Desde a reforma de 2011 do Código de Processo Penal, com a entrada em vigor da lei 12.403, não se fala mais na máxima prisão preventiva ou liberdade. Hoje o que se tem é a discussão sobre restrição cautelar da liberdade ou liberdade total. Conforme previsto no Título IX do atual Código de Processo Penal, hoje o título sobre o tema é “da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”. Ou seja, se a liberdade de alguém for perigosa, merecedora de restrição, há possibilidade de restringi-la pelas chamadas medidas cautelares restritivas da liberdade, que se dividem em: prisão provisória (prisão preventiva e temporária) e medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. Isto é, havendo necessidade de restringir a liberdade de alguém, pois que perigosa, deve-se, antes de aplicar qualquer medida restritiva da liberdade, analisar cuidadosamente o previsto no art. 282 do Código de Processo Penal, observando-se o princípio da proporcionalidade. Em razão da menciona reforma processual de 2011, é possível, então, restringir cautelarmente a liberdade do imputado (investigado ou processado) sem necessariamente jogá-lo atrás das grades, utilizando-se das chamadas medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP, que, segundo a reforma de 2011, terão, inclusive, preferência em relação à prisão provisória quando necessário o cerceamento cautelar do imputado. Por isso, diz-se ser a prisão preventiva a “ultima ratio”, isto é, a última das medidas. A prisão preventiva é derivada do direito romano, da necessidade de assegurar a aplicação da pena. Por isso, para eles, somente se poderia aplicá-la caso houvesse possibilidade de se alcançar ao final do processo uma sentença condenatória. Esta finalidade foi por nós também importada em nosso atual Código de Processo Penal, mas nele incluímos também outras três finalidades, previstas, então, no art. 312 (garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica e conveniência da instrução criminal). A finalidade da lei 12.403/2011 foi tratar a prisão preventiva como espécie do gênero prisão provisória, com o fim de diferenciá-la da prisão pena, que é aquela decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado. Então hoje temos como medidas cautelares restritivas da liberdade (pós reforma de 2011), a chamada prisão provisória e as medidas cautelares diversas da prisão. A prisão provisória divide-se em prisão preventiva e temporária e as cautelares diversas da prisão estão previstas no art. 319 do CPP e tem, inclusive, preferência em relação àquelas, segundo a lei processual penal. A prisão provisória é espécie de prisão processual, isto é, aplica-se antes do trânsito em julgado, por isso cautelar. Diferentemente da prisão pena, que é consequência do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por isso diz-se ser a prisão preventiva cautelar, pois que será aplicada antes do fim (trânsito em julgado), com o objetivo de proteger a persecução penal, isto é, o perfeito andamento das investigações ou do processo judicial. Segundo a nova redação do art. 282 do CPP, percebemos que o verdadeiro desejo do legislador é que a utilização das medidas cautelares restritivas da liberdade seja a menos injusta possível. Por isso exigiu que a prisão preventiva seja aplicada somente quando todas as demais formas de restrição cautelar da liberdade realmente não forem suficientes para proteger o que se busca. Esta reforma decorreu do fato de que historicamente o imputado era considerado pecador, e, consequentemente, detentor de uma verdade a ser extraída. Ele, mais que uma pessoa, era o instrumento do qual se dispunha para fazer justiça.[1]E a prisão preventiva era importante instrumento para alcançar este objetivo. Hoje a finalidade da prisão preventiva é ser medida última e necessária à proteção do perfeito andamento das investigações e do processo judicial, quando a liberdade do imputado for perigosa para a persecução penal. Qualquer segregação cautelar, prevista hoje no nosso Código de Processo Penal, pós reforma de 2011, somente poderá ser aplicada quando realmente necessária e nos casos expressamente previstos em lei, quando realmente adequada ao caso concreto. E a prisão preventiva é a última destas medidas, isto é, somente será aplicada quando não for possível sua substituição por outra medida cautelar diversa da prisão, segundo o parágrafo 6º, do art. 282 do CPP. Ou seja, a prisão preventiva somente será aplicada quando todas as medidas cautelares diversas da prisão não forem suficientes para proteger o que se busca. Como dito, o art. 282 do Código de Processo Penal exige respeito ao princípio da proporcionalidade para aplicação das medidas cautelares restritivas da liberdade (prisão provisória e medidas cautelares diversas da prisão). Segundo este artigo, não basta a necessidade da segregação cautelar para restringir a liberdade do imputado, exige-se também que a medida a ser utilizada seja a mais adequada ao caso concreto, isto é, seja suficiente o bastante para proteger o que se busca e a que menor dano causará ao custodiado. Neste caso, respeitando-se o princípio da proporcionalidade (necessidade mais adequação) ainda que o segregado tenha sua dignidade reduzida, pois toda e qualquer restrição da liberdade a reduz, não perderá sua condição de sujeito de direitos, posto que evidenciado o caráter excecional da medida no caso concreto, com o fim outro que não o próprio agente, como a “conveniência da instrução criminal”, por exemplo. Afirmo então, que a barreira mais segura à decretação da prisão preventiva é considerá-la como instrumento importante e necessário (sempre levando em consideração sua excepcionalidade) para proteger a instrução processual, para proteger o bom andamento da investigação ou do processo, quando de fato houver claro e aparente risco à persecução penal, e as demais cautelares restritivas da liberdade não forem suficientes para proteger o que se busca. Ou seja, exige-se uma clareza preliminar e bem fundamentada sobre a verdadeira função e motivo da segregação cautelar. Não se pode querer o corpo do imputado antes do fim para torturá-lo, com o fim de obter uma confissão, uma delação, um reconhecimento etc. A segregação cautelar da pessoa não pode ser feita apenas porque querem seu corpo, mas sim e exclusivamente porque se quer proteger, como medida última, a instrução processual. Para que a prisão preventiva possa ser legítima e justa seu uso deve ser limitadíssimo, sob pena de se transformar em um eficaz instrumento de castigo. Por isso, deve-se considerar ilegítima a prisão decorrente da automática equação entre gravidade da acusação e a necessidade de submeter o acusado a uma prisão preventiva, como já bem afirmou o Supremo Tribunal Federal. Por isso, nenhuma explicação há para justificar o famigerado mandado automático de prisão cautelar. O verdadeiro objetivo da prisão preventiva (pós reforma 2011) é ser um instrumento excepcional à serviço do processo, não podendo ser utilizada quando for possível proteger o que se busca por meio de outras medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, respeitando-se, assim, sem embargos, o princípio da proporcionalidade (necessidade mais adequação). Se utilizar da medida mais adequada, como já dito, é escolher a medida necessária para proteger aquilo que se busca, utilizando-se daquela que menor dano causará ao segregado, isto é, a que menos reduzirá sua dignidade e liberdade. Temos, neste caso, como exemplo, a fiança (que hoje é considerada medida cautelar). A tempos a doutrina tem denunciado a inadequação do conteúdo aflitivo da prisão preventiva, seja aquele entendido como imediata reação ao cometimento do crime ou como cumprimento antecipado da pena como resposta imediata à sociedade. Neste caso, além de se estar torturando o custodiado, se está também, de forma muito gravosa, impedindo que exerça de forma eficaz seu direito de defesa, pois que a prisão processual (provisória), além de todos os outros prejuízos dela decorrentes, verdadeiramente impede o custodiado de um válido exercício do direito constitucional defensivo. E sabemos, a defesa no Estado Democrático é direito inviolável e indisponível. A prisão preventiva - como o próprio nome já diz - também não pode ser utilizada como exemplo para a sociedade, posto que isso é função própria e exclusiva da pena. Não há como se utilizar de uma prisão provisória como medida educativa ou exemplar, posto que é submetida ao ainda - e somente a ele - imputado (pessoa não definitivamente culpada). Por isso, para decretação da prisão preventiva exige-se, além da observância do disposto no art. 282 do CPP, a soma dos requisitos “fumus comissi delicti” e “periculum libertatis”. Isto é, exige indícios de autoria e materialidade do crime, bem como a necessidade de segregação cautelar da liberdade do imputado. Estes requisitos estão previstos no art. 312 e deverão cumular-se necessariamente com os requisitos legitimadores da prisão preventiva previstos no art. 313, ambos do Código de Processo Penal. Conclusão: a prisão preventiva ainda é instrumento importante e necessário a serviço da justiça, mas deverá ser utilizada com cautela e somente quando as medidas cautelares diversas da prisão não forem suficientes para proteger o que se busca, pois que é a “ultima ratio” das medidas cautelares restritivas da liberdade. Jeffrey Chiquini Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor de direito penal da Faculdade Opet. professor de direito processual penal na Escola da Magistratura Federal do Paraná (ESMAFE/PR). Sócio-proprietário e professor do Curso CAPRE.tv [1] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: Revista de informaões legislativas. 2009. Comments are closed.
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