Gabriela de Abreu Repetski e Rodrigo da Conceição Ramos no sala de aula criminal, vale a leitura! ''O que se depreende portanto é que há realmente um simbolismo, uma verdadeira “alquimia” legislativa no que se refere à produção das normas penais. E no cenário brasileiro, senão todas, a maioria das leis de cunho penal trazem algo em comum: recrudescimento. A mão forte do Estado, pesa cada vez mais sobre os apenados. Não obstante à essa classe, os acusados também sofrem dessa verdadeira mazela. E ainda pior, muitas vezes alguém será o bode expiatório. Nada mais que um linchamento em praça pública, uma fogueira das bruxas. Quando isso ocorre, a sensação é de que a lei foi cumprida, de que alguém foi punido por aquele determinado ato delitivo''. Por Gabriela de Abreu Repetski e Rodrigo da Conceição Ramos 4. A pena como meio de controle
Nos últimos tempos, principalmente por se limitar ao campo de estudo no Brasil, cada vez mais o legislador tem buscado um recrudescimento das normas, dos projetos de lei, ou das propostas dos candidatos aos cargos políticos. Se observa também o surgimento de candidatos, ou personagens públicos cuja defesa é por penas mais severas, diminuição de liberdades, criação de novos tipos penais e inobservância dos mais variados direitos inerentes ao acusado. É massiva a interferência da mídia e da política, para que a sociedade cada vez mais anseie por resolução dos problemas sociais. Infelizmente, a criminalidade não fica de fora da discussão política, já que é um dos meios de angariar votos, como se a repressão incessante fosse garantir uma sociedade mais protegida. Nesse tocante, o direito penal sofre essa interferência externa. A falsa impressão de que a repressão acentuada é a resolução da criminalidade vem crescendo e se assentando no pensamento social. Porém, a discussão não busca a raiz do problema, não se preocupa com os meandros mais básicos, que por consequência causam o aumento da prática de delitos. A falta de educação, saúde, saneamento básico, alimentação e oportunidade causa revolta no cidadão, principalmente naquele culturalmente estigmatizado, o pobre, que na maioria das vezes também é preto. Essa revolta, muitas vezes, se converte em delitos dos mais variados graus de periculosidade/lesividade. Por outro lado, a incapacidade do Estado em cuidar dos problemas sociais, de forma deliberada, engana o cidadão, lhe trazendo a impressão distorcida de que o aumento da criminalidade está sendo combatido. Assevera Callegari e Motta (2007, p. 17) “pode ser definido como aquela situação em que considerações eleitorais primam sobre as considerações de efetividade”. Há um fenômeno, que foi importado dos Estados Unidos, o Neopunitivismo (New Punitiveness). Nas palavras de Zaffaroni (2013, p. 176) em “A questão criminal”, “Governar mediante o medo importa a fabricação de inimigos, e a consequente neutralização de qualquer obstáculo ao poder punitivo ilimitado…” . Segue ainda no mesmo tocante, “No fundo, o fenômeno é sempre uma enorme enganação para distrair a atenção sobre outros riscos e obter consenso para exercer um poder policial sem controle” (2013, p. 176). Ainda nas palavras do próprio Zaffaroni, fenômeno identificado por ele como “criminologia midiática” cujo objetivo é de “que eles devem ser criminalizados, ou eliminados, o bode expiatório deve infundir muito medo e ser crível que seja ele o único causador único de todas nossas aflições” (2013, p. 197). Percebe-se, então, que não há uma verdadeira preocupação mais profunda com as questões mais sensíveis, havendo por vezes um total desrespeito à segurança jurídica, aos direitos inerentes ao cidadão ou às prerrogativas mais basilares do processo penal. A legislação penal simbólica tem em si mesmo a sua justificativa, pois é notadamente produzida, criada para atender o clamor da sociedade, buscando uma resposta mais imediata, e muito provavelmente menos custosa ao erário público. E não menos importante, é mister frisar que ao seguir essa escada legitimada exige-se também muito menos do legislador. Diante da análise das inúmeras leis do ordenamento jurídico brasileiro, é perceptível, a todos os olhos, que algumas normas são denominadas a partir ir do nome daquele personagem, que vive, que passa por essa ou por aquela situação, logo, a caracterização surge portanto de uma tipificação intitulada pelo nome da vítima. A título de exemplo, citamos a Lei 12.732/2012, que tipifica crimes e delitos praticados no âmbito digital, chamada de Lei “Carolina Dieckmann”, uma artista que teve imagens íntimas vazadas em um site da internet, sem seu consentimento ou sem prévia autorização. Outro exemplo é a Lei, 13.010/2014, denominada Lei da Palmada ou “Lei Menino Bernardo” (caso de violência e morte de uma criança, chamada Bernardo, amplamente divulgado pela mídia), que versa sobre direitos inerentes à criança e adolescente, proibindo castigos físicos ou degradantes. A academia tem chamado esse fenômeno de direito penal de emergência. O nome em si já é autoexplicativo. Mas a emergência, na verdade, fica aos advogados de defesa, defensores públicos, adeptos do garantismo penal e militantes dos direitos humanos. Trata-se de uma lei criada sem uma análise mais profunda sobre determinado assunto, sem entender ou ao menos delimitar a natureza do bem jurídico e qual sua importância para o organismo social, bem como sem compreender qual será o impacto na sociedade, ou ainda, visualizar o reflexo gerado no erário público. É conhecimento público toda a burocracia que há no processo legislativo. E não poderia ser diferente, do contrário viveríamos tempos de opressão, supressão de direitos e garantias, edição de normas e mais normas de direito penal cada vez mais duras. Não há necessidade de um grande conhecimento em história, para saber das atrocidades cometidas pelo homem, respaldadas pela lei. Seria então uma espécie de panóptico? Seria mais um modelo de encarceramento? A pena, que é a emanação mais notória do poder de punir, como meio de coibir as mais variadas condutas do homem, da forma que é posta para a sociedade atua o corredor de um abatedouro, direciona o indivíduo para um único caminho, onde aquele que ousar ir na direção contrária sentirá as consequências, isso quando não for impelido a continuar seguindo em frente, empurrado pela manada. O suplício, embora tenha desaparecido entre os anos de 1830 e 1848, parecem presentes, e Foucault (2004, p.17) ao escrever sua obra especificou a sobriedade das execuções, o que é que podemos tratar como a sobriedade da punição, ou seja, do encarceramento. “Assim restou apenas o ordenamento do crepe, tal como aconteceu para Fieschi, em novembro de 1836” (FOUCAULT, 2004, p.16): Será conduzido ao lugar de execução, em Camisão, pés descalços e com a cabeça coberta por um véu negro; será exposto, em um cada falso, enquanto Meirinho levará para o povo a sentença condenatória e imediatamente executado. De maneira velada continuamos conduzindo nossos reclusos a execução imediata, uma vez que o nosso direito penal vem sendo utilizado de maneira horrenda, e embora não decepe mais cabeças, ainda as coloca em praça pública, expondo esta Seara do direito que deveria ser tão garantista e tão bem cuidada tanto pelo legislador como pelo julgador aos cuidados de um povo que tem sede por vingança. 4 ALÉM DA POLÍTICA CRIMINAL Quando se está em um sistema onde a regra parece já estar definida, cabe-nos analisar as consequências que são geradas pelo direito. Aí as mais variadas frentes de estudo surgem e com o que chamamos de Direito Penal Simbólico não é diferente. Ainda que a doutrina não tenha chegado a um consenso quanto a definição do Direito Penal Simbólico, devemos entender seus meandros e motivações. E quais seriam as motivações, que não aquelas pautadas pelo populismo? Afinal de contas, qual é o problema em uma decisão judicial que atenda ao clamor social? Além do mais, tudo sempre gira em torno daquela velha máxima, de diminuir a criminalidade, protegendo os “cidadãos de bem”. Ou ainda o jargão de que “bandido bom é bandido morto”. O QUE HÁ DE ERRADO NISSO? Ora, se essas frases não assustam, então algo deve ser analisado com mais profundidade, com alertas e trombetas do fim dos tempos ecoando até no mais longínquo local povoado por vida humana. Nas palavras de Winfried Hassemer, “a previsibilidade da eficácia de uma normas se mede pela qualidade e quantidade das condições objetivas postas à sua disposição para sua concretização instrumental” (HASSEMER. 2008, p. 221) . No mesmo tocante segue Hassemer, (2008, p. 221): O que vem aqui sendo chamado de ilusão ou dissimulação: os objetivos de regulamentação proclamados pela norma são, comparativamente, diversos dos efetivamente esperados; não é possível confiar naquilo que a norma publicamente proclama. O que se depreende portanto é que há realmente um simbolismo, uma verdadeira “alquimia” legislativa no que se refere à produção das normas penais. E no cenário brasileiro, senão todas, a maioria das leis de cunho penal trazem algo em comum: recrudescimento. A mão forte do Estado, pesa cada vez mais sobre os apenados. Não obstante à essa classe, os acusados também sofrem dessa verdadeira mazela. E ainda pior, muitas vezes alguém será o bode expiatório. Nada mais que um linchamento em praça pública, uma fogueira das bruxas. Quando isso ocorre, a sensação é de que a lei foi cumprida, de que alguém foi punido por aquele determinado ato delitivo. É um cenário aterrorizante, pois na contramão desse sentimento social, está sendo subjugado um cidadão de direitos, e muito embora tenha ele delinquido, suas prerrogativas mais básicas e fundamentais não podem ser relativizadas ou pormenorizadas. A dignidade é a primeira a escoar pelo ralo do senso comum. Suas possibilidades de defesa, muitas vezes são suprimidas, quer seja por uma medida cautelar fundamentada na controversa ordem pública, ou ainda por uma um processo maculado desde as diligências iniciais do inquérito policial, por exemplo. Muito provavelmente a audiência de custódia não terá ocorrido no prazo legal estabelecido. Em se tratando da norma positivada, mais recentemente, o juiz de garantias foi deixado de “stand by”. Apenas para aclarar, o juiz de garantias, é mais um avanço no que tange aos direitos inerentes do acusado, com o objetivo de preservar os direitos fundamentais do agente. E o que chama atenção nesse ponto é o judiciário, órgão cuja função precípua sabidamente não é legislar, atuando incisivamente nessa esfera. Fica a impressão de que há uma espécie de direcionamento às ferramentas de controle social, meios de repressão, formas de conduzir o cidadão a agir de acordo com a vontade do legislador. E essa atuação repressiva se dá de maneira silenciosa, como uma doença que se alastra, ao ponto de afetar as funções vitais, mas que só é notada quando alguma função vital não está mais na sua normalidade. Quando da consagração da Declaração Universal dos Direitos dos Homens e do Cidadão (1789), direitos individuais e coletivos passam a ser observados. De maneira vinculada à esta, proclamada a Declaração dos Direitos Humanos, surgindo num ambiente de pós-guerra, pela necessidade de proteção da humanidade, elencando uma enormidade de direitos, servindo de inspiração inclusive para a confecção de inúmeros tratados. Não se pode deixar de citar as ideias de Jeremias Bentham (Londres, 1748-1832). Uma abordagem importante feita por ele, além da sua visão do "Panóptico" é o que Bentham8 define como “ideia incipiente sobre o que atualmente se denomina subcultura carcerária''. Este é um conceito que está em voga nos dias de hoje, pois o cárcere é um mundo diferente. A opinião pública é massiva, ao considerar as prisões brasileiras como uma “faculdade do crime”. Contudo, embora o povo brasileiro tenha essa visão de que o cárcere transforma o indivíduo, tem ao mesmo tempo a visão de que a norma penal deve ser mais repressiva, mais dura. É uma dicotomia interessante a se notar. Daí se extraem duas linhas de raciocínio: ou há uma preocupação maior com a segurança, ou há um descaso com a vida humana, com os direitos mais básicos do indivíduo, ainda que seja segregado. Desta segunda visão, só se pode entender que se esse ideal preponderar, haverá um enorme retrocesso, retornando aos tempos de penas corporais. É aquilo que é tratado como função retributiva da pena, não se objetiva ressocializar o agente e tão somente puni-lo a ação delitiva. O que se acredita, é que com a punição o sujeito que delinque não o fará novamente, por ter sido intimidado pela punição outrora recebida. Portanto, indiferente do resultado do julgamento da ação penal, o agente estará carimbado, rotulado, não conseguindo se (re)inserir na sociedade. E aí a sua pena, definitivamente extrapola os pesados portões do cárcere. O sujeito, na imensa maioria dos casos, não irá se ressocializar. Pior ainda, a subcultura do crime, seguirá o ex detento, ainda que sua dívida tenha sido paga. Sob essa ótica, o combate, militante, ferrenho deve ser travado em todas as instâncias da justiça, assim como a escolha dos representantes do povo, membro do legislativo e do executivo. E parafraseando a “sapiência” dos representantes dos mais variados cargos políticos, o povo deve sim se armar, mas que sua arma, seja o conhecimento, a crítica, a indignação e que não nos falte voz e nem vontade, pois a sede punitivista alcança até aqueles que clamam pelo retrocesso aos mais variados meios punitivos escusos à legalidade. Gabriela de Abreu Repetski Docente do curso de Direito do Centro Universitário Santa Cruz, de Curitiba-PR ; [email protected], Curso de Direito – Centro Universitário Santa Cruz. Rodrigo da Conceição Ramos Universitário Santa Cruz, de Curitiba Cruz, de Curitiba-PR ; [email protected], Curso de Direito – Centro Universitário Santa Cruz REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANDRADE, André Lozano. Os problemas do direito penal simbólico em face dos princípios da intervenção mínima e da lesividade. In: Revista Liberdades: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), n. 17, set/dez 2014. Disponível em: . Acesso em: 29 Out. 2020 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2016. BENTHAM, Jeremias. El panóptico - el ojo del poder. España, La Piqueta, 1979. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 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