Sigo com Fernando Pessoa, tal qual no escrito da semana passada[1]. É que a cada fragmento lido do “Livro do Desassossego”, o leitor viaja em pensamentos e reflexões. Mesmo naqueles pontos em que a discordância autor-leitor se faz presente, o exercício do pensar ali ocorre, oportunizando uma forma de dialética consigo mesmo. Daí que várias pontuações da mencionada obra podem ser feitas. Aliás, a poesia sempre proporciona isso. A arte como um todo confere possibilidades de análises das coisas de modo que uma compreensão única se faz presente. E essa “compreensão única” se diz não num aspecto de que somente uma resposta por esse viés é encontrada, mas no sentido de que a compreensão pela arte se dá num único caminho em que vários destinos são possíveis. É uma via única que resulta em diversos pontos de chegada. Cito aqui um trecho de um fragmento (200) de “Livro do Desassossego”. Não quero descontextualizar a citação, já que está inserida numa fala mais ampla, mas creio que a frase em questão diga respeito a muita coisa. Assim escreveu Fernando Pessoa:
Também prefiro a derrota nessas condições. A derrota digna. Aquela que decorre de uma luta justa, bem lutada, a qual é enfrentada mesmo com as dificuldades presentes. Mesmo que estejamos armados apenas com espadas enquanto o “outro lado” possua canhões, sendo justo o motivo da batalha e necessária a luta, o embate deve ser feito. Não pretendo romantizar a questão, muito menos polarizar formas de discursos, porém, há de se fazer constar a necessidade de resiliência no campo do Direito – pelo menos para aqueles que levam (ou assim pretendem) o Direito a sério. Entregar-se, jamais. Sim, a luta é árdua, mas é necessária. A cabeça deve estar sempre erguida. Altivos, devemos lutar para que o Direito seja efetivado enquanto deve o ser. Dizendo a coisa de maneira mais clara: poucos são aqueles que lutam por um Direito sério. Temos grandes e bons exemplos que estão aí, lutando pela efetivação daquilo para o que o Direito se propõe. Um direito justo, devido, ético, legal, com fundamento, e não aquele Direito que, infelizmente, costuma ser visto, insosso, midiático, influenciável, ativista, enfraquecido pela moral e pela política. Em qual das frentes você se situa? É nesse sentido que a citação de Fernando Pessoa aqui cabe. Perdemos a batalha? Se ainda não, estamos perdendo, e isso pode ser visto pelas baixas diárias que acontecem. Mesmo sendo árdua a tarefa de se bradar por um Direito sério, o desestímulo da “prática” não pode ser forte o suficiente para nos fazer desistir de tudo. O contrário do “aguentar em pé”, é o “entregar-se”. Não nos entreguemos. Tomemos como exemplo os grandes nomes[2] a fim de nos agarrarmos na esperança por um Direito melhor. Vemos pessoas que há anos seguem firme nesse caminho, as quais já estão calejadas pelos golpes sofridos, porém, insistem. Há esperança! Entretanto, me entristece quando nós, jovens, acabamos nos entregando ao “realismo jurídico”, aceitando que aquilo que matreiramente é dito e feito no Direito seria o Direito. Pouco tempo de luta já basta para enfraquecer alguns (a maioria?), forçando estes a jogar a toalha e se darem por vencidos. “Não adianta lutar para que o Direito seja aplicado, ficar escrevendo textos sobre isso. A coisa funciona de outro jeito na prática. Eles venceram”. Esse é o tipo de baixa que mais se vê no meio jurídico. Os cansados passam o “time” que diz que o Direito é aquilo que os Tribunais dizem que é. Não que isso não aconteça (o Direito sendo entendido como aquilo que os Tribunais dizem que é), mas é justamente por isso acontecer que há de se existir uma resistência séria contra isso. É nesse ponto que reside a diferença entre os combatentes e os que se entregam. O fator stoicmujic, explicado por LenioStreck[3], é necessário estar presente em todos aqueles que buscam efetivar um Direito sério. Não se entregar ao consequencialismo, não se deixar vencer pelo utilitarismo, praticar o constrangimento epistêmico necessário, lutar pela efetivação dos direitos e das garantias previstas, pautar-se na Constituição, enfim, seguir sempre em frente – independentemente das circunstâncias, que, sim, são e continuarão sendo sempre difíceis. Entregar-se apenas para também poder cantar vitória, jamais. Essa é a vitória no meio dos desertos de Fernando Pessoa. Nesse caso, prefiro a derrota, que pelo menos é digna e me deixa repousar efetivamente a cabeça no travesseiro quando deito. Por mais que vencido, posso ao menos dizer que conto com o conhecimento da beleza das flores. Ainda assim, também digo que há esperança... Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR E-mail: [email protected] BIBLIOGRAFIA CONSULTADA PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. 3ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. [1]http://www.salacriminal.com/home/a-literatura-e-a-maneira-mais-agradavel-de-ignorar-a-vida [2] Cito aqui alguns (lamentando o fato de deixar de citar vários outros que fazem parte dessa luta): LenioStreck, Alexandre Morais da Rosa, André Karam Trindade, Aury Lopes Jr., Jacinto Nelson de Mirando Coutinho, Amilton Bueno de Carvalho, ElmirDuclerc, Claudio Melim, Rubens Casara, Afranio Silva Jardim, Geraldo Prado... [3] Leia aqui: http://www.conjur.com.br/2016-fev-11/senso-incomum-fator-stoic-mujic-juiza-kenarik-papel-advogados-hoje Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |