Estamos iniciando mais um ano. Eis um tempo em que renovamos as nossas esperanças, sentimentos e esperamos que as coisas mudem para melhor. Para tanto, é necessário refletirmos sobre os acontecimentos que marcaram 2017 e repensarmos acerca das atitudes que nos impedem de caminhar rumo ao progresso e a paz. E é exatamente sobre tal tema que pretendemos tratar, mais especificamente sobre a questão racial. Clamamos por mais fraternidade e menos violência. Mas podemos acaso esperar que as coisas mudem para melhor sem sequer mudarmos as nossas atitudes? Velhas atitudes, mesmos caminhos...
Sabemos que 2017 foi um ano muito agitado no que tange aos fatos ligados aos crimes de ódio, onde vários casos ganharam grande repercussão na mídia e notoriedade na sociedade. Um dos casos acontecidos foi gerado através dos discursos de ódio e racismo proferidos contra a Miss Brasil 2017, Monalysa Alcântara, de 18 anos, representante do Piauí. Para tanto, mais uma vez a internet foi utilizada como instrumento para a concretização do crime de injúria racial, que conforme preceitua o artigo 140 do Código Penal brasileiro, ofender a dignidade ou o decoro, se utilizando de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, tem como previsão a pena de reclusão de um a três anos e multa[1]. Muitos internautas se utilizaram das redes sociais para proferirem ofensas racistas contra Monalysa, que conforme expõe o site “Correio 24 horas”, em um dos comentários printados, mencionava: “Credooooo! A Miss Piauí tem cara de empregadinha, cara comum, não tem perfil de miss, não era pra ta aí. Sorry.”[2] Então questionamos: como podemos fazer para obtermos uma realidade mais fraterna numa realidade tão cruel? O fato supramencionado não ocorreu apenas com Monalysa, mas também sucedeu com outras celebridades, como por exemplo Preta Gil, Lázaro Ramos, Taís Araújo, Titi e assim a lista vai longe. Aproveitando o gancho, a Titi, uma criança de apenas 04 anos, filha do casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, recentemente foi alvo de comentário racista que foi exposto através de um vídeo gravado por Day McCarthy. Ainda, ressalta-se que os crimes de ódio vêm ocorrendo de forma espalhafatosa e assustadora, fazendo dentre a sociedade, muitas vítimas. Para tanto, os indicadores da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, contabilizaram que em 2016 a Central de Denúncias recebeu e processou 2.092 denúncias anônimas de intolerância religiosa, 35. 171 denúncias anônimas de racismo, 2.891 denúncias anônimas de homofobia e 1.888 denúncias anônimas de xenofobia[3]. Assim, destaca-se que estão elencados como crimes de ódio a xenofobia, homofobia, racismo, intolerância religiosa, etnocentrismo e o preconceito com deficientes. Nessa esteira, esses crimes atentam contra a dignidade da pessoa humana, atingindo as relações fraternais. Destarte, a fraternidade, enquanto valor remete à recognição da igualdade entre todas as pessoas. Neste sentido, o legislador constituinte pátrio, se encarregou em designar a nossa sociedade como fraterna, pluralista e sem preconceitos, instituindo os seus mais supremos valores no Preâmbulo da Constituição Federal, traçando desta forma, toda uma base principiológica no decorrer da mencionado diploma. Assim, extraímos da leitura do texto constitucional, em seu artigo 3º, parágrafo I, que a construção de uma sociedade livre, justa e solidária constitui em um dos objetivos da República Federativa do Brasil[4]. Neste sentido, Araújo e Maia lecionam[5]:
Todavia, insta salientar, que no Ordenamento Jurídico Pátrio, o crime de racismo é considerado um dos poucos crimes imprescritíveis e inafiançáveis, conforme prevê o artigo 5º, inciso XLII que anuncia “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”[6]. É necessário definir racismo e toda a questão dos negros. A Convenção Internacional Sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial aduz:
No mesmo sentido, conforme preceitua o artigo 2º da Declaração Sobre raça e os Preconceitos Raciais:
Analisando a história do negro brasileiro e da lei penal, é clara questões estruturais extremamente racistas que permeiam o sistema como um todo, como a previsão do Artigo 179 na aplicação das Ordenações Filipinas no Brasil quando substituída pela primeira legislação brasileira, nela havia algumas previsões como[9]:
Nesse contexto, é notório que os escravos eram tidos como objetos, e portanto, ignorar essas questões históricas seria ignorar a próprio indivíduo. Muitos podem questionar-se sobre que culpa possuem perante todos esses fatos, e aduzir que todas essas questões já foram sanadas, que não há o que questionar mais, quando na verdade, enxergar e questionar isso é fundamental para a luta por um mundo mais justo. É extremamente preocupante que em pleno século XXI existam tantos relatos e casos de racismo, os quais nos fazem refletir sobre algumas questões históricas, antes de analisar outros pontos. Flávio Antônio da Cruz, no artigo denominado responsabilidade histórica no Brasil, aborda alguns pontos fundamentais de exploração das pessoas, enfatizando que por mais de 300 anos, a maior parte das riquezas produzidas no país foram frutos do suor e exploração do sangue negro, dos seus filhos e netos. E infelizmente continua sendo, as mãos dos escravos que colheram ouro, algodão, cacau, cana de açúcar, foram feitos por indivíduos violentados e sacrificados por um racismo que, ainda que absurdo, continua a existir[10]. Segundo dados do INFOPEN, é vislumbrado que dois em cada três presos são negros. Nesse sentido, aproximadamente uma porcentagem de 67% do total de indivíduos privados de liberdade no sistema carcerário brasileiro são negros, observado tanto na população carcerária feminina quanto na masculina[11]. No que tange a questão de homicídios, as estatísticas denotam que no Brasil, mesmo sendo o país com a maior população afrodescendente fora do continente Africano, falha em promover serviços efetivos aos cidadãos negros. Segundo dados do IPEA, de 2002 a 2010, a taxa de homicídios dos brancos caiu 25, 5%, enquanto a dos negros aumento 29, 8%. Posteriormente, estudo realizado em 2013, denotou que as maiores vítimas de violência estão entre os jovens negros, e conforme dados do Sistema de Informação de Mortalidade e Ministério da Saúde, foi evidenciado que os negros constituem 75% dos homicídios na faixa etária de 15 a 29 anos[12]. Diante do exposto, denota-se que a busca pela igualdade racial e minimização de desigualdades raciais no sistema criminal ainda é distante. Analisando questões históricas e a conjuntura social do país, é vislumbrado inúmeras situações que nos fazem refletir sobre o rumo que estamos tomando na construção dessa sociedade. É fundamental que nós, como operadores do Direito, tenhamos essa preocupação e a busca pela minimização dessas disparidades. Conforme preceitua o autor Rudolf Von Ihering no seu livro denominado A luta pelo Direito:
Por fim, que diante de todas as adversidades que vislumbramos na sociedade e no mundo, não percamos a capacidade de nos indignar com a injustiça. Feliz Ano Novo! Aicha Eroud Acadêmica de Direito do Centro Universitário CESUFOZ Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED Estagiária da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu e-mail: [email protected] Paula Abiko Acadêmica de Direito do Centro Universitário Franciscano FAE, 9º período Estagiária do Ministério Público Federal Membro do Grupo de Pesquisa Modernas Tendências do Sistema Criminal Membro do grupo de Pesquisa O mal estar no Direito Membro do grupo de Pesquisa Trial By Jury e literatura Shakesperiana e-mail: [email protected] Referências: ARAÚJO, Luiz Alberto David; MAIA Maurício. Jurisdição e hermenêutica constitucional: em homenagem a Lenio Streck / Alfredo Copetti Neto... [et al.]; coordenação Eduardo Arruda Alvim... [et al.]. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Mundo Jurídico, 2017. IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito, Editora Martin Claret, coleção a obra prima de cada autor. http://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/miss-brasil-monalysa-alcantara-e-alvo-de-racismo/, acesso em 01 de janeiro de 2018. http://indicadores.safernet.org.br/, acesso em 01 de janeiro de 2018. http://www.salacriminal.com/home/reflexoes-sobre-responsabilidade-historica-no-brasil, acesso em 02 de jan. de 2018. http://www.justica.gov.br/news/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf, acesso em 02 de jan. de 2018. http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/ConvIntElimTodForDiscRac.html, acesso em 02 de jan. de 2018. http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Igualdade_Racial/1978DeclRaca.pdf, acesso em 02 de jan. de 2018. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/27900/27900.PDF, dissertação, acesso em 02 de janeiro de 2018. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm, acesso em 02 de janeiro de 2018. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm, acesso em 02 de janeiro de 2018. [1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm, acesso em 02 de janeiro de 2018. [2] http://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/miss-brasil-monalysa-alcantara-e-alvo-de-racismo/ [3] http://indicadores.safernet.org.br/, acesso em 01 de janeiro de 2018. [4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm, acesso em 02 de janeiro de 2018. [5] ARAÚJO, Luiz Alberto David; MAIA Maurício. Jurisdição e hermenêutica constitucional: em homenagem a Lenio Streck / Alfredo Copetti Neto... [et al.]; coordenação Eduardo Arruda Alvim... [et al.]. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Mundo Jurídico, 2017. p. 268. [6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm, acesso em 02 de janeiro de 2018. [7]http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/ConvIntElimTodForDiscRac.html, acesso em 02 de jan. de 2018. [8]http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Igualdade_Racial/1978DeclRaca.pdf, acesso em 02 de jan. de 2018. [9] https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/27900/27900.PDF, dissertação, acesso em 02 de janeiro de 2018. [10] http://www.salacriminal.com/home/reflexoes-sobre-responsabilidade-historica-no-brasil, acesso em 02 de jan. de 2018. [11] http://www.justica.gov.br/news/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf, acesso em 02 de jan. de 2018. [12] https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/27900/27900.PDF, acesso em 02 de janeiro de 2018, p. 25. [13] IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito, Editora Martin Claret. p. 22 e 23. Comments are closed.
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