Quem salvar? Ser humano "A" levemente ferido ou ser humano "B" em risco de morte? A "qualidade" pessoal da vítima deve influir na decisão? Em caso afirmativo, quais os critérios a adotar? Resumir-se-á uma pessoa a determinado rótulo: "policial" , "traficante", "pessoa de bem" , "bandido"? Quem determina quem é o quê? Algum signo pode ser definido como absoluto? Ou representa algo absolutamente (consenso) bom? Outros critérios deveriam ser adotados para escolha - por exemplo, a atitude anterior ao ferimento? Em caso positivo, seriam valoradas as atitudes imediatamente anteriores ou se avaliaria toda a vida pregressa? Haveria uma espécie de pontuação? "Boas" ações anteriores valeriam a mesma quantidade de pontos que as "más"?
Perceptível a extensão da demanda. De fato este é um dos embates éticos mais antigos da humanidade. De todas as soluções já fornecidas o que se percebe é que as diferentes respostas residem no fundamento ético do qual se depreendem as mesmas. É com base nesse tópico que precisaríamos dialogar com qualidade numa sociedade plural que priorize a liberdade e a dignidade humana como valores sedimentados e inegociáveis. Se parto de um referencial utilitarista ou organicista darei preferência ao policial. Nota: que fique registrado aqui minha admiração e sentimentos sinceros por todos os que perdem sua vida nessa triste realidade que nos cerca. Para uma compreensão da visão utilitarista recomenda-se a leitura de Bentham e Stuart Mill. Se o projeto for demasiado trabalhoso recomenda-se a leitura do bom livro de Michael Sandel, "Justiça - o que significa fazer a coisa certa". Para uma compreensão do organicismo seria preciso uma pesquisa mais esparsa. Se perceberá o desenvolvimentos dos seus enunciados em Kant e Spencer, mas seriam autores como Worms e Lilienfeld que trariam uma visão mais típica. De um outro lado, fornecendo ao dilema uma resposta diametralmente oposta estariam os ideias multifacetados que grosseiramente poderiam ser reunidos sob o título de "humanitários" (ou corrente humanista). Contribuem para esta corrente a filosofia cristã, a psicologia humanista, a sociologia. Suas raízes mais remotas seriam obrigatoriamente já vistas com os gregos e seria impossível não citar as Luzes e a Declaração de Direitos Humanos como marcos definitivos. É preciso ver no dilema também uma divergência no modo em que se enxerga no Outro. Conforme comentei recentemente na página do Facebook do Sala Criminal, precisamos repensar como vemos o Outro. Vivemos cada vez mais cercados pelo sentimento de medo do Outro, de incompreensão do Outro, de ódio ao Outro. Por quê? Porque ele é Outro e eu preciso urgentemente encontrar o Eu. O Outro me desconcerta, o Outro me desafia, o Outro me faz refletir no fato de que minha situação quem sabe não seja tão ruim quanto eu gosto de dramatizar ou, de outro lado, desperta em mim os mais viscerais sentimentos de inveja. Como diria Sartre o Outro é o inferno. Mas não precisava ser. Poderia ser o ponto de partida da empatia, da solidariedade, da fraternidade. Afinal, o Outro nada mais é do que um pedaço de Mim nesse caldo genético multifacetado que chamamos de Humanidade Enfim, o propósito deste texto foi simplesmente demonstrar que muito, muito já se debruçou sobre este tema e há muito que pode (e deve) ser lido a respeito; principalmente para que evitemos incoerências irremediáveis em nossa forma de pensar - como, por exemplo, termos uma visão quando a situação envolve desconhecidos e outra completamente oposta quando se trata de parentes ou amigos. Resolver as próprias incoerências internas é projeto valiosíssimo. Então, vamos à leitura e pesquisa? Não só nossas opiniões ganharão em qualidade, mas poderemos nos tornar forças positivas para uma melhor compreensão interpessoal. Ah, mas não fiquemos no campo teórico-abstrato. Que nossos conhecimentos nos movam a ações mais interativas e integrativas! Seja esse o objetivo principal! Paulo Roberto Incott Jr Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal Pós-graduando em Criminologia Bibliografia BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. FIORELLI, José Omir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica. 6ªEd. São Paulo: Atlas, 2015. SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010 SANDEL, Michael J. Justiça - O que é fazer a coisa certa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. Comments are closed.
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