Artigo de Charly Fagundes no sala de aula criminal, abordando os reflexos da Declaração Universal de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, vale a leitura! ''O advento dos Direitos Humanos, como hoje são conhecidos, dá-se sobretudo no período pós segunda guerra mundial, quando a preservação da vida humana ganha uma importância em grau ainda maior. É então promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. A respeito de tal declaração''. Por Charly Fagundes A concepção de Direitos Humanos nasce com a quebra do paradigma de diferenciação de indivíduos por estamentos sociais. Os Direitos Humanos (também chamados de direitos naturais, do homem e fundamentais) são aqueles tidos como essenciais e imprescindíveis para a pessoa enquanto ser humano. São os direitos cuja posse e exercício se dá simplesmente pela condição de humano de seu detentor.
Herkenhoff (1994) define Direitos Humanos da seguinte forma: Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. O advento dos Direitos Humanos, como hoje são conhecidos, dá-se sobretudo no período pós segunda guerra mundial, quando a preservação da vida humana ganha uma importância em grau ainda maior. É então promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. A respeito de tal declaração, Silva (2019) aduz: A DUDH instaurou um novo modelo de conduta nas relações internacionais e promoveu um conjunto de princípios universais de dignidade humana, de igualdade e de tolerância que visavam a proteção do indivíduo contra todas as formas de discriminação. Embora a DUDH não exerça obrigatoriedade legal a nenhum país, ela serviu como base de diversos tratados internacionais acerca de Direitos Humanos com força legal, dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de São José da Costa Rica, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Neste sentido, Malheiro (2016) define os Direitos Humanos como: “interesses que são conexos ao direito natural e foram devidamente positivados em tratados e convenções internacionais”. Em seu primeiro artigo, a DUDH traz de imediato que todos os seres humanos são iguais e que seus direitos fundamentais devem ser respeitados e assegurados. No segundo artigo, fica evidenciado que nenhuma diferença deve ser realizada: ''Artigo 2º Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição''. Com uma diferença de quarenta anos (1948 - 1988) os valores da DUDH são prestigiados no Brasil de maneira constitucional, em que a dignidade da pessoa humana e os direitos e garantias individuais tornam-se cláusula pétrea. A DUDH exerceu grande influência na Constituição Federal do Brasil de 1988, que transcreveu e parafraseou diversos de seus artigos no Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, como os seguintes: ''Artigo 7° – Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação''. (ONU, 1948, DUDH) Artigo 1º– Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. (ONU, 1948, DUDH). Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I- Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 1988, Constituição Federal). Para além da garantia de igualdade a todos, a DUDH preocupou-se também em de alguma forma buscar a limitação e controle do poder punitivo estatal, a fim de este não cometer abusos e arbitrariedades, sobretudo no que tange à penalidades e sanções. Neste sentido, a DUDH dá uma menor margem para que o Direito torne-se ferramenta de opressão, em que leis sejam constituídas para fins autoritários. Veja-se o que preceituam seus artigos 10º e 11º: Artigo 10 – Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Artigo 11 – 1. Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. (ONU, 1948, DUDH). A Constituição de 1988 incorpora, ainda em seu artigo 5º, incisos que transcrevem as ideias expostas nos supracitados artigos da DUDH: LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (BRASIL, 1988, Constituição Federal). Em nosso ordenamento jurídico, os referidos artigos se refletem nos conhecidos princípios do Devido Processo Legal, Ampla Defesa e Contraditório. O grande processualista Humberto Theodoro Júnior (2019), diz que os Tribunais vêm frequentemente interpretando o ordenamento “de forma a dar maior efetividade aos direitos humanos, mais especificamente, à dignidade da pessoa humana”. Junior ainda leciona que tais princípios “propiciam às partes a plena defesa de seus interesses, e ao juiz, os instrumentos necessários para a busca da verdade real, sem lesão dos direitos individuais dos litigantes”. Ainda sobre a DUDH e seu artigo 11º, este dispõe em sua segunda parte acerca de condenação penal: “Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional”. Tal disposição foi nitidamente incorporada à Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” e reflete o entendimento do Princípio da Anterioridade. O Código Penal Brasileiro, por sua vez, colacionou o citado inciso através da Lei Nº 7.209 de 1984 e o elencou como seu artigo de abertura. Destarte, percebe-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos influenciou de forma significativa o Ordenamento Jurídico Brasileiro, tendo muitas de suas disposições sido transcritas e parafraseadas em nossos códigos, inclusive na forma de cláusula pétrea em nossa Carta Magna, bem como serviu de norte para importantes princípios gerais do direito. CHARLY FAGUNDES Graduado em Letras pelo Centro Universitário Santa Cruz de Curitiba (UniSantaCruz); acadêmico de Direito, 6º período, na mesma instituição; pós graduado (lato sensu) em Direitos Humanos e Questão Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e em Português Jurídico (UniBF). E-mail: [email protected] REFERÊNCIAS: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos: Gênese dos Direitos Humanos. São Paulo: Editora Acadêmica,1994. JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil - Volume I. 60ª Ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Forense, 2019. MALHEIRO, Emerson. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Editora Atlas, 2016. SILVA, Julia Izabelle da. Direitos linguísticos dos povos indígenas no acesso à justiça: a disputa pelo direito ao uso das línguas indígenas em juízo a partir da análise de três processos judiciais. Tese de Doutorado em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019. UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>.
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