Prosseguindo com a análise aqui proposta de “Advogado do Diabo”, de Andrew Neiderman, partamos daquele ponto do texto anterior, quando pontuamos que “a violação de preceitos deontológicos pelo famoso escritório de “Advogado do Diabo” vai muito além” de infrações de cunho ético. Isso diante do fato de que não apenas os advogados de “John Milton Associados” deixam de observar preceitos éticos balizadores da profissão, como também incorrem na prática de crimes. A história tem um suporte pautado no sobrenatural, de modo que o título que a obra tem pode ser levado ao pé da letra. Mas independente do rumo que o enredo segue ao final, explicando num plano metafísico ao leitor todas as coisas estranhas que ocorrem no decorrer da trama, tem-se que graves infrações são perpetradas pelos advogados da obra. Antes de prosseguir, um alento que entendo como necessário: há de se ter certa cautela com a imagem que é passada na história do advogado criminalista. Sim, os advogados da história conspiram com e participam dos crimes de seus clientes, coagem testemunhas e praticam diversas outras ilegalidades. O problema é que, mesmo antes do protagonista se dar conta da armadilha em que entrou ao aceitar o trabalho da “John Milton e Associados”, a figura do advogado criminalista já é passada de forma pejorativa ao leitor. Pela leitura do livro, o leitor tem a percepção de que todo advogado criminalista rompe qualquer barreira ética em prol de seu cliente ou da causa. O advogado militante na área penal é mostrado como um vilão antes mesmo de o diabo entrar em cena: um tipo de profissional que faz de tudo, moral ou imoral, para conseguir a absolvição de seu cliente; um crápula que ataca a vítima e deixa o acusado impune. Sabemos que não é bem assim, mas o esclarecimento se faz necessário em prol do respeito à profissão que tanto já é atacada. Temos profissionais bons e ruins em qualquer área. Na advocacia criminal não é diferente. Só não vale tratar todos com desdém em decorrência de sua atuação profissional. E aqui vale citar Francesco Carnelutti, quando mencionou “a essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia”, a saber, “sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado”, arrematando ainda que:
Dito isso, sigamos com a análise das violaçõesconstantes na obra em questão que rompem, e muito, com qualquer regramento deontológico profissional. Kevin, ao receber sua primeira causa no novo escritório (a morte de uma mulher por overdose, tendo o marido como suspeito pelo assassinato), estranha quando recebe um relatório da secretária onde constam algumas informações que poderiam ser relevantes para a defesa. O fato curioso é que o relatório é datado de um momento anterior ao crime.Não obstante tal peculiaridade, o acusado sequer figura como cliente do escritório, tampouco chegou a ser acusado formalmente. Kevin indaga John Milton sobre tais questões incômodas, pelo que lhe é respondido que não existiria com o que se preocupar, pois havia a certeza de que somente aquele escritório poderia ser contratado para a defesa. O protagonista passa a estudar a fundo o caso, chegando a realizar antes da audiência uma entrevista com a testemunha fundamental para o processo. Pelo depoimento que é adiantado pela testemunha, Kevin percebe que suas chances não são tão boas, vez que a versão da acusação soa mais crível. Assim, o advogado enfrenta o dia do julgamento como pode. No momento em que a ‘testemunha chave’ vai ser ouvida, Kevin recebe um bilhete de seu chefe orientando para que seguisse com sua estratégia inicial na inquirição. Surpreendentemente, a testemunha diz exatamente o contrário do que havia dito anteriormente, dando o sustentáculo necessário para a tese defensiva, tendo como consequência a absolvição do acusado. Kevin descobre posteriormente que a testemunha foi chantageada pelo próprio escritório para que mentisse em audiência, pois se falasse a verdade, teria um infame segredo seu revelado. É somente aí que o advogado percebe que o novo escritório em que trabalha joga sujo. Coagir testemunha, tal como ocorreu na história, é crime. Daí que se diz que as violações dos advogados da “John Milton e associados” vão para além de infrações de cunho ético. As táticas são sujas, desleais e criminosas. A defesa rompe com toda e qualquer barreira possível, de modo que em alguns casos os profissionais compactuam e até mesmo auxiliam seus clientes nas práticas de crimes. O maior exemplo da ilicitude por parte da “John Milton e Associados” se dá quando da descoberta por Kevin de alguns arquivos secretos do escritório. Desconfiado, o advogado passa a vasculhar os registros de casos antigos, até quando se depara com uma seção de casos de crimes que ainda não ocorreram. Sim, o escritório já estava contratado para crimes que ainda iriam acontecer, traduzindo-se assim num compactuar (quiçá até mesmo auxílio) para com os delitos. Na história, Kevin se dá conta de todas essas questões após sofrer uma crise de consciência. As explicações e o desfecho trágico da obra não são pertinentes para o presente escrito, mesmo porque se situam num plano além do corpóreo. Importam aqui as condutas exacerbadas, as violações éticas e o agir criminoso pelos advogados da “John Milton e Associados” narradas no livro. São estes os profissionais que contribuem para aumentar a fama já não tão boa da advocacia criminal. Que sirvam os exemplos presentes na obra como um diferenciador dos bons e dos maus profissionais. A advocacia criminal deve ser, sim, combativa, audaciosa, defensiva, destemida e leal, mas jamais criminosa. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. 3ª Ed. Leme: CL Edijur, 2015. NEIDERMAN, Andrew. Advogado do Diabo. 1ª Ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2012.
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