![]() Artigo da colunista Bruna Simioni no sala de aula criminal sobre a prisão obrigatória no tribunal do júri e a inconstitucionalidade, vale a leitura! ''E ao dispositivo anteriormente previsto na legislação já era passível de observações e ressalvas, ao passo que a necessidade de decretação da prisão ao acusado, somente poderia se dar com base no periculum libertatis, entendido como sendo “o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo” (LOPES JUNIOR, p. 690), havendo necessidade de prova acerca do fundamentado, “calcada em um fundado temor, jamais fruto de ilações ou criações fantasmagóricas de fuga (ou de qualquer dos outros perigos” (LOPES JUNIOR, p. 692), não podendo tratar de mera presunção, mas, devendo ser efetivamente comprovado''. Por Bruna Simioni A relevante alteração elencada pela Lei 13.964/2019, conhecida como “pacote anticrime”, teve por objetivo o aperfeiçoamento da legislação penal e processual penal, conforme disposto em seu artigo 1°. A referida Lei “acabou sendo aprovada com alterações que remodelaram seriamente parte considerável do processo penal brasileiro” (GLOECKNER, p. 35), modificações que rendem inúmeras críticas, a começar pelo nome dado, afinal, nas sábias palavras de Lenio Luiz STRECK “como se uma lei pudesse ser ‘a favor do crime’”. (CAMARGO; FELIX, p. 8)
Dentre os temas que poderiam ser abordados dentro da Lei 13.964/2019 o que não pode, de forma alguma, deixar de ser abordado e debatido é a possibilidade de identificarmos no artigo 492, inciso I, alínea “e”, do Código de Processo Penal uma evidente inconstitucionalidade. Antes da reforma trazida pelo pacote anticrime, nos processos de competência do Tribunal do Júri, encerrada a votação dos quesitos e o réu sendo condenado, ao proferir a sentença, o Juiz Presidente cumprindo o disposto no artigo 492, I, “e”, do CPP “mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva”. Em caso de condenação do acusado pelos jurados, o juiz teria que se manifestar sobre a prisão do réu, analisando os requisitos previstos no artigo 312 do CPP quais sejam: garantia da ordem pública, da ordem econômica, ou para assegurar a aplicação da lei penal. E ao dispositivo anteriormente previsto na legislação já era passível de observações e ressalvas, ao passo que a necessidade de decretação da prisão ao acusado, somente poderia se dar com base no periculum libertatis, entendido como sendo “o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo” (LOPES JUNIOR, p. 690), havendo necessidade de prova acerca do fundamentado, “calcada em um fundado temor, jamais fruto de ilações ou criações fantasmagóricas de fuga (ou de qualquer dos outros perigos” (LOPES JUNIOR, p. 692), não podendo tratar de mera presunção, mas, devendo ser efetivamente comprovado. Com a reforma advinda com o pacote anticrime ao artigo 492, I, “e”, do CPP permanece a observação feita acima acerca da necessidade de fundamentação de motivos, comprováveis, para a decretação da prisão ao proferir a sentença. Entretanto, alia-se a esta outra preocupação, o acréscimo do texto determinando que “no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”. O referido texto adicionado ao artigo 492, I, “e”, do CPP, extremamente problemático, demonstra a necessidade da prisão obrigatória nas sentenças de condenação do tribunal do júri, sendo uma “execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser impostos”(QUEIROZ), e no caso das decisões que tenham pena inferior a 15 anos de reclusão é facultativa. Ao tratar do tema relevante se faz a menção ao princípio da presunção de inocência, o qual já havia assentimento pela República Federativa do Brasil com a adesão a Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1848, entretanto, sem qualquer disposição constitucional ou infraconstitucional até a Carta Magna de 1988, que o elencou no rol de direitos fundamentais, previsto no artigo 5, inciso LVII da Constituição Federal (CAMARGO, p. 99). Sendo hoje, o aludido princípio, declarado como “princípio reitor do processo penal” (LOPES JUNIOR, p. 106), essencial ao processo penal que queira respeitar a dignidade da pessoa humana, consistindo na “qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância (eficácia)”. (LOPES JUNIOR, p. 105) Vale mencionar que o limite do princípio constitucional da presunção de inocência é o trânsito em julgado da decisão, sendo, somente possível a prisão, nos casos de condenação, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Cabe a ressalva que não está inadmitindo de toda e qualquer forma a prisão antes do trânsito em julgado, até mesmo porque pode ser relativizada, afinal é perfeitamente cabível em qualquer fase de investigação ou processo, haja vista a existência das prisões cautelares, que tem essencialmente essa finalidade, acautelar o processo em determinadas situações, porém desde que respeitados os seus “requisitos, fundamentos e princípios, que coexistem com a presunção de inocência”. (LOPES JUNIOR, p. 109.) Entretanto, fora dos limites e cumprimento dos requisitos e fundamentos das prisões cautelares, a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória constitui verdadeira “prisão-pena, ou seja, a execução definitiva da sentença e o cumprimento da pena privativa de liberdade” (LOPES JUNIOR, p. 629), violando “a presunção constitucional de inocência, na medida em que trata o réu como culpado, executando antecipadamente sua pena, sem respeitar o marco constitucional do trânsito em julgado” (ROSA; LOPES JUNIOR) Ainda, além de afronta ao princípio da presunção de inocência, o acréscimo realizado no dispositivo vai na contramão da decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena após a decisão proferida no segundo grau, porém antes do trânsito em julgado, bem como ao disposto no artigo 313, § 2° do CPP que dispõe que “não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena (...)”. Sendo, portanto, a prisão obrigatória no tribunal do júri disposta no artigo 492, I, “e”, do CPP uma evidente inconstitucionalidade, haja vista a inadequação e sistematização com os anseios constitucionais no que se refere ao princípio da presunção de inocência, bem como destoante das decisões proferidas pelo STF. Bruna Isabelle Simioni Silva Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia, Graduada em Direito, Professora de Direito Penal e Processual Penal - Graduação e Pós Graduação. Advogada criminalista. REFERÊNCIAS CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: o conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Crônica de um suicídio anunciado: o garantismo inquisitório brasileiro ou de como um sistema acusatório não pode ser construído por decreto. In: Pacote anticrime: reformas processuais – reflexões críticas à luz da lei 13.964/2019. CARMAGO, Rodrigo de Oliveira de; FELIX, Yuri (Orgs.). 1. ed. Florianópolis/SC: Emais, 2020. LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. QUEIROZ, Paulo. A nova prisão preventiva – Lei n° 13.964/2019. Disponível em: <https://www.pauloqueiroz.net/a-nova-prisao-preventiva-lei-n-13-964-2019/>. Acesso em: 31 jul. 2020. ROSA, Alexandre Morais da; LOPES JUNIOR, Aury. Prisão obrigatória no júri é mais uma vez inconstitucional. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jan-31/limite-penal-prisao-obrigatoria-juri-vez-inconstitucional>. Acesso em: 31 jul. 2020. STRECK, Lenio Luiz. Apresentação da obra - Pacote anticrime: reformas processuais – reflexões críticas à luz da lei 13.964/2019. CARMAGO, Rodrigo de Oliveira de; FELIX, Yuri (Orgs.). 1. ed. Florianópolis/SC: Emais, 2020.
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