"Advogado do Diabo”, de Andrew Neiderman, narra a história de um jovem e promissor advogado de uma cidadezinha pacata, o qual se insurge contra o modo recatado e conservador assumido pelo escritório de advocacia em que trabalha. Kevin Taylor, o advogado protagonista da história, assume a defesa criminal de uma professora acusada de molestar algumas de suas alunas, todas crianças. O caso choca a cidade, resultando num fórum lotado quando do dia do julgamento. Demonstrando toda a perspicácia necessária para uma atuação no júri, Kevin vai além e consegue desacreditar a principal testemunha da acusação, a saber, a vítima, de modo consequentemente acaba por confundir os jurados, resultando assim no ver-se livre de sua cliente. A atuação de Kevin no mencionado caso traz algumas consequências para sua vida. No escritório em que trabalha, a irresignação dos sócios, pois ao assumir a defesa da professora, Kevin teria acabado por manchar a imagem sociedade que sequer atua em casos criminais do tipo. Na cidade, o mal-estar para com seus conhecidos, tanto por entenderem que o advogado tratou de modo indevido a vítima (uma criança) no tribunal, como por acharem inaceitável o fato de Kevin ter defendido alguém supostamente indefensável. Já na carreira advogado, houve a mudança mais significativa de sua vida: enquanto atuava no tribunal, era observado por John Milton, um grande advogado de Nova York, o qual realiza uma proposta irrecusável para que Kevin passe a trabalhar em seu escritório “John Milton e Associados”. Kevin passa a ver todos os seus sonhos se realizando. Muda-se com a esposa para Nova York, num belo apartamento cedido pelo escritório em que passa a trabalhar. Seu salário aumenta de forma inimaginável. Passa a atuar com o que entende como sendo os grandes casos, todos na seara penal, vez se tratar do ramo da advocacia do seu novo escritório. Mimos e muito luxo. Enfim, a vida que sempre sonhou acaba se tornando realidade. No entanto, algumas questões incômodas surgem no cotidiano do escritório para Kevin. Situações que causam estranheza ao jovem advogado passam a ser mais comuns do que já nem era esperado. Conflitos éticos internos passam a fazer parte das reflexões do protagonista. Qual o limite da atuação do advogado em defesa de seu cliente? O que deve ser levado em conta nas estratégias defensivas? Alguns dilemas são feitos no decorrer da obra. Deixo as questões pertinentes à atuação do advogado criminalista para a segunda parte desse escrito, vez que para além da denúncia certeira constante na história algumas ressalvas também devem ser feitas sobre a imagem desses profissionais que é passada no livro. A abordagem da primeira parte do artigo se dá para com uma das mais espinhosas questões deontológicas da advocacia, a qual atinge não apenas a advocacia criminal, mas também toda e qualquer área do direito: a captação de clientes pelo profissional. O advogado é um profissional que vive do seu trabalho, como assim é em toda e qualquer profissão. Seus proventos advêm dos honorários que recebe de seus clientes, geralmente previamente estabelecidos. O correto é que o profissional deve ser procurado pelo possível cliente (e não o contrário), quando após a consulta são estabelecidos os honorários, passando então o advogado a atuar em prol de seu constituinte. O problema reside em quando essa lógica que deve ser o basilar da contratação do profissional é invertida, ou seja, quando o advogado passa a “caçar” clientes. A Lei n.º 8.906/94 prevê que constitui infração disciplinar a angariação ou captação de causas, punindo-se o advogado que oferece seus serviços para possíveis clientes como mercadoria fosse. Paulo Lôbo assim se manifesta sobre a questão:
A conduta do advogado, portanto, quando se diz respeito à contratação profissional, deve sempre se pautar em basilares éticos que estão previstos tanto no Estatuto da Advocacia como no Código de Ética e Disciplina da OAB. Também não se pode generalizar toda e qualquer situação. Cada caso merece e deve ser observado singularmente, a fim de não prejudicar o profissional que observou os pilares éticos em determinadas circunstâncias, bem como não deixar isento o profissional que viola os preceitos deontológicos da advocacia. A transgressão de tal normativa ética constante na obra aqui analisada se dá quando o primeiro caso de Kevin no novo escritório lhe é passado. Um crime de grande repercussão ocorrera e Kevin recebe o trabalho de estudar o caso ainda antes de o escritório ser contratado pelo acusado (antes mesmo de o suposto autor do crime ser acusado). Pensativo sobre a estranheza da situação (quem mais além é revelado como algo ainda mais profundo), Kevin indaga o dono do escritório sobre como poderiam ter certeza de que seriam contratados para defender o acusado, além de possuírem informações demasiadamente detalhadas sobre o crime. John Milton lhe responde: “Já ouviu falar de perseguidores de ambulâncias; bem, nós somos perseguidores de crimes. É importante ser agressivo no mercado lá fora, Kevin. Compensa, de maneiras que você não poderia sequer imaginar”. Uma confissão explícita de captação de clientes. Eduardo C. B. Bittar, ao explanar sobre os princípios deontológicos da ética na advocacia, pontua que:
Assim, podemos observar que a atuação do escritório “John Milton e Associados” não preza pelo respeito aos ditames principiológicos que regulam a contratação de advogados (isso contextualizando a história no cenário brasileiro, que em muito difere do regramento da profissão no âmbito estadunidense), já que correm atrás de causas que lhes interessam. Contudo, a violação de preceitos deontológicos pelo famoso escritório de “Advogado do Diabo” vai muito além. Continuamos na próxima semana. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética geral e profissional. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. NEIDERMAN, Andrew. Advogado do Diabo. 1ª Ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2012.
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