O seu destino foi selado por aquelas três. Ali, no pântano, entre trovões e relâmpagos, decidiu-se o destino do ausente. A elas, a quem cabe a profecia, foi dada a palavra sobre aquilo que viria a acontecer. Já se sabia de antemão o trágico desfecho. No triunvirato sobre a vida daquele que almejou ser rei, o fim foi antes visto. Profetizou-se. Mas a ideia do futuro ali não bastava. Não. Era preciso que fosse conhecido por aquele a quem os próximos dias diriam respeito. A profecia, por si só, nada significa, uma vez que depende de atos para que se concretize. A semente da cobiça pelo poder precisa ser lançada para que cresça e surta seus efeitos. Daí a necessidade de que o futuro a quem pertence seja para esse lido. Trata-se de condição de possibilidade para que a profecia assim de fato seja. Eis o encontro que se combinou. Após novos trovões, as Estranhas Irmãs Bruxas do Destino encontram aquele. Saudações, onde já se é dito o que virá: aquele que no futuro será Rei. Mas o pronunciar é imperfeito. Ali estão dois. A quem se diz? Salve! – dizem. E vaticinam. “Menos importante que Macbeth, e mais poderoso”. “Menos feliz e, no entanto, muito mais feliz”. “Filhos teus serão reis, embora tu não o sejas”. As saudações proféticas são ouvidas, mas não compreendidas. As possibilidades de aquilo tudo ser concreto não existem. Não há como. Mesmo diante das ordens que exigem explicações, as bruxas desaparecem. Restam os dois. Banquo e Macbeth. O que foi ouvido é repetido, confirmando-se que de fato foi ouvido. Ambos estão de acordo, inclusive na incredulidade. Mas será mesmo assim? O destino ali foi revelado, o qual será alcançado através daquilo que se busca. É pela ideia do que está por vir que se passa a caminhar em direção daquilo. Fatores e circunstâncias envoltas ao profetizado também são necessárias para que tudo ocorra como deve ser. Como se sabe, isso tudo levou a desgraça. A cobiça, a sede pelo poder, o ímpeto do querer, resultam na grande tragédia. Traição e culpa. A culpa. Sobra somente ela. A culpa e nada mais.
A corrupção pelo poder. O poder que cega, que destrói, que mata, que cobiça, que logra, que trai, enfim, que corrompe. Esse é o mote que sustenta a tragédia exposta em "Macbeth", de Shakespeare. As nuances da cobiça pelos louros do destaque trazido pelo domínio de tudo, ou seja, o poder figurando no cerne da notoriedade, são apresentadas de forma visceral na famosa peça. Uma grande tragédia que narra os meandros da briga e disputa pelo poder. Em “Macbeth”, temos uma tragédia que acaba bem, nos dizeres de Luana Ramos Vieira e Luiz Gonzaga Silva Adolfo ao resenharem uma obra que trata das pelas de Shakespeare[1]. A justiça que se faz presente nessa peça não acontece de forma natural, mas sim a partir da conduta humana – tal como a tragédia. “Essa justiça natural, todavia, não poderá ser alcançada sem um impulso por parte dos seres humanos que a procuram”[2], ou seja, para que ela ocorra, o agir, mesmo que impulsionado por algum fator, faz-se necessário. Daí que se diz que a profecia, de igual modo, por ela mesmo, em nada significaria. Esse aspecto do “natural” está muito mais próximo da ideia do terreno do que do divino. Talvez seja diante disso que, assim se reconhecendo, a culpa, a resignação e a insistência pela ambição se façam presentes em “Macbeth” com tanto afinco. Como se sabe, o Macbeth de Shakespeare é um general notório no reino da Escócia. Braço direito do rei Duncan, o general tem muito prestígio em seu país. Em determinada ocasião, Macbeth e seu amigo, o também general Banquo, acabam encontrando três bruxas, ocasião em que estas profetizam que Macbeth será rei, que Banquo, apesar de menos importante, é mais poderoso que Macbeth, e que os filhos de Banquo serão reis. Mesmo sem entender a profundidade do vaticínio naquele momento, as palavras das bruxas acabam gerando uma reviravolta na vida de Macbeth. Ao relatar o episódio para sua esposa, Lady Macbeth, o protagonista passa a praticar atos jamais imaginados a fim de que algumas das profecias se cumpram e outras não. Assim se inicia uma série de traições e assassinatos. Ira, sangue, cobiça e poder definem o rumo da história de Macbeth, transformando a história de um rei no relato de uma tragédia. É uma peça trágica que relata com acurácia o íntimo de cada um dos personagens, ou pelo menos para com aqueles de maior destaque, cujo papel recebem mais relevo na condução da trama. Assim, o leitor pode contar com os pensamentos mais profundos daqueles que se deixaram levar pela cobiça a fim de melhor compreender os fatores que culminaram nas barbáries que seguem na obra. Macbeth é o principal deles, que acaba sendo assolado pela cobiça. A culpa é outro elemento presente na peça que merece atenção. Aflições que geram reflexões perturbadoras. O próprio Macbeth, ao ver tudo ruir a sua volta, mas ainda apostando na profecia que se veria na sequência enganosa, flerta com uma espécie de arrependimento: “começo a me sentir cansado deste sol, e gostaria que estivesse agora desfeito o estado das coisas!”[3]. Ainda assim, o protagonista prossegue até o fim – o seu fim, pelo que se pode dizer, com José Garcez Ghirardi, que a resignação estoica de Macbeth vai muito além daquela antinomia tradicional das revenge plays[4]. É ao considerar os vários elementos intrínsecos das personagens, do íntimo, do ser, do eu, do psicológico, do agir, os quais podem ser captados através de suas falas, que aproximações entre diferentes campos se fazem possíveis. Direito, Literatura, Psicologia, Psicanálise. Não que se tenha alguma pretensão do tipo, num nível profundo, com o presente texto, até mesmo porque, conforme ensina Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, para tanto, “é preciso ter cautela, parcimônia, cuidado”, pois “como discursos, não se excluem; mas também não se unificam”[5]. Porém, pequenos traços disso estão sempre aqui presentes, sem dúvida. É o que funda a proposta das abordagens feitas. “Macbeth” permite uma ampla análise sobre o trágico que se estabelece com a empreitada incessante que é impulsionada pela cobiça. O poder, sempre o poder. Para o direito, debruçar-se sobre a obra pode resultar em observações e constatações interessantes e úteis. Aquilo que se vê como altivo, ilustre, digno de um paradigma, pode ser robusto apenas em sua casca. Afinal, muitas vezes a coisa pode ser como bem disse uma bruxa: “o belo é podre”[6]. Paulo Silas Filho Professor Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Mestrando em Direito pela UNINTER Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR E-mail: [email protected] [1] ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; VIEIRA, Luana Ramos. “Mil vezes mais justo: o que as peças de Shakespeare nos ensinam sobre a justiça”. ANAMORPHOSIS - Revista Internacional de Direito e Literatura, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 195-201, maio 2015. ISSN 2446-8088. Disponível em: <http://seer.rdl.org.br/index.php/anamps/article/view/22>. Acesso em: 26 jun. 2018. doi:http://dx.doi.org/10.21119/anamps.11.195-201. [2] Idem [3] SHAKESPEARE, William. Macbeth. Porto Alegre: L&PM, 2015. p. 115 [4] GHIRARDI, José Garcez. Somos todos rematados canalhas: notas sobre vingança e justiça em Shakespeare. ANAMORPHOSIS - Revista Internacional de Direito e Literatura, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 85-98, maio 2015. ISSN 2446-8088. Disponível em: <http://seer.rdl.org.br/index.php/anamps/article/view/34>. Acesso em: 26 jun. 2018. doi:http://dx.doi.org/10.21119/anamps.11.85-98. [5] COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda de. Direito e Psicanálise: interlocuções a partir da literatura. 1ª Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 11 [6] SHAKESPEARE, William. Macbeth. Porto Alegre: L&PM, 2015. p. 13 Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |