A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que reúne a Quinta e Sexta Turmas (competentes para a seara Penal), definiu, nos autos do RHC 63.855/MG, que atos infracionais cometidos na adolescência podem ser utilizados como fundamento idôneo à decretação da prisão preventiva. Na oportunidade, o Relator, Min. Nefi Cordeiro, restou vencido ao sustentar que eventuais atos cometidos quando o indivíduo é inimputável não podem ser considerados para nenhum efeito. Já o Relator designado para acórdão, Min. Rogério Schietti Cruz, abriu a divergência afirmando que “a avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida”. O resultado final, como dito anteriormente, foi que, por maioria de votos, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que é possível que a condenação pela prática de atos infracionais seja utilizada como fundamentação para a decretação de prisão preventiva. Entrementes, em nosso entendimento, a decisão ocorreu em equívoco. A Constituição Federal assim consagra: LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; E o Código de Processo Penal reverbera: Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Da leitura sistêmica dos dispositivos acima destacados, temos a positivação do princípio da não-culpabilidade, ou melhor, da presunção de inocência, e o fato de que a prisão deve ocorrer em situações extremas, ou seja, somente quando não houver outra medida cabível, como as medidas cautelares diversas da prisão dispostas no artigo 319 do Código de Processo Penal. Nos dizeres de NUCCI, “a liberdade individual é a regra; a prisão cautelar, exceção”. Agora, vejamos o disposto no Código de Processo Penal: Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. As decisões de decretação de prisão preventiva com fundamento em atos infracionais normalmente justificam que, em razão da prática de tais atos quando adolescente, o indivíduo demonstra sua “periculosidade social” ou mesmo há “fundado receio” que volte a delinquir, o que autorizaria a decretação da sua prisão preventiva. Ocorre que, como o próprio Superior Tribunal de Justiça já decidiu, e mantido na decisão, a aplicação de medida socioeducativa em razão da prática de atos infracionais não gera reincidência ou maus antecedentes, tampouco altera o status de primariedade de um indivíduo. Tal posição é derivada do fato de que os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis (art. 27 do Código Penal), cuja norma foi criada justamente em razão da criança e do adolescente, até a idade limítrofe, não possuem, em regra, a plena capacidade de discernir o certo do errado, especialmente na seara criminal. E a idade, que tanto tem gerado discussão na sociedade civil, é bom lembrar, foi positivada no Código Penal após uma grande pesquisa multidisciplinar que era composta de operadores do Direito, assistentes sociais, psicólogos, entre outros profissionais, e não um mero “chute”. O Direito Penal, como ultima ratio do sistema, é naturalmente mais rígido, razão pela qual a imputabilidade “nasce” apenas a partir dos 18 (dezoito) anos, ao contrário de outras obrigações cotidianas que muitas vezes surgem a partir dos 16 (dezesseis) anos, como votar ou assinar recibos. Daí decorre o fato de que tudo o que aconteceu quando o agente era penalmente inimputável, ao nosso ver, não pode ser considerado para qualquer finalidade perante o Direito Penal, seja para gerar a reincidência, configurar mau antecedente, ou mesmo para fundamentar o decreto de prisão preventiva. E talvez a maior preocupação seja quais termos serão utilizados na ementa que será publicada junto ao acórdão. Isso porque no próprio voto vencedor, o Min. Rogério Schietti Cruz faz a ressalva de que não é qualquer ato infracional que permitirá a decretação da prisão preventiva, mas que cada situação deverá ser analisada individualmente. Infelizmente, a análise individual é uma utopia no dia-a-dia forense, o qual há muito está contaminado pela mera reprodução de ementas em decisões, sem o necessário cotejo analítico, o que poderá acarretar em centenas de prisões preventivas desnecessárias, com base exclusivamente em um ou outro ato infracional de menor gravidade cometido quando o agente era penalmente inimputável. Uma lástima. Rodolfo Macedo do Prado Advogado Bacharel em Direito pela UFSC Pós-graduando em nível de Especialização em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCrim, e em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus Professor Convidado nas disciplinas de Direito Constitucional e Processo Penal da UFSC Membro Associado da AACRIMESC e do IBCCrim Presidente da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SC (2010-2012). Referências: NUCCI, Guilherme de Souza; Prisão e Liberdade. 4ª Ed. São Paulo: Forense, 2014, p. 16. Comments are closed.
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