Seria possível equacionar o valor de uma vida quando encerrada por intervenção de terceiro? Basicamente o Poder Judiciário trata desta questão em duas áreas, a penal e a cível.
Começando pelo Direito Penal, a punição em caso de conduta com o resultado morte, é através de tempo de prisão, enquanto por sua vez, o mesmo evento morte no Direito Civil é estabelecido um valor em dinheiro para indenização para a família. O Art. 121 do Código Penal prevê como punição ao homicídio doloso em sua modalidade simples[1] a pena de reclusão de 6 a 20 anos, já em casos da modalidade qualificada a pena sobe para 12 a 30 anos[2]. No entanto, o crime com maior pena no Código Penal não é um delito contra a vida e sim um previsto nos crimes contra o patrimônio, no caso o tipo de extorsão mediante sequestro, cuja pena de reclusão de 08 a 15 anos, passa para 24 a 30 anos, quando resulta em morte[3]. Há outros crimes contra a vida, ou com o resultado morte previstos no Código Penal[4] e legislação extravagante[5], mas a intenção aqui é trabalhar com a maior pena prevista quando uma vida é encerrada. Portanto, para o Código Penal é possível afirmar que, uma vida encerrada por intervenção de terceiro, tem o valor mensurado em tempo de prisão, cujo máximo possível a ser atribuído é 30 anos. Como a punição na área penal é estabelecida em tempo de prisão, apenas como uma forma de tentar estabelecer qual seria o valor de uma vida no âmbito do Direito Penal, é preciso levar em conta a (possibilidade[6]) da progressão de regime[7]e[8]. Como a pena de 30 anos de reclusão é estabelecida para crimes hediondos ou assemelhados, em caso de uma condenação no máximo permitido, o progressão para o regime semi aberto, somente seria possível após o cumprimento de 2/5 da pena, que no caso seriam 12 anos, para réu primário, e 3/5, o que resultaria em 18, para reincidente. Todavia, na prática não é comum uma condenação ser estabelecida no máximo previsto ao tipo. Apenas como uma forma de demonstrar o exposto, de forma aleatória, foram selecionados dois precedentes do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, sendo o primeiro um caso de latrocínio com o resultado morte e o segundo um homicídio qualificado. Eis os julgados:
O precedente acima trata-se de condenação de réu primário a pena de 21 anos de reclusão[10], em regime inicialmente fechado, pelo crime de latrocínio (Art. 157, §3º CP[11]).
O segundo caso trata-se de uma condenação de réu primário a pena de 12 anos de reclusão em regime incialmente fechado, pelo crime de homicídio qualificado[13]. Como os casos acima são recentes, as respetivas penas ainda não são definitivas, pois ainda há a pendência dos recursos especial e extraordinário, situação que pelo atual entendimento majoritário permitiria a execução provisória da pena. Sendo assim, como em ambos os casos a progressão pode ser concedida com o cumprimento de 2/5 da pena[14], no primeiro precedente seria necessário cumprir 8 anos e 4 meses e 21 dias da condenação inicial de 21 anos pelo crime de latrocínio, enquanto no segundo precedente seria necessário cumprir 4 anos e 9 meses e 18 dias da condenação inicial de 12 anos pelo crime de homicídio. Aqui vale a seguinte reflexão: quase 9 anos de reclusão em regime fechado (fora o resto da cumprimento da pena) seria suficiente para compensar uma vida perdida? É muito difícil responder a essa pergunta, mas antes de se aprofundar na resposta Penal ao evento morte, é necessário analisar quanto vale uma vida para o Direito Civil. Conforme visto inicialmente, enquanto a punição no Direito Penal é estabelecida em anos, no Direito Civil é através de dinheiro. Outra diferença entre as duas aéreas é que a medida da punição vem preestabelecida no Código Direito Penal através de um mínimo e máximo de pena estipulada a cada tipo penal, permitindo uma variação de acordo com cada caso concreto, enquanto do Código Direito Civil não há previsão de um patamar para indenização. Ou seja, o quantum a ser indenizado vai depender apenas das especificidades do caso concreto, levando em consideração o dano causado, consubstanciado na possibilidade do causador indenizar, e também na condição financeira da vítima e a análise da conduta da vítima (culpa concorrente/exclusiva da vítima). Assim, como a punição no Direito Penal é através do tempo, toda pessoa que for condena será sujeitada a mesma punição, qual seja em tempo de prisão, dentro das possibilidades de máximo e mínimo de pena preestabelecida no Código. Em outras palavras, por exemplo, qualquer pessoa que seja condenada pelo crime de tráfico de drogas (Art. 33 da Lei 11.434/06), pode ser punida a pena de reclusão, que pode variar de 5 a 15 anos (pena semelhante a aplicável ao homicídio em sua modalidade simples). O que vai determinar o total de pena final são as especificidades do caso concreto, como a extensão do dano, reincidência, confissão, etc. Já no Direito Civil, como a punição é através da imposição de um valor monetário, a capacidade financeira tanto autor quanto do réu é um dos critérios para quantificar o valor. Levando-se em consideração, que a capacidade financeira de autor e réu, na maioria das vezes é distinta, nem sempre a indenização será correspondente ao dano causado. Como no exemplo acadêmico de uma colisão entre um automóvel popular e uma Ferrari. Se o motorista do automóvel popular é o causador do acidente, terá que indenizar a vítima. Como a indenização não pode ultrapassar as possibilidades financeiras do causador do dano, possivelmente o motorista da Ferrari não será totalmente ressarcido. Para comparar valor atribuído a punição pela morte decorrente de latrocínio (21 anos) e homicídio qualificado (12 anos), com a resposta dada pelo Direito Civil, foram separados 2 precedentes de Câmaras Cíveis do TJPR, referentes a Apelação em Ação de indenização por morte, sem o envolvimento de pessoa jurídica ou ente público. O primeiro caso é referente a um acidente de trânsito e o segundo sobre homicídio por disparado de arma de fogo. Vejamos os valores atribuídos:
No primeiro caso, por se tratar de acidente de trânsito, possivelmente o causador do dano também responderia a uma Ação Penal, ou pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, cuja pena é detenção de 2 a 4 anos, ou por homicídio simples (em caso de dolo eventual), que prevê a pena é de 6 a 20 anos. Com certeza a resposta penal (seja pela pena de 2 a 4 anos – Art. 302 CTB, ou mesmo a pena de 6 a 20 anos – Art. 121 CP) em caso de uma vida perdia no trânsito não é suficiente para compensar o abalado causado na vida dos familiares da vítima, ou mesmo como forma e evitar que o mesmo fato acontecer novamente, todavia atribuir o valor monetário de R$ 100.000,00, acrescido de pensão por tempo determinando, parece irrisório. No segundo precedente, julgado em 2014, que tratava de indenização por homicídio decorrente de disparo de arma de fogo, a indenização foi estipulada em R$ 80.000,00, o que numericamente representa uma punição ainda mais branda, caso comparado um caso análogo na área criminal. Isto porque, tomando como base o precedente de homicídio da Câmara Criminal, em que condenação foi de 12 anos de reclusão em regime fechado, se levarmos em conta somente os 2/5 de pena até a progressão para o semi aberto, o réu permaneceria 4 anos e 9 meses e 18 dias preso. Se dividirmos R$ 80.000,00 – da indenização imposta no precedente da Câmara Cível - pelo tempo de prisão em regime fechado, cada ano preso representaria um pouco mais de R$ 17.000,00 por ano. Para finalizar, outra informação que ressalta o valor irrisório da resposta oferecida ao valor de uma vida perdida pelo Direito Civil, é que o custo mensal para manter o causador morte preso em uma penitenciária do Estado do Paraná seria algo em torno de R$ 3.000,00[18], o que representa mais de R$ 36.000,00 por ano. Portanto, a compensação financeira pela perda de uma vida é (muito!) inferior ao custo de manter o causador da morte em uma penitenciária. E qual seria a solução para esse problema? Acabar com o Direito Penal (abolicionismo penal)? Aumentar o tempo de pena? Prisão perpetua? Pena de morte? É culpa do Direito Penal todo esse problema? Thiago Luiz Pontarolli Advogado Vinicius Cabral Bispo Ferreira Advogado Referências: [1] Homicídio simples Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. [2] Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: (...) Pena - reclusão, de doze a trinta anos. [3] Art. 159 CP- Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: (...) § 3º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos. [4] Art. 213 CP - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (...) § 2o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. [5] Art. 302 CTB - Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. [6] Possibilidade está entre parênteses, pois a progressão depende de outros critérios além do temporal para o seu deferimento. Portanto um determinado tempo de cumprimento de pena nem sempre é suficiente para a progressão. [7] Art. 112 da Lei 7.210/84 - A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. [8] Art. 2º, §2º da Lei 8.072 - A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. [9] TJPR - AC - 1563688-5, Rogério Kanayama, 3ª Cª Cr., DJ. 03.11.16. [10] Conforme extraído do voto – “Na terceira fase, igualmente, por não se fazerem presentes quaisquer causas de aumento ou diminuição de pena, permaneceu a sanção definitiva em 21 (vinte e um) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa”. [11] Art. 157, § 3º CP - Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. [12] TJPR – AC 1575338-1, Miguel Kfouri Neto 1ª Cª Cr., D J. 27.10.16. [13] Conforme extraído do voto – “Cuida-se de recurso interposto pela Defesa contra a r. sentença que, acatando a decisão dos Srs. Jurados (mov. 86.4), condenou os acusados como incursos nas sanções do art. 121, § 2.º, inc. IV, do CP, à pena de doze (12) anos de reclusão, cada um, em regime inicialmente fechado”. [14] Ambos os casos são de crime hediondos e o condenado não era reincidente. [15] TJPR – APC 1403966-4, Vilma Régia Ramos de Rezende, 9ª Cª c. DJ 26.11.15. [16] Indenização por danos morais para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para 1ª Autor e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a ser dividido entre 2º e 3º autores. [17] TJPR - AC 1123936-6, Sérgio Roberto N Rolanski,, 8ª Cc., DJ. 29.05.14 [18] Informação obtida no site: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/gasto-por-preso-passa-de-r-3-mil-e-parana-estuda-privatizar-presidios-eswfc3b8lwvysyvyg607cgj1f Comments are closed.
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