Na discussão sobre a possibilidade de ressocialização no Brasil, torna-se fundamental analisar as teorias relativas a prevenção, sendo classificadas em prevenção geral negativa, e prevenção geral especial (positiva/ negativa). Nesse sentido, preceitua Paulo César Busato:
Conforme o pensamento de Beccaria, começava a ser discutido a necessidade para aplicação da pena, questionando a finalidade e a justificação do castigo[2]. Posteriormente, no Iluminismo, surgiram questionamentos referentes a esse caráter retributivo, demonstrando que a discussão referente a aplicação efetiva da pena já era algo antigo. No denominado Estado Social e no Contrato social, as discussões passam a ser analisadas com um viés sociológico, visando o bem comum da sociedade como um todo[3]. Conforme acima, a pena seria entendida ‘’como um mal, mas ao contrário dos ideais absolutistas, este mal se entende como necessário a manutenção da ordem social e prevenção da criminalidade. O fato de entender a pena sob contornos da tradição kantiana não se justifica nesse novo Estado, já que nessa proposta a pena não cumpre nenhum fim e dirige sua vista ao passado’’[4]. No que tange aos pressupostos de legitimação, a prevenção é analisada então sob duas teorias: a prevenção geral (negativa), prevenção especial (positiva e negativa). No que tange a ressocialização, a mesma é vislumbrada na teoria da prevenção especial, sendo de suma importância para que os indivíduos tenham a possibilidade de viver em sociedade, trabalhar, e possuir uma rotina novamente[5]. Já na prevenção geral negativa, é vislumbrado uma necessidade de prevenir possíveis crimes que possam vir a ocorrer, em qualquer esfera social, no qual o castigo é parte desse mecanismo de prevenção de atos ilícitos. A fundamentação que compõe a respectiva teoria é a possibilidade de intimidação com a ameaça aos indivíduos em sua totalidade, com o intuito de preservar a ordem e controle social[6]. Referente a prevenção especial negativa, a ideia é baseada ‘’ na neutralização forçosa dos impulsos criminais de que presumivelmente o autor de delito é portador, mediante a segregação e o afastamento deste do convívio social’’[7]. A prevenção especial positiva visa então a possibilidade de reinserção do indivíduo no convívio social, sendo fundamental para a possibilidade de uma vida digna após o cumprimento da pena. Resta demonstrado, portanto, que a alternativa mais eficaz é a ressocialização. Analisando o aumento da população carcerária, medidas alternativas a pena devem ser almejadas, pois com os devidos investimentos e modelos eficazes de reintegração no mercado de trabalho desses indivíduos, é menos custoso ao Estado o desenvolvimento desses projetos do que mantê-los nos presídios[8]. Após breve análise sobre as duas teorias relativas a prevenção, o questionamento feito é: será que com a realidade do sistema carcerário no Brasil, analisando não somente questões como a reincidência, bem como questões e falhas estruturais, seria possível que esses indivíduos retornassem a sociedade e continuassem a viver normalmente, trabalhar, estudar e possuir uma vida digna? Conforme levantamentos recentes do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil possui hoje a terceira maior população carcerária do mundo, possuindo aproximadamente 715 mil presos[9]. Parece até utopia mencionar a possibilidade de ressocialização em um cenário preocupante como esse. Mas não faltam exemplos para ilustrar a possibilidade real de reinserção na sociedade dessas pessoas, o que falta efetivamente são oportunidades e investimentos em educação para atingir esse fim. Segundo dados do Conselho Nacional de Educação, 66% da população carcerária não concluiu o ensino fundamental, menos de 8% concluíram o ensino médio, e a mesma porcentagem é analfabeta[10]. Essa falta de investimentos educacionais é um dos fatores primordiais para manter o círculo da criminalidade e impossibilitar uma ressocialização efetiva. A Ministra Carmem Lúcia abordou no 4º encontro do Pacto Integrador de Segurança Pública interestadual em Goiânia: ‘’Um preso no Brasil custa R$ 2.400,00 aproximadamente por mês, enquanto um estudante do ensino médio custa R$ 2.200,00, alguma coisa está errada’’.[11] E certamente, algo fundamental para suprir essa desigualdade seria o investimento educacional, tanto fora quanto dentro dos presídios. Em Conferência realizada em 1982, Darcy Ribeiro alertou ‘’Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios’’. E infelizmente essa é a situação atual do país. Em decorrência disso, torna-se fundamental a atenção das autoridades para a criação de projetos efetivos dentro dessa situação alarmante. Apesar da situação preocupante, ainda há alguns exemplos que denotam a importância de almejar a ressocialização. Um deles é o de Itamar Camargo, egresso do sistema carcerário, atualmente é Professor, aluno de Mestrado, na cidade de São Paulo[12]. Outro exemplo, é o do Jovem Jonathan, ex interno da Fundação Casa, ganhou prêmio em uma feira de ciências por criar um projeto para corrigir a acidez do solo com resíduos de giz[13]. E por fim, o exemplo de um egresso do sistema carcerário que tornou-se muito conhecido, inclusive originando o filme denominado VIP’s, estrelado pelo ator Wagner Moura. Recentemente esteve presente em evento organizado pela Comissão dos Advogados Criminalistas em Curitiba/ Paraná, Marcelo Rocha, personagem do filme VIP’s, no qual palestrou sobre sua história e a experiência dos anos que passou no sistema carcerário[14]. Hoje o mesmo é empresário do ramo artístico, denotando que apesar de todas as mazelas do sistema carcerário atual, se houvessem maiores investimentos, tanto estruturais quanto educacionais, seria possível melhorar substancialmente essa realidade, possibilitando mais histórias de ressocialização como essas. Nesse sentido, algumas ações já vem sendo tomadas para possibilitar a reinserção desses indivíduos no mercado de trabalho, como a iniciativa da Juíza Eulinete Trubuzzi, titular da 11ª Vara Criminal em Manaus, no qual destaca-se parcerias firmadas por empresas pelo Programa Começar de Novo, conjuntamente com o Conselho Nacional de Justiça no ano de 2010[15]. No Paraná, O Projeto Eureka, em parceria com a Secretaria de Estado e o e- Paraná, é desenvolvido e ministrado aulas de diversas disciplinas do ensino médio, com foco no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), nas unidades de regime semi aberto de Curitiba e Região Metropolitana, possibilitando que os mesmos tenham condições de realizar uma prova e obter resultados satisfatórios. Em 2015, aproximadamente 1.946 pessoas privadas de liberdade realizaram a prova, um aumento de 12% com relação ao ano anterior. Um exemplo de sucesso obtido pela pontuação no exame, foi de uma detenta que além da progressão de regime, teve a possibilidade de cursar o ensino superior como aduz um dos Coordenadores do Projeto, Professor Marlus Geronasso[16]. Há também um modelo de ressocialização desenvolvido em Minas Gerais, mostrando resultados muito satisfatórios, tanto do posto de vista social, como econômico. É o denominado Método de Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), no qual as pessoas que encontram-se cumprindo a pena, tem a possibilidade de trabalhar e estudar, possuindo hoje 39 unidades, com aproximadamente 3 mil homens e mulheres. Estima-se que para arcar com os gastos nas APAC's mensalmente, é gasto 3 milhões por mês, e se estivessem em prisões do Estado, custariam em torno de R$ 12 milhões de reais por mês[17]. Uma diferença significativa, que denota a importância de métodos alternativos e investimentos educacionais como base para um modelo de ressocialização eficaz. Contudo, notoriamente torna-se demasiado difícil defender a possibilidade de efetiva ressocialização, preservando direitos fundamentais dos indivíduos privados de liberdade, primordialmente pelo clamor social e a necessidade da pena como contenção da criminalidade. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope e divulgada pela confederação nacional da Indústria, 46% da população brasileira é a favor de medidas mais severas, bem como da pena de morte no país[18]. Isso denota a descrença na população da possibilidade de reinserção dos egressos do sistema carcerário na sociedade, oriundos de diversas questões sociais e políticas, o que leva muitos indivíduos a defender discursos extremamente repressivos. A defesa desses discursos autoritários são decorrentes de inúmeras questões políticas as quais podemos vislumbrar quando analisamos a história do país. Uma ditadura militar de 21 anos, governos autoritários, oscilações de constituições outorgadas e promulgadas[19] denotando a instabilidade democrática no país, Presidentes que não terminaram seus mandatos saindo pós processo de impeachment, exemplos de Collor e Dilma Rousseff, uma série de censuras as quais possuem impactos até os dias atuais. Sendo assim, basta alguma crise econômica e política, para que discursos mais autoritários e punitivistas sejam defendidos como mecanismos de controle da criminalidade. Sem perceber, ao defender determinadas questões, alguns indivíduos não percebem que estão agindo contra seus próprios direitos, inerentes a todos os cidadãos. Étienne de La Boétie aduz na obra Discurso da servidão voluntária:
Portanto, torna-se fundamental encontrar medidas eficazes para que todos possuam condições de reintegrar-se novamente a sociedade, em contraposição ao discurso defendido por parcela da população, defendendo medidas mais severas almejando com isso a redução da criminalidade. A história política, bem como os regimes autoritários vivenciados, contribuem para manter um discurso punitivo quando há insegurança social. Por fim, torna-se fundamental a defesa das garantias e direitos fundamentais dos indivíduos, para que a ressocialização se torne possível dentro da conjuntura atual no país. Paula Yurie Abiko Acadêmica de Direito Centro Universitário Franscisano – FAE. Membro de grupo de pesquisas Modernas tendências do Sistema Criminal O mal estar no Direito, Trial by Jury e literatura Shakesperiana Estagiária do Ministério Público Federal Referências bibliográficas BOÉTIE, Étienne de La. Discurso da servidão voluntária. Editora Martin Claret. 2ª edição, 4ª reimpressão. 2017. Tradução: Casemiro Linarth. BUSATO, Paulo César. Parte Geral, 2ª edição. Editora: Atlas, 2015. https://www.conjur.com.br/2014-jun-05/brasil-maior-populacao-carceraria-mundo-segundo-estudo, acesso em 22 de janeiro de 2018. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/03/1866896-foi-na-prisao-que-virei-um-rato-de-biblioteca-diz-ex-office-boy-que-virou-professor.shtml, acesso em 22 de janeiro de 2018. http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2016/05/ex-interno-da-fundacao-casa-ganha-premio-em-feira-de-ciencias.html, acesso em 22 de janeiro de 2018. http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/cinema/documentario-revela-historia-por-tras-do-filme-vips-assista/n1300011531414.html, acesso em 22 de janeiro de 2018. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84294-programas-do-judiciario-auxiliam-egressos-a-acessarem-o-mercado-de-trabalho, acesso em 22 de janeiro de 2018. http://www.estadao.com.br/noticias/geral,pena-de-morte-divide-brasileiros-mostra-pesquisa,787547, acesso em 22 de janeiro de 2018. http://www.brasil.gov.br/educacao/2012/04/levantamento-mostra-escolaridade-dos-presidiarios-no-pais, acesso em 23 de janeiro de 2018. https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/264922/C%C3%A1rmen-L%C3%BAcia-preso-custa-13-vezes-mais-do-que-um-estudante-no-Brasil.htm, acesso em 23 de janeiro de 2018. http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=87027&tit=Presos-do-regime-semiaberto-participam-de-auloes-para-o-Enem-PPL, acesso em 23 de janeiro de 2018. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84606-apac-onde-ressocializar-preso-custa-menos-que-nos-presidios, acesso em 23 de janeiro de 2018. [1] BUSATO, Paulo César. Parte Geral, 2ª edição. Editora: Atlas, 2015. p. 757. [2] Ibdem. p. 757. [3] Ibdem, p. 758. [4] Ibdem, p. 758. [5]Ibdem. 758. [6] Ibdem. 759. [7] Ibdem. 763. [8] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84606-apac-onde-ressocializar-preso-custa-menos-que-nos-presidios, acesso em 23 de janeiro de 2018. [9] https://www.conjur.com.br/2014-jun-05/brasil-maior-populacao-carceraria-mundo-segundo-estudo, acesso em 22 de janeiro de 2018. [10] http://www.brasil.gov.br/educacao/2012/04/levantamento-mostra-escolaridade-dos-presidiarios-no-pais, acesso em 23 de janeiro de 2018. [11]https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/264922/C%C3%A1rmen-L%C3%BAcia-preso-custa-13-vezes-mais-do-que-um-estudante-no-Brasil.htm, acesso em 23 de janeiro de 2018. [12] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/03/1866896-foi-na-prisao-que-virei-um-rato-de-biblioteca-diz-ex-office-boy-que-virou-professor.shtml, acesso em 22 de janeiro de 2018. [13] http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2016/05/ex-interno-da-fundacao-casa-ganha-premio-em-feira-de-ciencias.html, acesso em 22 de janeiro de 2018. [14] http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/cinema/documentario-revela-historia-por-tras-do-filme-vips-assista/n1300011531414.html, acesso em 22 de janeiro de 2018. [15] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84294-programas-do-judiciario-auxiliam-egressos-a-acessarem-o-mercado-de-trabalho, acesso em 22 de janeiro de 2018. [16] http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=87027&tit=Presos-do-regime-semiaberto-participam-de-auloes-para-o-Enem-PPL, acesso em 23 de janeiro de 2018. [17]http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84606-apac-onde-ressocializar-preso-custa-menos-que-nos-presidios, acesso em 23 de janeiro de 2018. [18] http://www.estadao.com.br/noticias/geral,pena-de-morte-divide-brasileiros-mostra-pesquisa,787547, acesso em 22 de janeiro de 2018. [19] Conforme classificação de José Afonso da Silva: Constituição promulgada: originada de órgão constituinte composto de representantes do povo, eleitos para o fim de estabelecer nova ordem política e jurídica, portanto democrática. Constituição outorgada: elaborada sem a participação do povo e imposta a ele por governantes autoritários. [20] BOÉTIE, Étienne de La. Discurso da servidão voluntária. Editora Martin Claret. Tradução: Casemiro Linarth, p. 44 e 45. Comments are closed.
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