Processo Penal e o Comparecimento das Testemunhas de Defesa Independentemente de Intimação!7/9/2016
Tem chamado atenção, principalmente em algumas Varas Federais Criminais, mas não somente nelas[1], o crescente número de decisões judiciais determinando que a Defesa apresente, na audiência de instrução, as testemunhas arroladas pelo Acusado independentemente de intimação. Além disso, tais decisões determinam que, caso a Defesa insista na necessidade de intimação judicial para as testemunhas, deverá ser justificada a necessidade das intimações em sede de Resposta à Acusação. Eis um exemplo de um Mandado de Citação e Intimação com as referidas determinações: Com efeito, em sua maioria, tais decisões invocam o art. 257 do Provimento nº 17 de 15 de março de 2013, a denominada Consolidação Normativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região, in verbis:
A controvérsia reside em estabelecer se o requerimento de intimação deve ser justificado ou não, ou, em outras palavras, se levar as testemunhas independentemente de intimação é uma obrigação ou uma faculdade do Acusado. Olhos postos no art. 257 da Consolidação Normativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região, pode se argumentar que a disposição “parece” vir a reboque do que dispõe o art. 396-A do Código de Processo Penal:
Contudo, a ilegalidade da norma da Corregedoria Regional é incontestável. Sem embargo, a expressão “quando necessário”, contida na parte final do art. 396-A do Código de Processo Penal, não pode ser interpretada como atribuição à Defesa do ônus de justificar a necessidade de intimação na Resposta à Acusação. Antes o contrário! A margem de liberalidade foi posta à disposição da Defesa. Ou seja: a expressão “quando necessário” deve ser lida como “quando a defesa julgar necessário”. Vale dizer, quando a Defesa não julgar necessário, pode dispensar a intimação e apresentar a testemunha. E isso pode acontecer quando, porventura, a diligência intimatória do oficial de justiça causar aborrecimentos que imponha certo constrangimento à testemunha. Assim, por vezes, pode ser (e isso é uma faculdade, jamais um ônus!) que a testemunha esteja disposta a comparecer em juízo, independente de intimação, para evitar o dissabor (porque realmente não é nada trivial ao extraneus) de receber a visita, por vezes inesperada e, a depender das circunstâncias, quiçá inoportuna, de um Oficial de Justiça, com um mandado de intimação em sua residência. Destarte, trata-se de norma que faculta o direito de dispensar a intimação e não dispositivo que impõe o dever de justificar o requerimento. Contrário fosse, mutatis mutandis, à Defesa estaria sendo imposta a obrigação de fazer prova negativa da impossibilidade de apresentação da testemunha, independente de intimação, o que não está previsto na legislação de regência. A regra geral é a de que a testemunha deve ser intimada. Excepcionalmente, quando a parte quiser (e esta é uma possibilidade posta à margem de faculdade da parte), o Acusado pode levar a testemunha em audiência independentemente de intimação. Neste diapasão, o tratamento que preserva, em toda a sua amplitude, o Direito de Defesa, é o que considera a hipótese de dispensa de intimação como mera faculdade da parte, a quem cabe definir se assume ou não o encargo de levar as testemunhas ao ato, sem prévia convocação oficial. Além disso, a Defesa (o particular) não dispõe de instrumentos coercitivos eficazes para instar qualquer pessoa ao comparecimento pessoal em juízo. Eventual tentativa nesse sentido poderia, até, abrir margem a mal entendidos. Não se pode descartar a possibilidade de que a testemunha firme o compromisso de comparecer na audiência sem a intimação e venha, posteriormente, a furtar-se do combinado, sem qualquer tipo de sanção, face a ausência de formalidade que comprove o pedido ou mesmo a falta de previsão legal da coerção. Resultado: A testemunha não comparece em Juízo e a Defesa perde o direito de produzir tal prova testemunhal. Observe-se que há motivos para que a intimação pelo Juízo seja a regra da lei. Obrigar a Defesa a justificar os motivos para a intimação das testemunhas importa sempre em ônus, pois, se o Magistrado entender que a justificação foi “insuficiente”, pode indeferir o pedido de intimação dos testigos. Assim, a prosperar a aplicabilidade de tal norma, o Acusado se viria obrigado a “caçar” as testemunhas, mesmo quando muitos não têm interesse em usar de seu tempo para depor em uma instrução criminal. Noutro vértice, impende obtemperar que tal previsão normativa é extremamente desfavorável ao Acusado, pois ao obrigar a Defesa a trazer as testemunhas para audiência, quando muitas vezes as testemunhas residem fora da Comarca ou Subseção Judiciária em que tramita o processo, é o mesmo que imputar diversos ônus não previstos em lei para o Acusado: ônus financeiro, ônus temporal, ônus logístico, enfim, um grande ônus para o sacrossanto exercício do direito de Defesa por aquele que se vê no banco dos réus e é inocente até que se prove o contrário. Ora, a ilegalidade de tal norma é tão explícita que mesmo no procedimento sumaríssimo, previsto na Lei 9.099/95, em seu art. 34, as testemunhas podem ser intimadas pelo Juízo, sendo exigível somente o requerimento, não havendo menção da necessidade de justificação. Noutro vértice, cabe registrar que o art. 257 da Consolidação Normativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região (Provimento nº 17, de 15/03/2013), não possui o condão de impor obrigações às partes do processo penal. Com efeito, o poder regulamentar da Corregedoria da Justiça é restrito, não podendo extrapolar o âmbito do funcionamento interno dos órgãos que estão submetidos à sua autoridade. No plano constitucional e convencional, o art. 257 do Provimento nº 17, de 15/03/2013, também não encontra qualquer amparo. De um lado, essa resolução normativa acarreta grave prejuízo à defesa do Acusado, na medida em que fere a legalidade estrita, restringe ampla defesa, bem como avilta o direito ao devido processo legal, todos princípios constitucionais assegurados no art. 5º, incisos II, LIV, LV da Magna Carta. Sob este viés, há patente inconstitucionalidade do art. 257 supracitado, pois pega a exceção, prevista na Lei Adjetiva Penal, e a torna regra, exacerbando os limites da regulamentação do Poder Judiciário e ferindo o princípio da legalidade, pois o Código de Processo Penal não traz previsão de necessidade de justificação para intimação de testemunhas, tendo em vista que o simples pedido de intimação de testemunhas na Resposta à Acusação é suficiente, nos termos do art. 396-A. Ademais, há limitação ao princípio da ampla defesa, pois nesta hipótese o Estado restringe os meios de defesa, principalmente o direito à produção de prova. Por fim, como corolário da ofensa aos princípios acima explanados, há afronta ao princípio do devido processo legal, uma vez que tal previsão normativa não segue os atos legais previstos no Código de Processo Penal, bem como limita que as provas sejam trazidas a apreciação do juízo. De outro lado, o art. 257 do Provimento 17 de 15 de março de 2013 ofende visceralmente o art. 8º, “f”, do Pacto de São José da Costa Rica, que tem status de norma supra legal, a teor do que já decidiu o Supremo Tribunal Federal[2], bem como se aplica rito processual penal, por força do art. 1º, inc. I, do Código de Processo Penal: “Durante o processo, toda pessoa tem o direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: Direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento como testemunhas ou peritos de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”. Com sorte, o Tribunal Regional Federal da 03ª Região já declarou a ilegalidade de decisões que impuseram o ônus ao Acusado de trazer as testemunhas independentemente de intimação, ou que previram a necessidade de justificar o requerimento de intimação, veja-se os seguintes arestos:
Por fim, não escapa à atenção a absoluta disparidade de tratamento entre as partes, violadora da isonomia e da equidistância que deve pautar a jurisdição. São dois pesos e duas medidas: De um lado, à acusação, não se determinou a apresentação de testemunhas independente de intimação e nem a necessidade de justificar o requerimento. De outro lado, à Defesa, ao contrário, impôs-se necessidade apresentação das testemunhas independente de intimação, ou de justificar a necessidade da intimação judicial para as testemunhas. A pergunta retórica que fica é: Se o Ministério Público arrolasse testemunhas, igual tratamento seria dado a ele? Existe “norma” semelhante que obrigue o parquet a proceder da mesma forma? Por tal motivo, o art. 257 revela a total desigualdade de tratamento entre as partes do processo penal, o que não pode ser admitido. Em suma, há desequilíbrio na paridade de armas entre a Defesa e a Acusação, em nítido prejuízo do acusado. Portanto, basta somente o requerimento, sem qualquer necessidade de justificativa, para que seja determinada a intimação das testemunhas de Defesa para comparecimento em audiência, e tal conclusão está em plena conformidade com os princípios constitucionais, o Pacto de São José da Costa Rica, bem como com as disposições do Código de Processo Penal, que ocupam posição normativa hierarquicamente superior a qualquer Consolidação Normativa de Corregedoria de Tribunal, Provimento, Portaria, Circular, Regimento Interno, que só podem complementar e regulamentar (jamais contrariar!) disposições normativas superiores. Matteus Beresa de Paula Macedo Acadêmico do 10º período da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Referências: [1] Há notícias de decisões semelhantes em Varas Criminais da Justiça Estadual. [2] RE 466343/SP. Os comentários estão fechados.
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ISSN 2526-0456 |