Uma das discussões sempre travadas dentro do Processo Penal é em relação às prisões cautelares e seu uso (in) adequado (e abusivo), sendo hoje uma forma de coação estatal que apenas causa prejuízo à sociedade e ao próprio Estado. Dentre as modalidades eletivas, há uma que especificamente é a querida da mídia: a prisão preventiva.
Ressalto de antemão, que este texto é uma leve crítica ao sistema. Não venho aqui para desqualificar e nem glorificar a prisão preventiva, nem venho aqui com o intuito de tecer comentários acerca da legalidade (ou falta dela) das recentes revogações de prisões preventivas midiáticas. Contudo, uma questão sempre salta aos olhos: às vezes, parece que há um favoritismo entre alguns julgadores quando o acusado é economicamente “superior” aos acusados encarcerados que se encontram amontados pelas prisões do Brasil afora. Daí vem uma indagação: O Estado pode ter um “criminoso” de estimação? Pois algumas atitudes (e não é de hoje) demonstram justamente esta falta de isonomia no Direito e Processo Penal aplicado. A batalha dos estudiosos do Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e outros é a mesma: a falência das instituições carcerárias e do próprio Estado em não saber geri-las e não saber o que fazer com a suposta crescente de atividades criminosas no país. Contudo, para não alongarmos o assunto no quesito “aumento da criminalidade” sugiro aqui o texto do nosso colunista Iverson Kech Ferreira falando sobre “O Mercado do Medo” e também o artigo (aqui) do colunista Paulo Incott que tece grande provocação sobre as “instituições”. Creio que estes dois textos expressam a máxima no sentido das conversas e críticas sobre o aumento da criminalidade e talvez o por quê deste sentimento que se alastra, bem como sobre o círculo vicioso que estamos inseridos. Aqui, por mais que nós, criminalistas, lutemos no sentido de combater o totalitarismo do Estado e o totalitarismo da aplicabilidade desenfreada de medidas como a “Prisão Preventiva”, temos em mente que tais medidas são legalmente amparadas em nossa lei:
Assim, por mais que sejamos contra a aplicabilidade da mesma (ainda mais nas vezes em que superados os quesitos de imposição da mesma), não podemos fechar os olhos no sentido de sua existência e de pleitear sua correta aplicabilidade. Contudo, o que salta aos olhos diariamente, e que não podemos em hipótese alguma concordar, é que determinados julgadores tenham uma espécie de “criminoso” de estimação. Explico. A prisão preventiva já é uma das “medidas” mais estranhas e distorcidas que existem, no sentido de que hoje, em nosso País, alastra-se de maneira desproporcional a relação de presos provisórios no sistema carcerário e os já condenados. As justificativas legais para a aplicação da prisão preventiva são notadamente pisadas e atropeladas, sempre utilizando das máximas “ordem pública” e “conveniência da instrução criminal” de maneira distorcida, bem como a tal da “garantia da ordem econômica” (vide aqui o texto já publicado sobre o tema). Contudo, fácil observar que são apenas sentidos vazios que tentam justificar um encarceramento em massa, uma violência desproporcional na maioria das vezes, como se esta fosse a alternativa para os crimes, os criminosos e para a violência como um todo (se essa fosse a verdadeira alternativa estaríamos a salvo). Porém, alguns presos, que figuram em operações midiáticas (e alguns outros que se espalham pelos rincões do Brasil) tem um afastamento de tais medidas encarceradoras concedidas de maneira ágil e oportuna. Ora, para alguém que se debruça a estudar todas as questões penais, tal afastamento é um significado de vitória da liberdade em cima de uma medida que cria uma verdadeira superpopulação carcerária. Contudo, ao observarmos, notamos que algumas vezes estes acusados que são “liberados” de tais medidas e incursas em outras mais brandas, saem sob justificativas de que não oferecem perigo ao processo, nem a ordem pública etc. Eike Batista e o próprio José Dirceu (recentemente liberado pelo STF) são exemplos. Ora, aprisionamos milhares de pessoas provisoriamente (alguns ficam anos presos até serem definitivamente julgados), a maioria pobre e marginalizada, porém muitas vezes são aqueles que cometeram pequenos ilícitos (nada comparado supostamente ao que Eike/Dirceu cometeram) e tem em suas justificativas de imposição de prisão preventiva que os mesmos são um perigo para a condução do processo, para a garantia da ordem pública e econômica (?) e um perigo para as testemunhas (...). Contudo, não nos levantamos para protestar quando liberam uma figura importante do cenário econômico, que supostamente cometeu um crime muito mais grave que milhares de outros presos e que tem como fundamento da liberdade que os mesmos não proporcionam perigo para o processo e para a ordem pública. Se com milhões de reais e um poder inestimável estas pessoas não tem o poder de interferir, seria justo pensar que aquele pobre e excluído teria tal poder? Se a lei é para todos e a aplicabilidade tem de ser isonômica, apenas dois pensamentos poderiam derivar da mesma: Ou aplicamos um critério mais objetivo e liberamos aqueles presos que não deveriam estar mais presos preventivamente (e diminuímos a superlotação carcerária e cumprimos o disposto no Processo Penal) ou prendemos Eike (e também Dirceu) preventivamente (de novo), para que se tenha uma igualdade que todos pregam e lutam (lutamos por todos os tipos de igualdade na sociedade, mas pouco se luta para uma igualdade de aplicação processual penal). São justamente essas pequenas manobras que desgastam a imagem, e tem-se por certo que no Brasil pobre fica preso e rico fica solto. Quando nos levantamos para dizer que não, que todos devem um tratamento igual, figuras e exemplos como os citados aparecem para nos revelar que estamos errados. De maneira tranquila, poderíamos dizer que no dia da liberdade (e toda liberdade deve ser comemorada) de Eike Batista (e de Dirceu também) sob os fundamentos já citados, centenas de outros presos preventivos foram encarcerados sob justificativa de que apenas a prisão garante a devida condução processual e a garantia da ordem pública. Mais uma vez, a liberdade como um todo (e a credibilidade da justiça) descem pelo ralo. E mais uma vez, a Justiça não faz a justiça como deveria. Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira Advogado. Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Empresarial Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |