Na data de 03 de julho de 2017, foi aprovado o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre “Medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas”, não menos surpreendente que a Comissão traz em seu relatório um tópico destinado a Política de Drogas.
A preocupação da CIDH na Política de Drogas adotada com relação ao usuário de entorpecentes nos países da américa latina se reveste em dois fatores: “a) o enfoque destes modelos é principalmente de um tratamento de natureza judicial, e não de saúde pública, e b) frequentemente existem violações aos direitos humanos nos centros de tratamento”[1] A respeito disso, o relatório menciona que ao invés de ser dada a supervisão acerca do tratamento do usuário problemático de entorpecentes a área de saúde pública, é atribuído tal cargo ao poder judiciário. Do mesmo modo, verifica-se que pela ausência de algum órgão que possa dar um parecer exato, muitas pessoas são encaminhadas para tratamento, sem, contudo, ser um usuário de entorpecentes problemático ou viciado, a respeito do tema já escrevemos para a presente coluna sobre Política de Drogas, valendo-se recordar que o vício não decorre tão somente da substância entorpecente em si, podendo ser acrescido nesta conta diversos fatores, clique aquipara conferir sobre o tema. Desta forma, importante salientar que nem todo usuário de entorpecentes pode ser considerado um viciado, ou que tal uso é problemático. Há que se acrescentar que muitos usuários de entorpecentes, utilizam a substância eventualmente e de forma recreativa, o que não o torna incapaz de trabalhar, ou até mesmo acarretar problemas de ordem familiar, ou seja, o uso das substâncias entorpecentes para estas pessoas não acarreta problemas sociais, diferentemente do uso problemático de entorpecentes ou da pessoa viciada. O usuário problemático de entorpecentes ou viciado é aquele que não consegue realizar suas tarefas normais devido à utilização de entorpecentes, tornando-o dependente daquela substância, e, sem auxílio, não consegue deixar o próprio vício. Continuando com o relatório da CIDH, o ingresso do usuário de entorpecentes que não é viciado, ou cujo o uso não é problemático, demonstra o funcionamento de uma política de criminalização do usuário, bem como a estigmatização de tais consumidores.[2] O problema de tal política de criminalização é que ao invés de se destinar tratamento, ou procurar outros meios para lidar com o uso das substâncias entorpecentes, a criminalização faz com que o usuário seja estigmatizado, e, por sua vez, acarreta uma série de prejuízos ao cidadão, vez que conforme a CEDD:
Assim, ao adotar um sistema de criminalização do usuário de entorpecentes, adicionando o Poder Judiciário para lidar com tal problemática, acaba por cercear diversos direitos fundamentais ao usuário, bem como acaba por afastar o usuário de entorpecentes que faz o uso problemático de drogas do auxílio e da assistência à sua saúde. No mesmo passo, vê-se que os tratamentos disponibilizados aos usuários que são levados ao Poder Judiciário, muitas vezes “(...)os respectivos centros de tratamento raramente são regulamentados ou fiscalizados e, em muitas ocasiões, funcionam sem base científica.”[4] E mais, atenta-se para um fato recorrente também no Brasil quando se busca o tratamento para o uso problemático de entorpecentes, que é o “emprego de técnicas que provocam severos danos físicos e mentais, por não aplicarem um processo de desintoxicação gradual; (...)”[5] Neste contexto, como bem aponta o “Relator sobre a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes da ONU, Juan E. Méndez”[6], tal tratamento de abstinência total ao usuário dependente, aliado a outras técnicas sem comprovação científica, provocam sérios danos na pessoa que está recebendo o tratamento, além de constituir infração as normas internacionais de direitos humanos.[7] Desta forma, a CIDH alerta os Estados que estes devem focar sua Política de Drogas com relação ao usuário para uma reinserção social através de uma abordagem do problema como saúde pública, e não de repressão, criminalização e estigmatização, mencionando, inclusive que “os Estados devem evitar que as pessoas que praticam essas condutas sejam privadas de sua liberdade e ingressem no sistema de justiça penal.”[8] No Brasil, o uso de entorpecentes ilícitos ainda segue a lógica da criminalização do usuário, bem como encaminhando todo àquele detido na posse de entorpecentes para tratamento, mesmo àqueles que fazem o uso não problemático de entorpecentes. Ainda, cumpre-se salientar e relembrar que a diferenciação entre o usuário e traficante no ordenamento jurídico brasileiro permanece obscura, trazendo conceitos abstratos e de difícil constatação, recaindo no subjetivismo, e como consequência, gerando o encarceramento do usuário de entorpecentes conforme alguns artigos já escritos para a presente coluna sobre o tema, clique aqui, clique aqui, clique aqui, clique aqui, clique aqui. Talvez uma das possíveis soluções para a Política de Drogas com relação ao usuário no Brasil seja seguir as próprias indicações da CIDH, a qual recomenda “que os Estados da região estudem enfoques menos restritivos, através da descriminalização do consumo e posse de drogas para uso pessoal”[9], sendo que não é uma exclusividade da CIDH a referida recomendação, pois conforme mencionado no referido relatório:
O Brasil possui dois problemas fundamentais, sendo o aumento expressivo no encarceramento, bem como o aumento do uso de substâncias ilícitas, sendo nítido que a Política Repressiva adotada atualmente não conseguiu reduzir os índices de criminalidade, e quiçá diminuir o uso de entorpecentes ilícitos.[11] Por derradeiro, é importante ressaltar que conforme a CIDH destaca, não há comprovação científica que a criminalização do usuário de entorpecentes culmine em uma redução da utilização das drogas, e muito menos, estudos que possam apoiar que a descriminalização gerará um aumento em tal consumo.[12] Conclui-se, portanto, em uma leitura do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que o usuário que faz o uso problemático de substâncias ilícitas ou o usuário viciado necessita que seja aberta a porta de um consultório médico, e não a porta de uma cela. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminalista Formado em Direito pela Universidade Positivo Pós-graduado em Direito Contemporâneo com Ênfase em Direito Público pelo Curso Jurídico Especialista em Direito Penal e Processo Penal Pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Mestrando em Direito pela Uninter BIBLIOGRAFIA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. Colectivo de Estudios Drogas y Derecho (CEDD). En busca de los derechos: usuarios de drogas y las respuestas estatales en América Latina. 2014. Relatório do Relator Especial sobre a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, Juan E. Méndez, A/HRC/22/53, 1 de fevereiro de 2013 sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. [1]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 98. [2]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 98 e 99. [3]Colectivo de Estudios Drogas y Derecho (CEDD). En busca de los derechos: usuarios de drogas y las respuestas estatales en América Latina. 2014. P. 7 [4]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 99. [5]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 99. [6]Relatório do Relator Especial sobre a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, Juan E. Méndez, A/HRC/22/53, 1 de fevereiro de 2013 [7]Relatório do Relator Especial sobre a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, Juan E. Méndez, A/HRC/22/53, 1 de fevereiro de 2013. Parágrafos 41 e 42. [8]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 100 [9]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 100 [10]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 100 [11]Neste sentido: “a CIDH reitera sua preocupação pelo fato de que a adoção destas medidas estatais para castigar condutas relacionadas com drogas como forma de resolver a insegurança cidadã, resultou em que qualquer crime relacionado com drogas seja considerado como “grave” e, consequentemente, leve à aplicação da prisão preventiva de forma automática. Sem mencionar que estas políticas estatais tiveram como resultado um notável aumento no número de pessoas privadas de liberdade na região”COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 101. [12]Neste sentido: “A Comissão, por sua vez, conforme a informação a seu dispor, destaca que não se demonstra uma clara relação entre uma política penal mais dura e menores níveis de consumo de drogas; tampouco existem evidências no sentido de que, se empreendidos mais esforços rumo à descriminalização, isso resultaria no maior consumo destas substâncias”COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf> Pub. em 03 de julho de 2017. Acesso em: 22/07/2018. P. 101. Comments are closed.
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