Aconteceu nos dias 03 e 04 de Novembro de 2016, no auditório das Faculdades Opet, o II Simpósio Paranaense Novos Rumos Penais. A exemplo da primeira edição do evento, este simpósio estabeleceu um marco importante no debate acerca dos novos desdobramentos teóricos das ciências penais, bem como das recentes decisões judiciais pertinentes à prática penal. Com um grande número de acadêmicos presentes no evento e um número impressionante de pessoas acompanhando ao vivo através da página do Facebook “Sala de Aula Criminal”, oportunizou-se um momento de reflexão sóbria, voltado primordialmente para o cenário fatídico em que vivemos no que tange à expansão do direito penal e ao vilipendio crescente às garantias fundamentais em nosso país. Trazendo um rol variado e multifacetado de temas, o evento enriqueceu o debate e suscitou questões que ainda surtirão efeito para muito tempo afrente. Colacionamos abaixo um breve apanhado de pontos interessantes abordados nas palestras. 03/11/2016 - Manhã Começamos com o professor e juiz federal Flavio Antônio da Cruz lucubrando aspectos pertinentes acerca da verdade, a partir de uma visão multidisciplinar bastante profunda, como é de seu feitio. A percepção da verdade histórica, da verdade psíquica e da verdade processual foram retratadas com base no elemento fundamental de que a verdade é poder. Análises sóbrias dentro de um cenário atual delicado de verticalização de "verdades" pré-formatadas. Depois tivemos o professor Haroldo Cesar Nater, falando com base em sua ampla experiência no contato com o Processo Penal, denunciando o esvaziamento do princípio do juiz natural a partir da fixação de competência por prevenção, trazendo o debate para os fatos ocorridos nos últimos dois anos no processo midiático da operação Lava Jato. Finalizando a manhã fomos brindados com a brilhante exposição do professor doutor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, trabalhando de forma envolvente elementos trazidos da psicanálise, em especial nos estudos de Freud, acerca da "vergonha" como elemento fundador de uma ética factível na contemporaneidade. Essa ética parece faltar (justamente pela ausência da vergonha) àqueles que mais deviam zelar por ela, no papel de garantidores do elemento escrito eticamente vinculador de uma sociedade democrática, ou seja, a Constituição. Dois motivos foram apontados como possíveis justificativas, não legitimantes, mas explicativas, para o cenário observado: egocentrismo (o gozo no exercício do poder) e a falta de capacidade de enxergar, com empatia, o outro. Fiel a seu estilo enérgico, o brilhante doutrinador arrematou o debate demonstrando a falácia do discurso de precedentes para dilapidação de conceitos fundamentais formados por consenso e estabelecidos democraticamente na Constituição Federal. 03/11/2016 – Noite A noite teve início com um representante da defensoria pública, Fernando Redede Rodrigues, construindo a possibilidade de confluência entre a proteção integral da criança e a ampla defesa em processos de violência contra menores. O conceito de "proteção integral" foi muito bem contextualizado em seu desenvolvimento histórico. A genuína preocupação com a criança foi colocada em debate, primordialmente a partir da questão do interrogatório desta e seus desafios inerentes. Por fim, a partir de sua experiência, elucidou formas em que a proteção real do menor pode ser dialogada sem a supressão da ampla defesa. Na próxima fala o mestre Carlos Miguel Villar Jr desnudou o problema da falência da pena de prisão, solução ineficaz, cruel e ultrapassada, mas ainda largamente utilizada para enfrentar um problema sistêmico e persistente na sociedade humana, exacerbado justamente pelo modo como esta é fortemente segregada socialmente e pela própria resposta que oferece ao fenômeno delitivo. Os dados apontados em sua cativante exposição falam por si mesmo - o país forma hoje a quarta maior população carcerária do planeta, destruindo qualquer argumentação de que vivemos num país onde crassa a impunidade. Ainda foi apontado o modo como as medidas recentes, perpetradas até mesmo pelos tribunais superiores, fazem muito por agravar o problema. Ponto alto de sua fala se voltou para a "ordem pública" como fundamento amplo, esquivo e in(útil) para decretação de prisão preventiva. Para encerrar o primeiro dia de Simpósio tivemos o privilégio de ouvir o professor Rodrigo RégnierChemim Guimarães, que nos levou a uma viagem filosófica aos modelos de fundamento do modo de se avaliar a realidade (e, consequentemente, de se construir a decisão judicial). Os modelos aristotélico, cartesiano e linguístico (a partir da filosofia da linguagem) foram abordados com propriedade. Com base nos enunciados de Heidegger e Gadamer, trabalhados no Brasil com indefectível profundidade por Lenio Streck, o professor levantou a proposta de uma participação secundária do juiz no processo penal. Nem como protagonista, produtor da prova (modelo inquisitório), mas também não completamente inerte como desejam muitos, uma vez que, segundo o promotor, isso continuaria dando margem aos problemas apontados pela psicanálise, especialmente o problema de fundamentação (reforço e "comprovação") da hipótese em detrimento dos fatos. 04/11/16 – Manhã Iniciamos o segundo dia de palestras com o delegado Cristiano Quintas falando sobre a evolução qualitativa da polícia civil enquanto agência executiva não voltada ao exercício da violência, mas como real garantidora de direitos. De forma clara, pautada na sua larga experiência, o delegado lançou luz sobre os esforços em aproximar a população do policial, rompendo estereótipos prejudicais a todos. Na sequência tivemos a explanação de Daniel Coimbra acerca do sistema penitenciário federal. Uma abordagem elucidativa sobre um tema pouco abordado no ambiente acadêmico e que precisa ser revisitado com maior frequência. Os eventuais problemas na efetivação de uma neutralização de organizações criminosas, mesmo com as medidas fortemente restritivas do regime, foram expostas, abordando inclusive a questão complexa do direito de visita íntima, visto pelo palestrante como meio para perpetuação da atividade delitiva. O próximo palestrante foi o professor de Direito Penal da Opet, Jeffrey Chiquini, que trouxe provocações valiosíssimas acerca do "livre" convencimento motivado e do poder instrutório do juiz. Ambos os aspectos foram articulados pelo professor, de modo a demonstrar que se conjugam, produzindo efeitos deletérios ao acusado, dilapidando garantias fundamentais e não permitindo a evolução do nosso sistema processual para um genuíno sistema acusatório. Para finalizar a manhã ouvimos Jefferson Augusto de Paula defender a atividade da advocacia criminal diante dos abusos que se tem cometido contra ela. Na sua fala o tema central foi o Direito Penal Militar, mas em sua exposição tivemos uma verdadeira apelação do resguardo do direito de defesa constitucionalmente garantido. 04/11/2016 – Noite O último painel do simpósio foi aberto com a excelente palestra do mestre Tracy Reinaldet. O tema abordado foi a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica. Fugindo da reprodução de teorias pré-formatadas e portando um arsenal teórico raro e muito rico, o palestrante apresentou uma tese bem construída sobre a qual seria possível visualizarmos uma abordagem que permita enfrentar o intrincado problema da criminalidade cometida através de entes morais, por natureza não possuidores das características elementares sobre os quais se formou a dogmática penal. A estruturação da tese foi claramente demonstrada e forneceu elementos para pesquisa e debate que, sem sombra de dúvida, se estenderão para além deste evento. Logo depois foi a vez de desfrutarmos da fala de outro professor de Direito Penal, Processual Penal e Criminologia da Opet, André Luis Pontarolli. Partindo dos fundamentos da Criminologia Crítica, Pontarolli teceu pesadas críticas ao contexto em que nos vemos inseridos, com a malversação de conquistas históricas na forma de direitos fundamentais e o discurso cínico que a tem sustentado. O professor foi muito feliz ao demonstrar que estamos revivendo pesadelos de outrora no que diz respeito à perseguição de inimigos de Estado, selecionados de acordo com a pauta de "emergências" propagadas como raiz de todos os males da sociedade. Noções de senso comum acerca da criminalidade são exacerbados pela mídia inescrupulosa e servem ao reforço de um cenário de manipulação do medo, perpetuando o uso do direito penal (deslegitimado) na incessante busca de neutralização do "outro"... o inferno de Sartre. Na finalização do evento, os ouvintes, presenciais e telepresenciais, foram brindados com a excelente explanação do professor Adriano Bretas sobre o direito constitucional de julgamento pelo Tribunal do Júri. De forma brilhante o professor Bretas desconstruiu noções introjetadas, inclusive em muitos juristas, acerca dos propósitos da existência do Tribunal do Júri, demostrando que este precisa ser visto e trabalhado a partir do paradigma de um elemento de garantia humanística ao acusado, para que receba a oportunidade de ser julgados por seus "pares" (ainda que na realidade da sociedade brasileira, fortemente segregada socialmente, muitas vezes isso não se realize). Problemas no modo como esta garantia vem sendo manuseada foram apresentados, dando-se ênfase para as mudanças perpetradas no sistema judiciário a partir de 2008. Alguns destes: a possibilidade de processo com réu ausente intimado por edital; a alteração da distribuição de tempo de fala para promotoria/defesa de modo prejudicial à defesa; o uso funcionalista (e inconstitucional) do "princípio" in dubio pro societate; a questão do número de jurados e da quantidade de votos necessários para condenação (com duas interessantes propostas > necessidade de unanimidade para condenação - proposta ideal e como tal a servir de horizonte motivacional por hora.... > necessidade de maioria qualificada - mínimo de 5 a 2 para condenação). Na conclusão o palestrante fez um apelo ao resgate de valores humanitários como força motriz a impelir os advogados criminalistas (a todos na realidade) na busca do ideal de justiça. Como adendo, o professor Carlos Miguel Villar Jr. trouxe um desafio aos acadêmicos: ou aproveitam o que o evento veio trazer como conhecimento para se motivarem a abraçar o direito penal e juntar forças ao rico "arsenal" humano que felizmente nos rodeia ou partem definitivamente na busca de outros horizontes.... Mais motivados do que foram nestas quarenta e oito horas não serão! O sentimento geral ao final do evento foi paradoxal: o ânimo para seguir em frente na batalha cotidiana por um direito mais humano, solidário e igualitário misturado a uma saudade deixada pelos momentos compartilhados. A solução? Trabalhar duro enquanto ficamos na expectativa do próximo simpósio. Que venha 2017! Relator: Paulo Incott
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