A família, seja ela de qual tipo for, acaba por ser a primeira matriz de referência no desenvolvimento de uma criança. É através dela que se dão os primeiros passos, tanto físicos quanto psicológicos, pois é ali que um indivíduo será introduzido no mundo da linguagem, que passará a compreender o que são relacionamentos humanos, o que é amor, o que são limites...
Em certos casos, sabemos que pode ocorrer uma interrupção desse sistema familiar, onde os membros deverão se reorganizar para suprir as necessidades e manter, na medida do possível, seu desenvolvimento e funcionamento "normal". Isso pode se dar por diferentes fatores: a morte de um membro, a saída de um filho que casou e constituirá sua própria família nuclear, o envelhecimento dos avós, que fez com que precisassem morar junto dos filhos e netos para maiores cuidados, entre outras situações cotidianas. Ao falarmos de separação, por exemplo, quando não consensual, torna-se função do juiz responsável identificar e determinar como será a guarda dos filhos. Dessa forma, será atribuída "àquele que reunir melhores condições de exercê-la, o que não implica melhores condições econômicas ou materiais" (Brasil, 2003). Entretanto, ao visualizarmos estatísticas, o IBGE, em 2005, detectou que em 91,1% dos casos de separação e em 89,5% dos casos de divórcio, a guarda ficou sob responsabilidade da mãe. Lembrando que a guarda compartilhada só foi apresentada como possibilidade, no Brasil, em 2008. Vê-se aí, então, que é dado um poder a um terceiro à família, em que este definirá com quem é a melhor convivência da(s) criança(s), tomando como pressuposto o que julgamos ser o melhor interesse desta própria. Neste cenário, vale ressaltar também que os indivíduos que chegam ao patamar jurídico estão lá pelo fato de já estarem em um processo conflituoso; processo este em que há uma criança, um ser em desenvolvimento, envolvido. Como uma forma de minimizar os efeitos negativos, são realizados acompanhamentos e avaliações em crianças e adolescentes que encontram-se neste contexto e é através deles que muitos dos conflitos familiares violentos ganham visibilidade social, a fim de serem profundamente estudados com o intuito de apoiar a decisão judicial (SANI, 2017). Com isso, atenta-se a "importância do psicólogo que atua na área do Direito de família considerar em sua avaliação os vínculos afetivos que forem saudáveis ao desenvolvimento da criança" (LAGO, BANDEIRA, 2009). Tomando como base essa demanda cada vez maior de avaliações e acompanhamentos psicológicos, é possível notar que a necessidade da sociedade também tem-se modificado com o passar do tempo. Não contradizendo a relevância do trabalho que é feito (sempre mais e mais necessário), é preciso também ter um olhar crítico em relação ao que ocorre. Novamente, delega-se o que antes era uma função da família (prover condições adequadas para desenvolvimento das crianças e adolescentes) para o Estado, na figura do juíz. Aquilo que seria uma decisão tomada privativamente, passa a ser "pública", iniciando uma fase de judicialização das relações e relacionamentos daquela família. Além disso, sabe-se que a exposição aos conflitos parentais pode ser prejudicial aos filhos. Será que não seria possível um acompanhamento prévio, para que os danos sejam minimizados para ambas as partes e, em especial, aos filhos? É interessante pensar em como isso seria o ideal, pois já estaria "economizando" energia psicológica dos ex cônjuges, enquanto contribui para uma resolução mais rápida e eficiente de uma separação, já que poderia estimular um acordo consensual relativo à guarda. Parece fácil na teoria, mas a prática demonstra o contrário, visto os longos e inesgotáveis casos encontrados nas Varas de Família. Como já mencionado anteriormente, mesmo que a situação acima descrita pareça mais fácil, ela exige uma certa responsabilidade por parte dos próprios pais. O comprometimento na rápida resolução faz com que a decisão esteja nas mãos deles. Consequentemente, o que vier a acontecer por conta dessa escolha, também será de responsabilidade deles. Ao considerar esse fato, talvez deixar para que o juíz decida seja, na realidade, mais fácil. Ao isentar-se da escolha, isenta-se da culpa. Entretanto, alimenta-se o costume de recorrer à justiça antes de qualquer análise da situação, determinando uma instituição terceira o poder de definir o que acontece com aquela criança cujos pais estão em processo de separação. Nesse sentido, imagina-se uma atuação do Direito, em conjunto da Psicologia, para ações "preventivas". Espaços para mediações, por exemplo, fariam com que muitos casais pudessem obter respostas e orientações mais claras sobre o divórcio. Com um ambiente mais tranquilo, propício à conversa e não ao conflito, é possível imaginar que o processo todo tenha menos empecilhos. Então, qual o motivo de ser tão difícil investir em práticas como estas? Será que é mais proveitoso deixar algo insatisfatório acontecer, para então remediar e dar a sensação de que algo está sendo feito ou dispor de recursos para evitar que o problema ocorra? Fica o questionamento. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica Referências: SANI, Ana I. Perícias Psicológicas em Casos de Conflito Interparental: Recomendações para a Prática. In. Temas em Psicologia. Junho 2017, Vol. 25, n° 2. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v25n2/v25n2a02.pdf>. Acesso em 06 ago. 2017. Brasil. (2003). Lei n° 10.406/02. In Código civil. São Paulo: Saraiva. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2005). Estatísticas do registro civil 2005. Recuperado em novembro de 2007, de http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ registrocivil/2005/default.shtm LAGO, Vivian de M. BANDEIRA, Denise R. A Psicologia e as Demandas Atuais do Direito da Família. In. Psicologia Ciência e Profissão. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pcp/v29n2/v29n2a07>. Acesso em 07 ago. 2017. Comments are closed.
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