Histórias das Ideias Políticas – Evelyne Pisier[1]
Para cada sistema de governo corresponde um sistema penal condizente. Assim, surge a necessidade para aqueles que pretendem compreender o funcionamento do sistema penal, afim de melhor lidarem com ele, de que conheçam a ideologia que fundamenta o sistema de governo em que estão inseridos. Isto só pode ser feito com um estudo cuidadoso da ciência e da filosofia política. Para conduzir esse estudo nada melhor do que o livro de Evelyn Pisier: História das Ideias Políticas. O livro é tido por muitos especialistas em ciência política como um clássico, e não é para menos. Pode-se sem exagero dizer que a obra não é meramente um relato histórico do pensamento político, mas sim uma genuína biblioteca, alimentada com os saberes dos mais diversos pensadores desta linha de conhecimento. De fato, poucas obras possuem um referencial bibliográfico tão vasto, diversificado e bem trabalhado como o livro produzido pela escritora francesa. Conceitos como Poder, Nação, Democracia, Estado, Povo, Civilização e outros tão utilizados mas tão pouco debatidos e compreendidos são trazidos para o leitor a partir de uma gama enorme de diferentes visões sobre os mesmos, utilizando os escritos de um gigantesco rol de teóricos, relatados através de uma observação crítica e integrativa. História das Ideais Políticas leva o leitor a um passeio que se inicia com os gregos, procurando delinear o nascimento teórico do que um dia chegará a compor o que conhecemos por “Estado”. Para tanto é necessário empreender-se uma busca pelas origens das relações de poder e suas justificativas, passando pelo pensamento grego de uma pólis ideal dirigida pelos mais aptos, caminhando para os romanos e seus vislumbres de virtude republicana, dissecando a influência do cristianismo, em especial a partir dos seus teóricos dos dois poderes, sem desperceber correlações com o pensamento do Islã, rumando ao Estado laico com as lições de Marsílio de Pádua e seguindo até chegar em Maquiavel. Um ponto de quebra é posto em Maquiavel e com razão. A renascença marca uma mudança significativa da forma de se pensar a vida, a natureza, a cultura, a religião e por fim, a relação entre Estado e aquilo que começará a ser entendido como algo à parte, a “civilização” ou o “povo”. Surge o Estado como soberania. Não se trata mais de debruçar-se sobre a origem do poder ou sua legitimação teórica, mas se perquirir sobre qual a melhor forma de exercer a soberania, ficando o critério qualitativo dependente sempre do ângulo em que se coloca o examinador. Seguindo o curso histórico, as teorias contratuais são habilmente relacionadas. Montesquieu recebe o lugar que lhe cabe, Rosseau, Hobbes e Locke não menos. Emerge na sequência a análise das revoluções americana e francesa – o Estado de Direito. O liberalismo e suas correlações com as doutrinas econômicas, que passam a desempenhar cada vez mais um papel chave no modo com que se definem as pautas do Estado, em substituição à figura da Igreja neste sentido. Durkheim, Bentham, Stuart Mill são estudados. O utilitarismo e suas vertentes. O contraposto se apresenta – o Estado-providência e o Estado-gerente como formas de um Estado social se manifestam como resposta humanística ao liberalismo meritocrático. Os pensamentos de Marx e Engels recebem consideração cuidadosa, procurando se evitar as contradições típicas. Diversos outros pensadores do socialismo são observados adicionalmente – Rosa Luxemburogo, Proudhon, Stirner e tantos outros. Parte-se, depois da análise de Fourier e dos socialistas utópicos, para a consequente vertente totalitária do comunismo – Lenin, Stalin, Trotski e suas divergências. A ascensão e decadência do Estado-proletário. Neste ponto há um capítulo reservado ao terror perpetrado pelas ideologias absolutistas – o surgimento dos Estados totais, chamados pela autora de Estados-força. O fascismo e suas faces. O nazismo e suas idiossincrasias. As grandes guerras. Não se procura na obra seguir uma linha temporal rígida. A autora faz questão de frisar que não é este o objetivo primordial da obra, mas sim fornecer uma visão ampla e crítica das principais vertentes de pensamento político. Destina-se ainda uma seção para o imperialismo e o surgimento da ideia de “Nação”. Quem sabe um dos mais interessantes e profundos pontos abordados pela autora: de que forma o conceito de nação, exacerbado pela leitura tendenciosa das teorias evolucionistas alimentou as formas mais violentas de racismo e deu vazão aos piores confrontos explícitos que a humanidade vivenciou no último milênio. Seria literalmente impossível quer em poucas, quer em muitas páginas, resumir de forma suficiente a riqueza de informações trazidas na obra de EvelynePisier. Os autores citados nesta resenha não perfazem provavelmente um por cento dos que são analisados por ela em seus escritos. Evelyne ainda conclui seu trabalho com uma seção dedicada ao desenvolvimento do Estado cientificista e uma outra tratando das filosofias que colocam em xeque os fundamentos sobre os quais se firmou e legitimou o exercício do poder, a diferenciação de classes e a subordinação das massas. Uma análise extremamente interessante, contando com um rol diversificado de visões, desde Michael Sandel, passando por Bauman, Focault, Aron e muitos, muitos outros. Não parece haver limites para os méritos que podem ser elencados para a obra aqui modestamente resenhada. A leitura torna-se obrigatória, uma vez que será difícil encontrar outro material que consiga reunir a mesma riqueza de conhecimentos, com uma análise crítica tão bem construída, num único volume. Paulo Roberto Incott Jr Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal Pós-graduando em Criminologia [1] PISIER, Evelyne. Historia das Ideias Politicas. Barueri, SP : Manole, 2004. Comments are closed.
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