O presente texto pretende abordar, de forma concisa, a relevância que o Direito Tributário exerce no âmbito do Estado e da sociedade, demonstrando que não há de se falar em Direito Tributário sem estudar Direitos Humanos. Nesse sentido, faz-se mister salientar que a Constituição Federal de 1988 abarca consigo um rol de garantias e direitos fundamentais em matéria tributária.
Os Direitos Humanos têm sua base construída por um contexto histórico e gradativo, onde cada fase foi adaptada às necessidades da sociedade daquele determinado momento. A ideia de dignidade da pessoa humana é a base dos Direitos Humanos, ou seja, todo ser humano deve ser igualmente respeitado e reconhecido, independente de qualquer condição pessoal. O ser humano não pode servir de instrumento, mas sim é o fim de toda organização, quer seja social ou política. Nesse sentido, em 1979, o jurista tcheco-francês Karel Vasak criou a então conhecida “geração de direitos”, com o intuito de classificar as categorias de direitos que surgiram em cada época, sem possuir caráter científico. Assim, surgiram as três gerações do direito[1], denominadas: Liberdade (1.ª geração); Igualdade (2.ª geração); e Fraternidade (3.ª geração). Todavia, para abordarmos o tema com maior clareza, é necessário compreender a diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. O primeiro encontra-se inserido em um plano internacional, abarcado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, bem como por outros documentos internacionais, cujos conteúdos todos os países signatários tendem a respeitar. Já o segundo, refere-se aos direitos correlatos à pessoa humana, porém inseridos em nossa Constituição Federal de 1988. Logo, afirma-se que os Direitos Fundamentais estão positivados no Ordenamento Jurídico Pátrio. O Poder Constituinte originário faz menção explícita à promoção e proteção dos direitos humanos, ao afirmar, em seu artigo 4.º, que os direitos humanos constituem princípio prevalente no âmbito das relações internacionais em que nosso país for interveniente. E, mais adiante, no artigo 7.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a redação original sustenta que o Brasil pugnará pela criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos. Sobre os Direitos Humanos, após a leitura de Flávia Piovesan sobre a obra de Arendt, podemos afirmar que não se tratam de um dado, mas sim de um constructo, uma invenção humana em processo contínuo de construção e reconstrução.[2] Ademais, sobre a natureza dos Direitos Humanos, cabe anotar a lição do Professor Flávio Martins (2017, p. 727): “ainda que não incorporados ao ordenamento jurídico de um país, são tidos como direitos humanos, e são capazes de influenciar o Direito Constitucional de todos os lugares, sobretudo em razão do transconstitucionalismo”. Ao elevar a temática para a área tributária, é perceptível que vários direitos relativos à ordem da tributação, instituídos na Carta Magna, estão umbilicalmente interligados aos Direitos Fundamentais. Como fidedigno exemplo, tem-se o artigo 150 da Constituição Federal, que expõe o limite do poder de tributar, o qual, uma vez não observado, atenta contra os nossos Direitos Fundamentais. Ou seja, nossa visão sobre o Direito Tributário é humanista, sem olvidar do aspecto econômico da tributação, visto que nosso sistema de produção e circulação de bens e serviços é o livre mercado. Assim, as limitações elencadas no artigo 150 da CF/88 são consideradas como garantias concedidas aos contribuintes e de natureza de direitos oponíveis ao Fisco, podendo ser invocáveis em qualquer situação, seja no âmbito administrativo ou judicial.[3] Para Greco (2013, p. 1.629), “limitações são regras proibitivas que impedem a ação em determinada direção ou de certa forma ou modo. Não são diretrizes positivas de ação nem indicam um objetivo a alcançar ou caminho a seguir”. Ainda, Greco (2013) segue lecionando que:
O artigo constitucional 150, inciso IV, prescreve o Princípio da Vedação ao Confisco, que visa proteger a tributação excessiva e a propriedade do contribuinte. Acaso, não seria o direito à moradia um Direito de cunho fundamental? E vamos mais além, seria coerente um contribuinte pagar tributos com efeito de confisco? Eis um flagrante atentado contra a dignidade da pessoa humana! Embora não tenhamos um diploma específico sobre a defesa e a proteção do contribuinte, aos moldes do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os limites ao poder de tributar do Estado, contidos no texto constitucional, explicitam o direito fundamental à tributação. Nessa esteira, seria de bom alvitre salientar que o Estado se utiliza do recolhimento dos tributos para efetivar outros direitos fundamentais, a saber: o direito à educação, à saúde, à alimentação, entre outros. Sabbag (2009, p. 20), explica que “a cobrança de tributos se mostra como uma inexorável forma de geração de receitas, permitindo que o Estado suporte as despesas necessárias à consecução de seus objetivos”. Assim, para que o Estado cumpra os preceitos constitucionais acima mencionados, são utilizados os cofres públicos, que advém dos pagamentos de tributos de caráter fiscal. O que não podemos deixar de mencionar é que, em certa parte, o avanço desmedido da tributação está deixando sequelas no país, destacando, ainda, que muitos lucros e aumento de produtividade vêm sendo alcançados através da sonegação fiscal, alguns, inclusive, detentores de altos valores. Tal situação acaba resultando em uma maior atenção por parte das instituições jurídicas, que se veem obrigadas a concentrar uma boa parte de seu trabalho no que tange ao resguardo da preservação da segurança e ordem nacional. Os frutos da sonegação fiscal são amargos, sobretudo, para a classe que possui uma renda mais baixa e depende, quase que integralmente, dos serviços públicos. A partir do momento em que o Estado não consegue investir, de forma adequada, principalmente nas áreas de saúde, alimentação e educação, essa classe tende a sofrer com as mazelas de uma sociedade que tende a vivenciar os fatores da exclusão e da desigualdade. Diante desse cenário, caracteriza-se o desrespeito às gerações de direitos, ou seja, presencia-se um verdadeiro retrocesso de direitos e garantias que, apesar de estarem positivadas, passam a não ter os efeitos almejados. Implantado esse cenário, aqueles que deveriam ser os sujeitos de direito subjetivo público e desfrutar de seus direitos e garantias fundamentais, de forma plena e condizente com os preceitos constitucionais, têm os seus direitos excluídos, embora não sejam eximidos de suas obrigações impostas pela legislação pátria, inclusive, na esfera penal. O aumento no índice de miserabilidade nos centros urbanos acarretou, significativamente, a elevação dos números de criminalidade no país que, por conta de tal fator, teve de assumir com mais rigor o papel de punitivo-repressor, uma vez que falhou como garantidor dos direitos e garantias fundamentais, ferindo os direitos socioeconômicos. Muitos clamam por uma revisão do sistema tributário brasileiro, entretanto, em nosso pensar, bastaria o simples cumprimento dos comandos constitucionais, em matéria de seletividade, capacidade contributiva, limitação das despesas públicas e priorização do interesse público primário. Aicha de Andrade Quintero Eroud Graduanda em Direito do Centro Universitário Cesufoz. Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED. Estagiária da Câmera Municipal de Foz do Iguaçu. Membro Associado do International Center for Criminal Studies –ICCS. Simone Henrique Doutoranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Bioética e Biodireito da mesma instituição. Taís Krugmann Revisora de textos técnicos, literários e acadêmicos. Graduada em Letras – Habilitação Português (Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS) e Mestra em Psicologia (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – PPGPsi/UFMS). Referências GRECO, Marco Aurélio. In: CANOTILHO, J. J. G. et al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009. [1] (A expressão dimensões/gerações de Direitos foi consagrada por Norberto Bobbio, em seu livro: “A era dos direitos”). Veja mais em: <https://norbertobobbio.wordpress.com/2010/06/07/resenha-a-era-dos-direitos/>. [2] Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/piovesan_sip.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2018. [3] GRECO, Marco Aurélio. In: CANOTILHO, J. J. G. et al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. Comments are closed.
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