Não se pode negar que, ainda hoje, diversas ocorrências aparecem para a justiça, resultantes de violência, principalmente contra a mulher. Mesmo com a Lei 11.340/06 em vigor, conhecida como Lei Maria da Penha, ainda há muito o que pesquisar, identificar e percorrer para que uma mudança nesse quesito seja efetiva. Pensando em maneiras alternativas, pode-se imaginar que algo mais ativo dentro da sociedade tenha uma importância diferenciada, pois trará dados e percepções de uma realidade que é anterior àquela que chega até as delegacias.
Assim, é imperativo que a ação das Promotoras Legais Populares seja considerada. O projeto já tem uma longa data de existência, mas ainda é possível que nem todos o conheçam. Superficialmente, ele é um grupo que debate temas como o direito, a discriminação de gênero, a cidadania, entre outros relacionados. Desse modo, o objetivo primordial é fornecer às mulheres maior conhecimento e maior senso crítico sobre seus direitos. Tendo início em 1993, ele foi criado através de um ideal da União de Mulheres do Município de São Paulo, tendo apoio da organização THEMIS – Gênero e Justiça (do Rio Grande do Sul), do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e do Movimento do Ministério Público Democrático (PROMOTORAS LEGAIS POPULARES, 2018), grandes instituições reunidas para uma finalidade em comum: espalhar o conhecimento e reconhecimento de temas relacionados à justiça, democracia e dignidade, a fim de proporcionar a construção da igualdade entre os cidadãos. Com iniciativas semelhantes em diversos países, visa trabalhar, através de pequenos cursos e seminários, por exemplo, na formação de mulheres que atuarão no fortalecimento dos direitos da população em geral, por meio da conscientização de tais direitos e dos caminhos de acesso à justiça; portanto, como o próprio site do projeto define, “as promotoras legais populares podem prestar orientação, aconselhar e promover a função instrumental do direito no dia a dia das mulheres, com intervenções individuais ou coletivas.” Tomando como base o que é feito em Porto Alegre, sabe-se que quem passa pelo projeto são mulheres que moram em bairros da periferia e que possuem uma grande representatividade na comunidade, como a participação em conselhos escolares, associação de moradores, igrejas e demais equipes influenciadoras na comunidade (ALVES, 2018). Isso faz com que, naturalmente, as ideias sejam passadas e reproduzidas, identificando quem mais precisa de ajuda e orientação, de maneira direta, pois, nem sempre as pessoas que precisam confiam em agentes de instituições formais. É muito mais comum abrir-se para quem convive na mesma realidade e entende a situação, conseguindo conversar e passar informações numa linguagem mais acessível. Portanto, o projeto busca apresentar às participantes do curso uma visão de que a atuação das Promotoras Legais Populares pode ir além do caráter técnico, sendo de importância uma ação que seja capaz de perceber injustiças e associá-las à violação de direitos, mesmo que nem sempre esses direitos estejam previstos em lei; visto que, assim, entende-se a área jurídica como algo maior que a legislação (COSTA et. al., 2009), ou seja, algo que pode ser vivenciado diariamente. Para a educação popular, então, o programa pretende dar uma visão focada no campo jurídico, mas de maneira que vai além da formal, aproximando saberes de diferentes lugares da cultura e da sociedade, possibilitando a partilha e a troca como forma de aprendizagem. Já a outra diretriz diz respeito a ação afirmativa em gênero, baseada no objetivo de impulsionar o progresso das mulheres em geral em relação à reinvindicação de direitos, justamente por estarem situadas numa sociedade historicamente desfavorável nesse sentido, que faz com que a opressão feminina fique naturalizada (COSTA et. al., 2009). O “curso”, por sua vez, proporciona uma troca de conhecimento e de experiências, necessária para a evolução do pensamento igualitário, já que somente conhecendo os diversos fatores que interferem em um fenômeno que pode-se pensar em uma ação para altera-lo. Dessa forma, as PLPs entraram em cena como agentes da mudança do cenário de exclusão no qual as mulheres das camadas populares urbanas se encontravam com relação ao acesso aos direitos. A prática das Promotoras Legais Populares é interseccionada pelo ativismo popular, o ativismo da defesa dos direitos humanos das mulheres e o ativismo voluntário (ALVES, 2018). Dito isso, nota-se que é um projeto movido pelo engajamento, principalmente, popular. À medida em que os encontros acontecem, percebe-se uma mudança também interna, decorrente da conscientização dos direitos que cada uma possui. E, dessa forma, uma rede de apoio é formada, auxiliando no crescimento de toda uma comunidade. A partir da proposta, é possível ver a dimensão do resultado que o curso proporciona, pois transforma tanto participantes quanto ministrantes, e, decorrente de uma transformação dessas, suas ações também modificarão a vida de quem é atingido por elas. Desse modo, mostra-se importante que hajam projetos como estes, que formam profissionais que atuam conjuntamente com as mulheres, mas que também tem como objetivo o empoderamento e a troca de conhecimentos, agindo de forma preventiva, dando um passo para que a sociedade possa enfrentar sozinha as atitudes machistas e sexistas que ela própria produz e que prejudica a evolução não apenas das mulheres, mas de todo um sistema comunitário. Ludmila Ângela Muller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica pela PUC/PR REFERÊNCIAS ALVES, Thaís da R. Promotoras Legais Populares: uma análise sobre ação coletiva. In.Revista UnilaSalle.n.37, 2018. Disponível em: < https://revistas.unilasalle.edu.br/index.php/Dialogo/article/view/3786/pdf>. Acesso em 22 abr. 2018. COSTA, Bruna S.; LIMA, Fernanda T. P.; MENDES, Juliana M.; SENRA, Laura C. M.; SANTOS, Luna B. P.; RABELO, Mariana C.; COSTA, Renata C. F. G. Direito, emancipação e cidadania: a experiência do Projeto de Promotoras Legais Populares no embate à violência contra a mulher e na transformação de realidades. Revista Participação: Revista do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília, nº15, jul. 2009. PROMOTORAS LEGAIS POPULARES (site). Disponível em < http://promotoraslegaispopulares.org.br/>. Acesso em 22 abr. 2018. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |