Artigo do Colunista Gabriel Teixeira sobre importantes aspectos da justiça negocial, vale a leitura! ''Essa nova realidade, sem dúvidas, exige um agir estratégico de todos os participantes e vai ter o “dedo” da Revolução 4.0 [6] (e obviamente do liberalismo) – coisa que, há tempos, Alexandre Morais da Rosa já advertia em seu “Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos”. Não haverá espaço para amadores nas mesas de negociação. O preço é alto a ser pago pelo erro''. Por Gabriel Teixeira Este texto pode ser visto como uma continuação do anterior publicado neste mesmo meio, ainda que, em certa medida, guardem uma autonomia [1].
Todavia, um ponto de partida comum parece ser inegável: os acordos de não persecução penal são uma realidade, gostemos ou não. A vinda do “Pacote Anticrime” e seu famigerado artigo 28-A antecipou um movimento global inevitável. Há quem chame esse movimento de “commonlização” com absoluta razão [2]. Entretanto, será que temos a dimensão do tamanho dessa mudança no Processo Penal? Inclusive, os que se aventuraram neste tema, antecedendo este texto, despenderam laudas, tempo e esforços para demonstrar o quanto este instituto é um “Cavalo de Troia”. Para tal tarefa, mostra-se indispensável “Plea Bargain” (editora Tirant lo Blanch) de Ricardo Jacobsen Gloeckner, recomendação imprescindível para a compreensão adequada do tema. Para realização do diagnóstico sequer serão examinadas as legislações esparsas, em especial a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41), considerando que ela foi “engolida” pelo instituto da transação penal (artigo 76, da Lei 9.099/95), mesmo que o instituto também seja uma espécie de justiça negociada (um tímido embrião, quiçá). A moldura foi feita exclusivamente sobre o Código Penal [3]. Pois bem. Até a data da escrita deste texto (31/05/2020) sem o cômputo da parte geral (entre os artigos 1º e 120) e, examinando exclusivamente a parte especial, temos 273 dispositivos. Entre revogados (27) e aqueles que falam sobre qualificadoras, conceitos legais e afins (24), sobram 222 artigos que serão a base do cálculo a ser realizado (100%). Após, torna-se imperioso um “filtro” consistente em delimitar quantos dispositivos não são abrangidos pelo acordo, ou seja, aqueles delitos cuja pena mínima ultrapasse 04 (quatro) anos (sem olvidar, outrossim, que a redação dúbia do artigo 28-A permite interpretar tanto os delitos cuja pena seja de até quatro anos ou aqueles em que a pena compreenda três anos e 364 dias, parecendo-nos razoável, todavia, a primeira leitura) e que não envolvam violência ou grave ameaça [4]. Sendo assim, sem que haja um retrospecto com relação às correntes doutrinárias e incluindo possíveis formas qualificadas possíveis, estão excluídos os artigos 121, 123, 129, 146, 147, 148, 157, 158, 159, 160, 197, 198, 199, 200, 203, 204, 213, 215, 215-A, 217-A, 227, 228, 230 [sendo ele e os dois anteriores qualificados pelo parágrafo segundo de cada qual], 329 e 345 (em um total de 25 artigos). No que diz respeito a pena mínima (e sem considerar os delitos anteriores), verificou-se que existem 11 delitos que possuem a pena base igual ou superior a quatro anos (artigos 133, 136 [na forma qualificada do § 2º], 149-A, 155 [caso sejam examinados os parágrafos 4º-A e 7º], 218-B, 260, 261 [este e o anterior na sua forma qualificada conforme o seu parágrafo 1º], 270, 272, 273 e 288-A). Quanto ao item anterior, caso a pena de quatro anos seja considerada válida para aplicação dos acordos, há um total de dois delitos (com a exclusão, respectivamente, dos artigos 133, 136, 149-A, 155, 218-B, 260, 261, 272 e 288-A). Ato seguinte, somando ambos os requisitos, há um total de 36 dispositivos (caso seja considerada a pena de quatro anos um óbice, ou seja, apenas as penas de três anos e 364 dias são suficientes para a realização do acordo) ou de 27 dispositivos (caso a pena base de quatro anos seja suficiente para a concessão). Desse modo, caso seja considerada a primeira hipótese acima dita, os 36 delitos corresponderão a aproximadamente 16,216%. Já na segunda, os 27 crimes equivalem, aproximadamente, a 12,162%. Portanto, considerando ambos os cenários e suas variações, aproximadamente há a possibilidade de que 83,784%/87,838% dos crimes do Código Penal sejam negociados. Ainda que impreciso, diante das variáveis e requisitos subjetivos inerentes, é um dado estarrecedor. Não é muito, nesse viés, ampliar esse dado para 90%, considerando a quantidade de legislações penais esparsas. Estes cálculos, modificáveis pelas circunstâncias e eventuais adventos legislativos, demonstram que está em curso uma ruptura do que é concebido como processo penal, de tal modo que, em um prognóstico, haverá tamanha dependência do instituto negocial como há nos demais países que o exportaram e importaram, como adverte Juan Carlos Ferré Olivé [5]. . Haverá uma expansão do fenômeno visto em miniatura nos Juizados Especiais Criminais com a transação penal e a suspensão condicional do processo. A produtividade, como de costume, é cobrada dos atores jurídicos que, progressivamente, irão sucumbir a índices quantitativos massacrantes (especialmente o Parquet, responsável pelo oferecimento das propostas e fiscalização do [des]cumprimento) – a própria advocacia não é excluída deste sistema de injustiças, acometida pela desvalorização cotidiana (especialmente aos advogados que atuam como correspondentes) recebendo valores pífios para a realização destas audiências de homologação. Essa nova realidade, sem dúvidas, exige um agir estratégico de todos os participantes e vai ter o “dedo” da Revolução 4.0 [6] (e obviamente do liberalismo) – coisa que, há tempos, Alexandre Morais da Rosa já advertia em seu “Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos”. Não haverá espaço para amadores nas mesas de negociação. O preço é alto a ser pago pelo erro. Igualmente, as advertências do Professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho em inúmeras intervenções, parecem ressoar todas as vezes que falamos do “plea bargain” – máxime diante das sucessivas reformas parciais que criaram um sistema penal “Frankenstein” desfigurado, o quadro mental paranoico e pela inadequação da nossa legislação interna para recepção de um instituto tão impactante e que, inclusive, já é objeto de revisão e críticas mundo afora [7]. Neste sentido, o advento de um Novo Código de Processo Penal parece ser um horizonte tangível e necessário. Uma reforma total legislativa, com um giro na mentalidade destes atores jurídicos, como ponto de partida para quaisquer soluções. E convenhamos: já passou da hora! Gabriel Teixeira Santos Pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS. Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG e em Direito Civil e Processo Civil pela Toledo Prudente Centro Universitário. Advogado. E-mail: [email protected]. NOTAS EXPLICATIVAS: [1] http://www.salacriminal.com/home/dois-dilemas-sobre-a-confissao-no-acordo-de-nao-persecucao-penal, acesso em 31/05/2020, às 02:05. [2] https://www.conjur.com.br/2020-abr-22/opiniao-atentai-quimera-precedentes, acesso em 31/05/2020, às 02:15. [3] Cabe aqui meu agradecimento ao Professor Aury Lopes Jr., pois, em uma de suas aulas na especialização em Direito Penal e Criminologia da PUC-RS em que sou discente (Turma de 2020), comentou o objeto de pesquisa no ano passado – sem que houvesse a confecção final e aprovação da atual redação do artigo 28-A, do CPP/”Pacote Anticrime”). [4] Também foi desconsiderada a cláusula subjetiva reproduzida como “desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” e as condições pessoais dos agentes. [5] OLIVÉ, Juan Carlos Ferré. El Plea Bargaining, o cómo pervertir la justicia penal através de un sistema de conformidades low cost. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia – RECPC 20-06 (2018). Disponível em: http://criminet.ugr.es/recpc/20/recpc20-06.pdf, acesso em 31/05/2020, às 03:47. [6] https://caosfilosofico.com/2020/05/27/a-tecnologia-em-apoio-a-decisao-juridica/, acesso em 31/05/2020, às 02:05. [7] https://www.theglobeandmail.com/news/national/top-jurist-urges-review-of-coercive-plea-bargaining-system/article569776/, e, em igual contexto e sentido, https://columbialawreview.org/content/the-hidden-law-of-plea-bargaining/, acessados em 31/05/2020, às 02:05.
1 Comment
Jordane
6/4/2020 09:52:30 pm
Ótimo!!
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