Apesar de o termo “Psicologia Jurídica” não ser mais tão desconhecido assim, a sua prática ainda pode gerar dúvidas para quem não está familiarizado com a área. Ao refletirmos acerca de seu surgimento, percebemos que desde que existe sociedade, existe a necessidade da atuação. Porém, a entrada da Psicologia no campo jurídico não se deu de maneira tão fácil e óbvia assim.
A partir do momento em que o homem passou a ser visto sob uma nova perspectiva, na qual ele é responsável por suas ações, as relações humanas começaram a ter maior complexidade. Junto com esse fator, uma área que intermediasse tais relações também precisou aparecer. O Direito, então, vem como um instrumento de resolução de conflitos. Responsabilizar os indivíduos por seus atos parece não ser algo tão complicado assim. Mas essa premissa acaba sendo derrubada pela multiplicidade humana, que fez com que surgissem certos questionamentos em relação à autonomia de um sujeito: seria correto julgar todas as pessoas exatamente da mesma forma diante de uma mesma situação? Com isso, a Psicologia teve sua entrada na área do Direito, influenciada pelo ideário positivista. Conforme Altoé (2001), tal contribuição tinha como objetivo a verificação da fidedignidade do relato de um indivíduo que estava envolvido em um processo jurídico, sendo este trabalho denominado de Psicologia do Testemunho. A abertura do Direito para demais ciências, afirma Sanches (2009), permitiu não apenas a transdisciplinaridade, mas uma transformação desses campos do conhecimento que antes eram vistos apenas separadamente. Em relação à Psicologia, provou-se que a parceria com essa área é de extrema importância, pois é imprescindível que o ser humano seja considerado verdadeiramente, assim como todos os fatores que o envolvem. Desde o momento em que a Psicologia entrou na área jurídica, muita coisa evoluiu. Mas ainda se está longe de afirmar que a atuação dos psicólogos está ideal. Se pensarmos sobre assunto, vemos que isso deve-se a diversos fatores. É necessário sim prestar atenção no indivíduo que chega até a justiça com um pedido de socorro. Mas, atualmente, quem é esse indivíduo? Não será alguém que procura uma solução imediata e “mágica”, procurando, na realidade, uma justiça que não lhe pode ser dada? Seguindo nesse raciocínio, percebemos que a demanda é grande, pois exige que a resolução seja rápida e indolor. De acordo com Brito (2012), a busca pela satisfação se torna prioridade na vida das pessoas, sendo vista até mesmo como uma obrigação, algo necessário a ser conquistado; se algum percalço acaba aparecendo nessa empreitada, ele é considerado algo que fere seus direitos, ou a sensação da vivência destes direitos. Desse modo, a justiça é acionada com mais frequência, pois a necessidade de procurar por um órgão que lhe devolva o que foi perdido supostamente fará com que o indivíduo finalmente sinta-se bem novamente. E isso é, de certo modo, mais cômodo que tentar resolver sozinho. Assim, justamente por causa desse ideal imediatista, o sentimento de justiça parece ser devolvido mais rapidamente se o sujeito percebe que algo que está fora de si, algo que é autoridade – o juiz, por exemplo – está “se mexendo” para “reparar” a injustiça sofrida e punir o causador desta. Mesmo assim, não se pode simplesmente ignorar tais casos, pois, se uma pessoa chegou até o sistema de justiça, normalmente é porque não achou outro lugar onde seu sofrimento pudesse ser ouvido. Mas também não se pode fechar os olhos para o fato de que são justamente esses casos que movimentam o sistema de uma forma que poderia ser evitada, causando uma “sobrecarga”. A longo prazo, isso causa atrasos nas resoluções, compromete tempo de situações consideradas mais urgentes, e por fim, contribui para que a própria população desacredite no sistema. O desafio da Psicologia, então, também está em perceber tais ocorrências e ajudar de maneira apropriada os atores jurídicos, para que o andamento do processo seja facilitado. Como aponta Brito (2012), o profissional identifica quais são os temas em que ele pode contribuir, considerando os estudos englobados pelas ciências humanas, sem se prender às tipificações legais de um caso. Mesmo sabendo que a Psicologia Jurídica é uma área relativamente nova, ela não é estática. Para acompanhar essa “fluidez” do mundo atual, os profissionais envolvidos no campo também precisam de constante atualização, pois devem sempre estar atentos às demandas atuais e não fechar os olhos diante delas. Altoé (2001) reforça que a formação do psicólogo dessa área deve, inicialmente, buscar desenvolver o espírito crítico do profissional. Para isso, uma mente aberta pode ser considerada uma característica importante para quem trabalha no campo jurídico. Assim, após refletirmos como as duas áreas se encontraram, e como a sociedade muda a cada dia, não há como negar que a relação entre a Psicologia e o Direito é vantajosa para todos, em especial para a população. A complexidade daquilo com que estamos lidando – as próprias relações humanas – merece atenção especial e o trabalho que deveria ser realizado vai além do se está sendo feito. Não se pode ser apenas um instrumento de reparação de danos, pois tem se estrutura para fazer mais que isso, para trabalhar de maneira a prevenir, e não apenas remediar. Sem esquecer da via forense, pela qual adentrou-se no campo jurídico, a Psicologia tem muito mais a ofertar. Os projetos devem tomar como base o passado, mas se espelhar no contemporâneo e, novamente, reforça-se a importância da atualização dos profissionais para os problemas que estão acontecendo e a potencialização da percepção para os que estão surgindo nos dias de hoje. Portanto, ao olhar para aquilo que já foi conquistado, o importante agora é definir o rumo que será tomado, enquanto ciência estabelecida dentro de uma outra área. O que se tem a contribuir? A que lado irá servir? A entrada da Psicologia foi uma demanda do Direito, mas a permanência neste campo depende principalmente da própria Psicologia; não se deve esquecer disso ao ponderar as ações e decisões. E o fator primordial que não pode ser esquecido é que estamos trabalhando com pessoas, com seres humanos dotados de subjetividade, que chegam até nós, pois, pelo menos em algum setor de suas vidas, estão em sofrimento. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica Referências: ALTOÉ, Sonia. Atualidade da Psicologia Jurídica. Revista de Pesquisadores da Psicologia no Brasil (UFRJ, UFMG, UFJF, UFF, UERJ, UNIRIO). Juiz de Fora, Ano 1, Nº 2, julho-dezembro, 2001. BRITO, Leila Maria Torraca de. O sujeito pós moderno e suas demandas judiciais. Revista Psicologia: Ciência e Profissão. Vol. 32. no. 3. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pcp/v32n3/v32n3a04.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2017. BRITO, Leila Maria Torraca de. Anotações sobre a Psicologia Jurídica. Revista Psicologia: Ciência e Profissão. Vol. 32. número especial, Brasília, 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932012000500014&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 04 mar. 2017. SANCHES, Antonia Lelia Neves. Diálogos entre o Direito e a Psicologia. In: CARVALHO, Maria Cristina Neiva de. Psicologia Jurídica – temas de aplicação II. Curitiba: Juruá, 2009. Comments are closed.
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