Larissa Rocha de Carvalho no sala de aula criminal, vale a leitura! ''A Justiça Penal Negocial possui instrumentos amplamente conhecidos pela comunidade jurídica, a destacar a transação penal, a suspensão condicionada do processo e a colaboração premiada. Para somar a esse rol de despenalizadores para diversos crimes, sejam eles de gravidade leve, média ou grave, o Pacote Anticrime, lei 13.964/19, ampliou ainda mais os espaços negocias no processo penal brasileiro através da inserção do artigo 28-A no Código de Processo Penal que implementa o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), um negócio jurídico extrajudicial celebrado entre o Ministério Público e o investigado com o objetivo de reduzir a demanda dentro da Justiça Criminal''. Por Larissa Rocha de Carvalho Fazendo um breve apanhado histórico acerca da origem do Direito Penal, percebe-se uma evolução sobre a forma como as penas eram impostas. Antes, através de castigos bárbaros impostos pelos soberanos e agora atreladas muito mais a uma ideia de justiça que busca preservar os direitos humanos. Dessa forma, Cesare Beccaria apresenta, em sua grande obra “Dos Delitos e das Penas”[1], a mudança drástica nas penas, em que as sanções corporais foram substituídas pelas penas privativas de liberdade, e defende o princípio de legalidade do delito e da pena.
Essas formulações acerca da ação punitiva estatal foram evoluindo ao longo dos anos e, dentre elas, a corrente doutrinária do Direito Penal Mínimo, difundida pelo grande jurista Luigi Ferrajoli, apresenta-se como uma materialização do princípio da intervenção mínima do Estado, da “ultima ratio” e do princípio insignificância, alguns dos principais princípios do Direito Penal. Nesse sentido, o Estado só deveria intervir como último recurso para a proteção dos bens jurídicos mais importantes e necessários da vida em sociedade para manter eficiência jurídica quando o bem jurídico protegido não puder ser tutelado por outros ramos do Direito, menos gravosos, como o Direito Administrativo ou o Direito Civil. Nas palavras de André Callegari: Essa idéia normalmente expressa-se com a fórmula de que o Direito Penal deve ser a ultima ratio da política social. O Direito Penal é subsidiário a respeito das demais possibilidades de regulação dos conflitos, é dizer, só se deve recorrer a ele quando todos os demais instrumentos extrapenais fracassam[2]. Considerando o objetivo de tornar o Processo Penal mais eficiente, a ideia de filtrar os campos de atuação punitiva estatal traz a necessidade da busca por soluções alternativas para conflitos menos graves. Assim, a justiça criminal negocial surge como um importante instrumento para evitar o aprisionamento de quem comete um delito de menor gravidade, assume a culpa e pretende não mais reincidir no erro, por exemplo. Para a doutrina brasileira: “um modelo que se pauta pela aceitação (consenso) de ambas as partes - acusação e defesa - a um acordo de colaboração processual com o afastamento do réu de sua posição de resistência, em regra impondo encerramento antecipado, abreviação, supressão integral ou de alguma fase do processo, fundamentalmente com o objetivo de facilitar a imposição de uma sanção penal com algum percentual de redução, o que caracteriza o benefício ao imputado em razão da renúncia ao devido transcorrer do processo penal com todas as garantias a ele inerentes”. Uma das principais consequências práticas para a atuação mínima do Estado através da adoção de mecanismos como a aplicação da justiça negocial criminal encontra- se na redução da sobrecarga tanto do judiciário, quanto do sistema prisional, tendo em vista que, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), as penitenciárias brasileiras estão 54,9% acima da capacidade[4] e que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o Brasil é um país com altas taxas de judicialização, em 2021 foram julgados aproximadamente 6 casos de judicialização por dia útil, com mais de 1580 processos, totalizando cerca de 26,9 milhões de julgamentos ao redor do Brasil, segundo o Índice de Produtividade de Magistrados[5]. Essa superpopulação carcerária reflete também nas contas do Governo, visto que, por exemplo, desde 2021 o DEPEN investiu R$ 274.964.136,71 de recursos do Fundo Penitenciário Nacional para fomentar financeira e tecnicamente as unidades federativas para a criação de celas físicas para abrigar custodiados nas penitenciárias estaduais, totalizando 39 obras em andamento no sistema penitenciário brasileiro em 20226. As dinâmicas de degradação que surgiram em torno do judiciário e do sistema prisional com uma demanda maior do que o sistema podia lidar fez com que o Direito brasileiro evoluísse bastante nos últimos anos, com a introdução de novas formas de investigação, como com a possibilidade de negociação direta entre o MP e o réu (justiça criminal negocial). Esse tema ganhou destaque com a operação lava jato e os inúmeros acordos de colaboração premiada que foram firmados no decorrer da investigação. A Justiça Penal Negocial possui instrumentos amplamente conhecidos pela comunidade jurídica, a destacar a transação penal, a suspensão condicionada do processo e a colaboração premiada. Para somar a esse rol de despenalizadores para diversos crimes, sejam eles de gravidade leve, média ou grave, o Pacote Anticrime, lei 13.964/19, ampliou ainda mais os espaços negocias no processo penal brasileiro através da inserção do artigo 28-A no Código de Processo Penal que implementa o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), um negócio jurídico extrajudicial celebrado entre o Ministério Público e o investigado com o objetivo de reduzir a demanda dentro da Justiça Criminal. Essas questões não são tão recentes no nosso ordenamento jurídico, a instauração da transição penal e a suspensão condicional do processo aconteceu em 1995 com a Lei 9.099/95 e a colaboração premiada foi regulamentada em 2013 através da Lei 12.850/2013. Vinicius Gomes de Vasconcellos faz uma importante diferenciação entre os 4 mecanismos de consenso penal mencionados anteriormente na qual o autor aponta a transação penal, a suspensão condicionada do processo e o acordo de não persecução penal como ferramentas de aplicabilidade limitada a crimes de menor gravidade, sem a possibilidade de imposição de pena de prisão, mas somente sanções não restritivas de liberdade, além de não ocasionar uma condenação formal contra o réu e excluir por completo a necessidade do processo e de produção de provas para comprovação de culpa do imputado. Enquanto a colaboração premiada mantém a necessidade de processo e tem finalidade exatamente probatória, pois impõe ao réu o dever de cooperar com a acusação para possibilitar, por exemplo, a punição dos corréus[7]. Complementar ao pensamento de Vasconcellos, Suxberger define a colaboração premiada como um acordo realizado entre o acusador e defesa, visando ao esvaziamento da resistência do réu e à sua conformidade com a acusação, com o objetivo de facilitar a persecução penal em troca de benefícios ao colaborador, reduzindo as consequências sancionatórias à sua conduta delitiva[8]. Essas ferramentas são eficientes para diminuir a sobrecarga da Justiça Criminal uma vez que, por exemplo, o ANPP é aplicável a mais de 70% [9] dos crimes previstos no Código Penal e na legislação extravagante. Embora o ANPP seja um acordo extrajudicial, ele precisa ser homologado judicialmente em audiência designada pelo juiz de garantias que irá verificar a legalidade e a voluntariedade do acordo, como consta no Art 26-A, inciso 4º, do CPP. Ainda que haja uma atuação do Poder Judiciário, essa participação deve ser mínima e, nas palavras de Rodrigo Leite Ferreira Cabral, cautelosa para se manter imparcial[10] durante a análise do preenchimento dos requisitos legais, da proporcionalidade e da voluntariedade do investigado com relação ao acordo. No âmbito judicial, um dos principais protagonistas para a celebração dos acordos penais é o órgão acusador e, nesse sentido, Paulo Cesar Busato pontua: “[...] as eleições de diretrizes político-criminais referentes à atuação do Ministério Público têm, necessariamente, grande influência nos rumos que seguirá o Direito penal brasileiro, tanto no estudo da dogmática, da Política Criminal, como no desenvolvimento de uma necessária linguagem própria que corresponda aos objetivos visados pelo Estado com a aplicação das consequências jurídicas do delito. Não tenho qualquer dúvida de que cada Promotor de Justiça, em sua atuação político-criminal cotidiana, ao decidir a respeito dos rumos interpretativos de cada impulso da Justiça Criminal, traz a lume os pontos que vão ser objeto de discussão técnico-jurídico. [...] Assim, é muito importante que o Ministério Público esteja consciente do papel determinante que exerce na evolução do desenvolvimento dogmático do Direito Penal brasileiro, dado que suas opções político-criminais representam um papel de verdadeiro "filtro das questões que doravante tendem a ser postas em discussão [11]''. Por se tratar de uma “novidade” para o ordenamento jurídico que se encontra em destaque nas discussões do meio, algumas críticas surgem como pontos de melhoria para os acordos negociais. Dentre essas questões, tem-se a possibilidade do Ministério Público, na proposta de acordos de não persecução penal, apresentar verdadeiros termos de adesão, com cláusulas e condições que impossibilitam, em muitos casos, ao acusado aceitar aquilo que foi apresentado, uma vez que a lei, ao estabelecer as regras do ANPP, estabeleceu que o signatário deve cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a pena imputada. Essa problemática revela uma possível falha na lei por ser vaga e imprecisa, permitindo, assim, que o Ministério Público fique livre para impor condições inaceitáveis. Tais possibilidades de desvirtuamento do processo negocial devem ser evitadas com uma defesa forte tendo em vista que, na ausência de uma assessoria jurídica adequada principalmente para partes hipossuficientes que dependem da Defensoria, os réus podem se sentir intimidados a aceitar um acordo mesmo não tendo culpa. Portanto, surge uma necessidade dos profissionais da área criminal se dedicarem em adquirir técnicas de negociação e mediação que, no geral, não são abordadas com profundidade durante a graduação. Em resumo, ainda que inexista mecanismo que possibilite uma condenação sem processo, os institutos atuais autorizam a imposição de sanções penais sem processo e caracterizam hipóteses que fogem à lógica tradicional da obrigatoriedade da ação penal[12]. Logo, a Justiça Penal Negocial vem ganhando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro em razão da celeridade do trâmite processual que seu sistema proporciona e pela consequente diminuição dos processos no Judiciário que sua aplicação provoca. Portanto, o Direito está se atualizando e começa a exigir de seus operadores o desenvolvimento de técnicas negociais por meio de uma postura ativa que registre as tratativas e pondere qual a melhor saída para o caso em análise visando um consenso com o órgão acusador e evitar os tramites morosos do Judiciário com um acordo extrajudicial. REFERÊNCIAS: BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: EDIPRO, 1 ed. 2013. BUSATO, Paulo César. Reflexões sobre o Sistema Penal do nosso tempo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. 2. Ed. Rev. Atual. E ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021. CALLEGARI, André. O Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal, in: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n° 70, setembro de 1998. LOPES Junior, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo. Saraiva, 2020. SUXBERGER, Antônio. H.G. Colaboração Premiada e a adoção da oportunidade no exercício da ação penal pública. Apud: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 3ª edição, ed. Revista dos Tribunais, 2020. VASCONCELLOS, Vinicius G. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de; SENEDESI, João Pedro Teixeira Araujo. Colaboração premiada e defesa técnica: a crise do direito de defesa na justiça criminal negocial. In: CRISE no processo penal contemporâneo: escritos em homenagem aos 30 anos da constituição de 1988. Org. Antonio Eduardo Ramires SANTORO, Diogo MALAN, Flávio Mirza MADURO. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. NOTAS: [1] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: EDIPRO, 1. ed, 2013. [2]CALLEGARI, André. O Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal, in: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n° 70, setembro de 1998, p. 12-13. [3] VASCONCELLOS, Vinicius G. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 50. [4]https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2021/05/17/populacao-carceraria-diminui-mas-brasil- ainda-registra-superlotacao-nos-presidios-em-meio-a-pandemia.ghtml. [5]https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/11/2022/brasil-e-um-dos-paises-com-maiores-taxas-de- judicializacao-do-mundo. [6]https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/11/14/sob-bolsonaro-pais-tem-queda-no- numero-de-presos-pela-1-vez-em-uma-gestao.htm. [7] VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de; SENEDESI, João Pedro Teixeira Araujo. Colaboração premiada e defesa técnica: a crise do direito de defesa na justiça criminal negocial. In: CRISE no processo penal. [8] SUXBERGER, Antônio. H.G. Colaboração Premiada e a adoção da oportunidade no exercício da ação penal pública. Apud: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 3ª edição, ed. Revista dos Tribunais, 2020, p. 64. [9] LOPES Junior, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo. Saraiva, 2020. [10] CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal. 2. Ed. Rev. Atual. E ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021. P. 173. [11] BUSATO, Paulo César. Reflexões sobre o Sistema Penal do nosso tempo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. [12] VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de; SENEDESI, João Pedro Teixeira Araujo. Colaboração premiada e defesa técnica: a crise do direito de defesa na justiça criminal negocial. In: CRISE no processo penal contemporâneo: escritos em homenagem aos 30 anos da constituição de 1988. Organização de Antonio Eduardo Ramires SANTORO, Diogo MALAN, Flávio Mirza MADURO. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. 419 p., 22 cm. ISBN 978-85-8425-966-3. Disponível em: http://200.205.38.50/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=146319. Acesso em: 27 dez. 2022. p. 403-419. Larissa Rocha de Carvalho Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Assistente no escritório Ebel & Battu Sociedade de Advogados em Curitiba/PR. Membra voluntária no Programa de Extensão “Prisão Provisória e o Acesso à Justiça às pessoas oriundas de Matinhos” do setor Litoral da UFPR. Membra da Clínica de Acesso à Justiça e Educação nas Prisões da Universidade Federal do Paraná (CAJEP-UFPR). Pesquisadora no Projeto de Extensão “Direitos em movimento: Acesso à Justiça” (UFPR). Pesquisadora voluntária no PIBIC 2020/2021 sob orientação do Prof. Dr. André Giamberardino.
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Lucas
1/10/2023 06:28:23 pm
Brilhante!
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