Todo processo remonta a um fato histórico: a necessária reconstrução histórica de um fato passado permite que o juiz se aproxime do que ocorreu. Essa aproximação é possível através da prova. A prova, de acordo com os certeiros apontamentos do professor BRETAS[1], é “tudo aquilo que dá lastro de realidade a um dado fato”. A prova, em suma, demonstra a veracidade da existência de um ocorrido.
É claro que não se olvida que, ao falar do tema, fala-se, necessariamente, a respeito do modo de construção do convencimento do juiz. E é nesse sentido que a prova, como formalidade que é, tem que ser (re)pensada à luz das garantias do acusado. O livre convencimento do juiz deve ser, sempre e sempre, motivado. Ou, em um termo mais preciso, limitado. Impende ressaltar, então, que há limites à licitude da prova. É nessa perspectiva que a Magna Carta trouxe, no título dos direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, inciso LVI, que as provas obtidas por meio ilícito são inadmissíveis no processo. Após, com a reforma trazida pela Lei nº 11.690/2008, o Código de Processo Penal passou a prever, de forma expressa, o conceito das provas ilícitas: aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Ainda, fixou o entendimento de que também não merecem aceitação as provas derivadas das ilícitas, como regra[2]. Diferentemente de prova ilegítima, onde se violam regras de direito processual no momento da sua produção, a prova ilícita viola norma de direito material ou a Constituição, no momento da sua coleta. Embora seja confusa e o legislador não tenha a tratada de forma expressa, a doutrina tem feito a distinção. O que o texto de hoje pretende abranger, de forma sintética, são as consequência da obtenção ou/e da (in)admissão de tais provas obtidas ilicitamente (ou daquelas que delas derivarem). LOPES JR trabalha com quatro teorias acerca da admissibilidade das provas ilícitas. A primeira, a admissibilidade processual da prova ilícita, é aquela em que a prova poderia ser admitida desde que não fosse proibida pela legislação processual, pouco importando a violação do direito material[3]. A segunda teoria é a da inadmissibilidade absoluta das provas ilícitas, que prega a leitura literal do art. 5º, LVI, da CF[4]. A terceira corrente adota a teoria da admissibilidade da prova ilícita em nome do princípio da proporcionalidade (ou da razoabilidade), defendendo que, em certos casos, apoiada na relevância do interesse público a ser protegido, uma prova, mesmo que ilícita, pode ser admitida[5]. A quarta é a teoria da admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo. Essa corrente defende que a prova ilícita só poderia ser admitida e valorada quando se mostrasse a favor do acusado. É a teoria adotada pelo autor e, em nossa opinião, pela Constituição Federal. BRETAS explica o motivo:
Precisamente por este motivo é que não faria sentido criar uma norma proibindo a utilização das provas ilícitas como fundamento maior a proteção dos direitos individuais do acusado e, ao mesmo tempo, vedar, ao próprio acusado, o direito de utilizá-las em caso de eventual demonstração de sua inocência. Como consequência da teoria adotada, a prova ilícita (ou a que dela derivar) que não favorecer o réu de ação penal deve ser desentranhada. Conforme aponta BADARÓ[7], “o desentranhamento da prova ilicitamente admitida do processo foi expressamente previsto na nova redação do caput do art. 157 do CPP”. Partindo para a última análise do escrito, impende trazer à baila a problemática que ainda remanesce: é que a redação originária que a Lei nº 11.690/2008 havia trazido para o art. 157, em seu §4º, era a de que, para além do desentranhamento óbvio da prova ilícita dos autos, estava o veto de o juiz que conhecesse do conteúdo da prova ilícita admitida proferisse sentença ou acórdão. Claro! Resta evidente a contaminação do juiz que teve contato com a prova obtida por meio ilícito ou a dela derivada! Afinal, a prova é desentranhada dos autos, mas não do aparelho psíquico do magistrado. BRETAS sustenta que “O desentranhamento da prova dos autos é o mínimo que se pode esperar, em termos de consequência de uma prova ilícita. Porém num sistema de base garantista seria mais razoável que o legislador também blindasse o jurisdicionado contra o arbítrio (ainda que involuntário) do magistrado que pode ter se contaminado pela ilicitude da prova”[8]. É que as decisões desse tipo, embora não se fundamentem expressamente nas provas ilícitas (ou as que dela derivaram) desentranhadas, são mascaradas pelo princípio do livre convencimento do juiz[9], e os magistrados usam uma série razões outras para condenar o acusado, sim, pelas provas ilícitas já desentranhadas. O perigo é que os Tribunais não têm força para anular referidas decisões, posto que o juiz a quo (expressamente) não se baseou na prova desentranhada. LOPES JR enfrenta o problema:
Fato é que o art. 157, do Estatuto Adjetivo Penal, posto como está hoje, ainda é insuficiente. Num viés garantista, aquele de uma máxima proteção do acusado frente ao (ab)uso estatal, toda decisão prolatada por juiz que tenha tido contato com a prova ilícita (ou a que dela derivou) deve ser anulada pelos Tribunais Superiores, tendo em vista que é garantido ao acusado, pelo própria Constituição, a jurisdição, que requer qualidade. O afastamento e a consequente substituição do juiz que teve contato com a prova ilícita é medida necessária, até porque, como no ditado, o que os olhos não veem, o coração não sente. Afinal, se a consequência for somente o desentranhamento, é possível questionar: existe consequência (em benefício do réu)? Edson Luiz Facchi Jr Advogado Criminal Especialista em Ciências Criminais Membro da Comissão de Advogados Iniciantes da OAB/PR [email protected] [1] BRETAS, Adriano. Apontamentos de Processo Penal. Curitiba: Sala de Aula Criminal, 2017, p. 128. [2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 16. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 417. [3] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 594. [4] LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal, p. 595. [5] LOPES Jr, Aury. Idem. [6] BRETAS, Adriano. Apontamentos de Processo Penal, p. 142. [7] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 403. [8] BRETAS, Adriano. Idem, p. 141. [9] Novamente, insistimos que o livre convencimento do magistrado, na realidade, é limitado. BADARÓ, na obra já citada neste artigo, p. 403, defende que “a vedação da utilização da prova ilícita representa uma indevida limitação à busca da verdade material e ao próprio livre convencimento do juiz. Todavia, como já destacado, a próprio busca da verdade não é ilimitada e não representa um fim que possa ser atingido a qualquer custo. [10] LOPES Jr, Aury. Idem, p. 607. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |