O texto deste mês, indo na maré contrária da práxisadotada nas últimas colunas, não pretende focar no aspecto prático da atividade da advocacia criminal. Não objetiva apresentar o dia-a-dia da profissão e suas nuances mais específicas, como foi o caso do texto sobre atuação perante o Tribunal do Júri ou a ação dos advogados criminais no âmbito das “operações” policiais. Este texto tem um caráter muito mais pessoal e, nesse sentido, pretende responder um questionamento constante feito por muitos colegas (bacharéis ou recém-formados) a este colunista.
E toda esta explanação, de maneira direta, se respalda numa só pergunta: como ingressar na advocacia criminal, devo montar meu próprio escritório ou devo iniciar trabalhando numa clínica profissional já estabelecida? A resposta, quanto a isso, é uma só: depende. É muito comum que estudantes de direito ou advogados iniciantes questionem sobre como devem ingressar na área criminal. A maioria deles têm uma predileção pelo direito penal e processo penal e, dentro desse interesse, objetivam iniciar sua atividade profissional no ramo, notadamente na posição de advogados. Todavia, ainda há muitas dúvidas quanto a esse ingresso. Não é novidade para ninguém, mesmo àqueles que não militam na área jurídica, que o “mercado” da advocacia encontra-se bastante tumultuado. Todos os anos são despejados no setor milhares de advogados recém-formados (isso sem contar com o grande número de bacharéis que ainda não lograram a aprovação no exame da ordem). Tal contexto, como era de se esperar, resulta numa grande quantidade de profissionais em início de carreira que buscam seu lugar ao sol neste imenso mundo da advocacia. E, com isso, também surge uma grande dúvida acerca de como se sobressair neste “mundo” profissional tão saturado. Como muitos sabem, a área criminal, ao contrário de outros ramos do direito, costuma ser bastante restrita. São poucos os escritórios que se dedicam integralmente a essa atividade, como também os escritórios existentes não costumam ser compostos por uma imensa quantidade de profissionais – salvo raras exceções. A advocacia criminal, na verdade, caracteriza-se pelo fato de ser basicamente “artesanal”. O advogado, além de peticionar e comparecer em audiências, também costuma concentrar a atividade de diligenciar em fóruns e delegacias de polícia ou qualquer outro órgão administrativo. Acumula, na verdade, as funções de estagiário, “paralegal” e advogado. E em circunstâncias como essas apresentadas, não é de se esperar outra coisa do jovem profissional senão a dúvida e a insegurança no que atine ao início da carreira, fazendo com que surja, efetivamente, o questionamento apontado no início deste texto. Passamos, então, a responder cada um deles. 1. Devo montar meu próprio escritório? A vantagem de ser um profissional liberal é que você, em tese, não está sujeito às instabilidades do mercado de trabalho. Você é seu próprio chefe e seu próprio funcionário. Nunca estará desempregado. Porém, isso não significa dizer que sempre será remunerado na mesma medida em que trabalha. Enfim. Ser um profissional liberal permite sempre iniciar sua própria trajetória sem a dependência de alguém lhe oferecer uma oportunidade de início de carreira. No caso dos advogados, sempre haverá a possibilidade de iniciar a própria clínica profissional e, com isso, dar início aos primeiros patrocínios de causas, sem qualquer necessidade de vínculo profissional com outros escritórios. Mas, obviamente, isso não será tarefa fácil. Montar um escritório, antes de tudo, exige não só a vontade de trabalhar, mas requer outras circunstâncias que, por vezes, tornam um pouco mais complicada a escolha pela condução do próprio “negócio”. Ninguém inicia na advocacia autônoma de um dia para o outro. Antes de qualquer passo adiante, preciso muito planejamento e organização – e um pouco de vontade de empreender. E o início de tudo, sem dúvida, passa pela escolha do local de trabalho, o que, comumente, costuma ser um dos pontos mais sensíveis na escolha por esta forma de início profissional. Muitos se questionam sobre a necessidade de se ter uma sala de determinada forma, se é mesmo preciso ter uma sala, se o denominado “home office” pode ser visto com uma boa opção, ou se o “coworking” pode ser uma “salvação”. Bem, a princípio, o espaço para se trabalhar não precisa ser nenhum palácio. Uma das vantagens da advocacia é que ela não requer muitos equipamentos sofisticados para se começar a trabalhar, diferente de um médico ou dentista, por exemplo. No mais das vezes, o mais importante é ter um bom computador, uma biblioteca relevante e um local adequado para reuniões. O restante vem com o tempo. O início, porém, não permitirá gastos exorbitantes com local de trabalho. A escolha, seguramente, deverá recair sobre a opção que se apresente mais completa e com o menor custo, sobretudo porque, como dito, os “lucros” demoram um pouco mais a aparecer. Pode ser uma sala pequena num centro comercial. Pode ser somente um “espaço” alugado no interior de um escritório maior. Pode ser até mesmo uma sala dividida com amigos, sem a necessidade de formação de uma sociedade, apenas divisão de custos. As possibilidades são imensas. Existe também a possibilidade do “home office”. Trabalhar em casa pode ser uma opção bastante econômica, mormente para quem não tem “reserva” suficiente para manter um escritório até começar a receber os primeiros honorários. Ademais, eventuais reuniões com clientes poderão ser feitas em espaços itinerantes e alugados por valores razoáveis. Atualmente, existem empresas que alugam salas de reuniões para advogados por hora. Assim, você terá seu “escritório” diário sem aluguel e, quando preciso, poderá contar com um local adequado para reuniões com conforto e discrição. Em relação aos espaços coletivos, conhecidos como “coworkig”, também podem ser uma ideia viável. Por outro lado, considerando o caráter infamante de um processo penal, cremos que nem sempre o cliente se sentirá confortável num ambiente em que a privacidade às vezes é pouca. Por isso mesmo avalie a possibilidade de ter um espaço essencialmente dedicado à advocacia, onde a discrição é parte integrante. Assim que for definido o local de trabalho, o passo seguinte a definir a organização do escritório. Será preciso definir a área de atuação e, com isso, iniciar a prospecção da clientela. Não espere, no início, que os clientes venham até você. Isso não acontecerá. Os primeiros clientes serão conquistados. Quer-se dizer com isso que não adianta apenas sentar em sua sala e esperar. Se assim agir, obviamente vai acabar só sentado mesmo. É preciso que o advogado saia em busca de seu reconhecimento. Uma das primeiras atitudes deverá ser apresentar-se como um advogado, principalmente como um especialista em determinada área. Com isso, você já começa a levar seu nome como opção aos potenciais clientes e, além disso, deixa sua marca enquanto especialista na área escolhida. Mas é preciso ir além. O advogado, nesta fase, deverá buscar o máximo de contatos possíveis, mesmo que seja com outros advogados. Parcerias profissionais são importantes, notadamente na área criminal, onde geralmente existem conflitos de interesses entre defendidos, o que leva advogados a indicarem outros colegas aos seus clientes. Você pode fazer parte da lista de indicação. Por isso, não perca a chance de fazer parte de grupos de discussão em direito, de ir a eventos, seminários e congressos. Todos esses ambientes são férteis para uma futura parceria. Além disso, com a internet e as redes sociais, fica muito mais simples ao advogado divulgar sua atividade. Por fim, nunca é demais lembrar que os honorários, sobretudo no início da carreira, não acompanham o ritmo do trabalho. O começo da carreira, na esmagadora maioria das vezes, não nos brinda com a remuneração desejada, principalmente em razão da dimensão dos casos iniciais e do limite da cobrança dos honorários. Se optar por constituir a própria clínica profissional, não espere iniciar na profissão patrocinando casos notórios e relevantes no mundo jurídico. O início será permeado por processos de réus não tão conhecidos e, muitas vezes, de parcos recursos. O mais importante, na realidade, será a aquisição de experiência e nome. Por isso costuma-se dizer que o advogado iniciante “paga para trabalhar” – o que geralmente é verdade. Ainda, não se pode perder de vista que parte da clientela provirá da denominada “advocacia dativa”, máxime em locais onde a defensoria pública ainda é uma ilusão. Nesses casos, o pagamento é feito por ato e por intermédio de precatórios ou requisição de pagamentos, o que, de qualquer forma, esbarrará na burocracia estatal – e, por conseguinte, culminará na demora excessiva em receber os tão merecidos honorários. Para prevenir-se da “bancarrota”, nesse contexto, busque reduzir os custos da sua atividade ao máximo e otimize, assim, seus recursos com boas estratégias de gestão. Existem diversos cursos de gestão para advogados, o que se mostra como algo importante, haja vista que não nos ensinam na faculdade a gerir o próprio trabalho. De toda sorte, ao iniciar o próprio escritório, tenha em mente que os resultados e o reconhecimento profissional são coisas que naturalmente demoram a ocorrer. Leva em média uns cinco anos para que o profissional comece a ter algum reconhecimento na sua atividade e, seguramente, uns dez anos para que possa começar a ter uma certa estabilidade financeira e profissional. É preciso, acima de tudo, de paciência, perseverança e planejamento. Com isso, as chances de insucesso serão bastante pequenas. 2. Devo trabalhar para alguém? Malgrado as inúmeras facilidades que existem para se abrir um escritório, nem todos se enxergam como preparados para tal encargo. Não só pela insegurança em assumir a função de gestor de um negócio, mas também pela inexperiência e receio de assumir causas de maneira solo. Para essas pessoas sempre haverá a possibilidade de trabalhar em escritórios já estabelecidos, o que poderá agregar muito valor à própria atuação do profissional, como pode ser um caminho mais seguro para se alcançar a experiência e o bom nome na área da advocacia. Obviamente, esta escolha também se encontrará abarcada por algumas dificuldades. Vamos a elas. Em primeiro lugar, para se trabalhar para alguém, é preciso que se tenha alguém interessado no seu trabalho. Isso é lógico. E, por isso mesmo, a coisa toda pode se tornar um pouco dificultosa já no primeiro ponto. Como já dito, os escritório de advocacia criminal são bastante restritos. Costumam ser compostos por poucos advogados e a maior parte das tarefas são realizadas de forma “artesanal”, muitas vezes pelos próprios sócios da banca. Com efeito, torna-se bastante difícil conseguir uma vaga em escritórios consolidados de maneira rápida, porquanto, costumeiramente, não há uma grande necessidade de contratação de profissionais. Por isso mesmo, já na faculdade, é importante que o jovem advogado tenha noção exata da área que pretende atuar e, de posse de tal conhecimento, busque uma vaga de estágio. Não é incomum que escritórios prefiram ter em seus quadros os denominados “pratas da casa” em vez de advogados desconhecidos, até mesmo porque os então estagiários já estão habituados com a rotina e a forma de trabalho do local. Não fez estágio? Bom, aí a coisa fica um pouco mais complicada – mas nem de longe impossível. Nesses casos, será importante que o profissional tenha muita energia e dedicação (sem contar paciência) para procurar por vagas. Às vezes terá que ir de porta em porta procurando uma chance, mesmo sem qualquer perspectiva. O importante é não desistir. Afora isso, torna-se sempre importante se manter em contato com outros colegas, pode ser que uma indicação sirva como eventual escalada para uma vaga. Nunca menospreze a chance de um bom contato profissional. Enfim. Com a contratação, o profissional que decidiu associar-se a algum escritório consolidado, ou ser empregado, deve ter em mente duas coisas: i) não será contratado para receber uma fortuna; e ii) o mais importante é adquirir o máximo de conhecimento possível e, principalmente, ter a chance de aprender com quem já sabe. Trabalhar em escritórios consolidados permite ao profissional já ingressar em grandes casos e, sobretudo, ter a chance de atuar em situações que eventual atividade autônoma só lhe permitiria após anos na militância. Além disso, possibilita conhecer nomes de grande respeito e admiração no ramo jurídico, fomentando uma grande troca de conhecimentos – coisa que, seguramente, acompanhará o jovem advogado por toda sua vida. O aprendizado, nesses casos, será constante e muito qualificado. Por outro lado, não espere receber grandes “salários” – no caso, honorários – mesmo atuando em grandes casos. O mais importante, nessa fase, será aprender e não receber. Claro que dinheiro é importante, mas não é tudo. E, no futuro, essa paciência será recompensada. É preciso ter calma. A oportunidade de se trabalhar com profissionais extremamente qualificados e experientes já é uma grande remuneração. Em suma, laborar em escritórios consolidados se apresenta como algo mais seguro, você não estará sujeito diretamente ao risco do próprio negócio, como também se mostra promissor ao permitir que o jovem advogado atue em causas importantes e relevantes no cenário jurídico. Por outro lado, por maior que seja o caso no qual o advogado participe, não espere por grandes remunerações – que geralmente se resumirão a parcelas de participações nos honorários ou “salários” fixos –, o mais importante, em verdade, será ganhar experiência e nome – coisas que dinheiro nenhum consegue comprar. Mas e então... Como se viu, não há nenhum “mapa do tesouro” que mostre o caminho a ser percorrido. Todas as escolhas trazem ônus e benefícios. A escolha profissional pela advocacia criminal não é diferente. Por isso, avalie bem o seu próprio perfil, suas qualidades, características e anseios – seja a curto ou longo prazo – e, de posse disso, reflita sobre os dois caminhos principais que se abrem para você. Bem, com essas dicas – se é que podem ser chamadas assim – espero ter ajudado um pouco a quem pretende ingressar nesta área maravilhosa que é a advocacia criminal. Espero, com este texto, ter auxiliado um pouco aqueles que se encontram duvidosos sobre os caminhos profissionais a seguir. Por suposto, não tenho a resposta para todas as indagações. Porém, diferente do que ocorreu comigo, vocês agora podem contar, minimamente, com uma explicação do que lhes espera daqui para frente. Avante! Douglas Rodrigues da Silva Especialista em Direito Penal e Processo Penal Advogado Criminal Comments are closed.
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