público Federal Membro do grupo de pesquisa O mal estar no Direito Modernas Tendências do Sistema Criminal Trial by Jury e Literatura Shakesperiana Membro do International Center for Criminal Studies e da Comissão de Criminologia Crítica do Canal Ciências Criminais Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROSO, Luis Roberto. A tragédia de Júlio César: poder, ideal e traição.Ele Shakespeare, visto por nós, os Advogados. Organização: ALQUÉRES, José Luiz; NEVES, José Roberto de Castro, Rio de Janeiro, edições de janeiro. 2017. HELIODORA, Barbara; Organização LEÃO, Liana de Camargo. Grandes obras de Shakespeare. Peças histórica, inglesas e romanas.Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2017. [1]HELIODORA, Barbara; Organização LEÃO, Liana de Camargo. Grandes obras de Shakespeare. Peças histórica, inglesas e romanas. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2017. p. 301. [2]HELIODORA, Barbara; Organização LEÃO, Liana de Camargo. Grandes obras de Shakespeare. Peças histórica, inglesas e romanas. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2017. p. 305. [3]HELIODORA, Barbara; Organização LEÃO, Liana de Camargo. Grandes obras de Shakespeare. Peças histórica, inglesas e romanas. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2017. p. 368. [4]HELIODORA, Barbara; Organização LEÃO, Liana de Camargo. Grandes obras de Shakespeare. Peças histórica, inglesas e romanas. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2017. p. 371 e 372. [5]HELIODORA, Barbara; Organização LEÃO, Liana de Camargo. Grandes obras de Shakespeare. Peças histórica, inglesas e romanas. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2017. p. 374 e 375. [6]BARROSO, Luis Roberto. A tragédia de Júlio César: poder, ideal e traição. Ele Shakespeare, visto por nós, os Advogados. Organização: ALQUÉRES, José Luiz; NEVES, José Roberto de Castro, Rio de Janeiro, edições de janeiro. 2017. p. 62. Comments are closed.
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