A função de jurado, no Brasil, não é um exercício de cidadania, como, por exemplo, nos Estados Unidos. É, sim, um serviço obrigatório, razão pela qual o cidadão não pode se surrupiar à participação no júri, salvo os casos que são expressos em lei. [1]
O corpo de sentença se informa para sua construção da convicção íntima durante os debates, pois possui contato com o caso poucos minutos antes de iniciar a sessão plenária, isto é, em casos em que a mídia não se faz presente. Dessa forma, sua convicção íntima é iniciada a partir dos debates desenvolvidos pelo Promotor de Justiça, eventual assistente de acusação e Defensores (constituídos ou públicos), dentro de uma dialética, onde o antagonismo é a regra. [2] Insta mencionar que essa convicção intima é aparentemente iniciada em plenário, quando, genuinamente, será de acordo com a história de vida de cada jurado, uma vez que engloba tudo o que aquele cidadão já viveu. Comum é encontrar jurado perplexo pela amplitude das divergências em plenário, que, assim, o faz lembrar de forma mais intensa as suas convicções religiosas, filosóficas, políticas, logo se afastando da estrutura probatória processual. E apesar de tratar-se, em regra, de pessoa honesta e fiel aos seus princípios, o jurado não excluirá do julgamento a sua herança social e cultural. Confuso, com este caldo sociológico, elaborará seu convencimento. [3] Foi neste diapasão que se realizou uma pesquisa, por meio desta que ao final assina, mediante entrevistas realizadas com os jurados, após o conselho de sentença proferir sua decisão em diversos Tribunais do Júri no Estado do Paraná, durante o segundo semestre de 2016 (aproximadamente 17 sessões de julgamento). Uma das questões vitais da pesquisa que foi apresentada aos jurados era se eles conseguiam analisar todo o processo, com a devida segurança e tranquilidade, para após julgar. Como resultado, constatou-se que 89,66% dos jurados da região metropolitana, e 82,50% dos jurados da cidade de Curitiba responderam que julgaram pela absolvição ou condenação de outro cidadão sem conseguir analisar todo o processo. E o que isso significa, bem como, qual é a gravidade desta questão? Numa percepção jurídica e cotidiana no Tribunal do Júri, esse resultado não é uma novidade, diante de como o sistema impera. No entanto, tal constatação não pode continuar invisível aos olhos dos operadores do Direito. Não com o fim de esgotar o tema e, equidistante da ideia de abolir o instituto do Tribunal do Júri, bem como, longe de querer de alguma forma aferir a capacidade dos Senhores Jurados, porquanto eles também foram e continuam sendo vítimas de todo este estagnado e cruel sistema, teça-se aqui alguns comentários que podem ser desconfortantes para alguns e reconfortantes para outros profissionais. Em continuidade da indagação acima exposta, para ter uma ideia da gravidade desse problema, basta-se fazer uma singela análise histórica, ou seja, dos percalços trilhados pelo Tribunal do Júri Brasileiro até o período contemporâneo. Frequentemente se observa jurados que saem com olhos marejados, corações e mente inquietos, adrenalizados, abarrotados de dúvidas, e/ou com pânico de ali estarem. É notória a dificuldade que essa função exige, ademais, da insegurança jurídica para todos que ali trabalham. Bem como, os profissionais com o ego exposto de forma inflada ao “ganhar um júri” e outros feridos por “perder um júri”. Enquanto, certamente, os familiares de vítimas e réus, estarão a remoer os mais dolorosos e indescritíveis sentimentos. Num viés de progresso, isso primeiramente significa que temos que melhorar demasiadamente nossa participação como operadores e garantidores do Direito em plenário diante daqueles que vão julgar ao final. Pois, a questão é sim, muito profunda. De tal modo, quando a inquietação for com a plenitude e segurança da justiça, abolindo-se a questão de ganhar ou perder um júri, quem verdadeiramente ganhará será toda a sociedade de forma coletiva, ou seja, nada prevalecerá em seu aspecto individual. E, se progredirmos assim, mormente, em relação àqueles que se sentam na cadeira dos réus, acabaremos por construir um sistema mais digno, justo e solidário com o próximo, seja ele quem for. Assim, realmente, espera-se que um dia, o pensamento individual daquele que integra a tribuna da defesa ou da acusação - aqueles que estão perdendo ou ganhando o júri como se ali houvesse uma competição - seja uma infeliz lembrança, a qual nem merecerá ser rememorada, a não ser para fins acadêmicos. É claro que essa questão de ego não fica adstrita somente ao Tribunal do Júri, e ao Direito Penal, mas também para todo o sistema jurídico brasileiro. No entanto, neste momento nos limitaremos ao Tribunal do Júri. Pois junto de nós, operadores e garantidores do Direito, há uma sociedade necessitando de, urgentemente, melhorias no sistema jurídico, a começar pelos próprios garantidores do Direito. Insta-se que também não é surpresa assistir a um júri com profissionais fazendo malabarismos em plenário, tratando-o como um jogo e os jurados feitos fantoches, onde tudo vale para “ganhar” aquele julgamento. No entanto, e felizmente, justo é ressaltar o impacto e conforto que os jurados sentem quando se deparam com profissionais que operam brilhantemente com clareza, transparência e sem “espetáculos”. Pois, embora o sistema resulte em tantas celeumas, esse conforto é contagiado a todos que ali trabalham, mormente, jurados e acusados. Ainda no viés crítico e com esse conjunto de situações inseguras existentes em nosso estagnado Tribunal do Júri, as quais majoram ferozmente as “cifras da injustiça”[4], pesam, exacerbadamente, sob os ombros dos nossos jurados por excelência, uma avalanche de decisões, que, infelizmente, são adversas aos Princípios norteadores do Direito e Processo Penal Brasileiro. Memoravelmente, Ferrajoli[5] menciona sobre os custos da justiça e da injustiça, onde todos estão sujeitos às limitações da liberdade de ações prescritas nas proibições penais, mas nem todos, e nem mesmo somente aqueles culpados pela violação destas, veem-se sujeitos ao processo e a pena. Logo, jamais deve-se esquecer que por muitas vezes inocentes são obrigados a suportar um julgamento, ou até mesmo o cárcere e o erro judiciário em razão da inevitável imperfeição e falibilidade do sistema penal. Certa feita, e na tenra idade do descobrimento da juventude, um Senhor, a quem muito estimo e admiro, me disse no seu mais simples jeito de ser: “Minha querida, a vaidade pode te levar as alturas e a sentimentos de prazer indescritíveis numa esfera visível. Mas, nunca se esqueça que na esfera invisível aos olhos humanos, ela representa um retrocesso, além de moral e espiritual, humanitário. Tudo se resume numa questão de escolhas. A humildade é força e caráter, já a vaidade é fraqueza e traiçoeira.” Voltando ao cenário jurídico, mais precisamente ao Tribunal do Júri, um cenário extremamente vaidoso, com o resultado da pesquisa corroborou-se que possuímos representantes do povo julgando todos os dias há décadas, na mais dileta democracia brasileira, sem o devido amparo pelo sistema e pelos operadores do direito. Neste contexto, os jurados acabam por descarregar no plenário todo seu histórico de vida, sem ter a devida e minimamente justa oportunidade de conhecer o processo criminal em que foram parte julgadora. Frisa-se que por muitas vezes o processo é construído ao longo de anos, e o jurado deve decidir pela vida e liberdade do outro com apenas o que lhe é fornecido em plenário - julgar com a devida consciência de que não teve conhecimento de todo o processo - será obrigado a proferir uma complexa decisão. Do outro lado neste enredo, muitos profissionais (juízes imparciais, promotores e advogados) diante do que por muitas vezes se torna um espetáculo no Tribunal do Júri, ficam preocupados em contabilizar suas “vitórias” ou “derrotas” inexistentes e puramente egocêntricas ao final das decisões do conselho de sentença. Insta aclarar a minha paixão e respeito pelo instituto do Tribunal do Júri, razão pela qual me dedico a estudá-lo, e por aqueles que operam o Direito com hombridade, sabedoria e elegância diante de todo um sistema jurídico anfibológico e político que perdura desde os tempos mais remotos na sociedade mundial. Permanece a reflexão: Qual é o preço que estamos pagando por aceitarmos situações costumeiras, tão óbvias e indigestas em nosso sistema jurídico? Carla Juliana Tortato Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela ABDConst Advogada Criminal [1] RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri. 5. ed., São Paulo: Atlas, 2015.p.91. [2] NASSIF, Aramis. Júri Instrumento da Soberania Popular. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 42. [3] NASSIF, Aramis. Júri Instrumento da Soberania Popular. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 42-43. [4] Segundo Ferrajoli, as cifras da injustiça são produto da carência normativa ou da não efetividade prática das garantias penais e processuais, que acabam por prestar-se ao arbítrio e ao erro. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. pg 196-197. [5] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. pg 195-196. Comments are closed.
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