SÉRGIO MORO, JUIZ PARCIAL. Uma análise a partir do caso Hauschildt contra Dinamarca. Parte 1.6/10/2020 Artigo do colunista Iuri Machado, elaborando uma análise a partir do caso Hauschildt contra Dinamarca, vale a leitura! '' Quanto aos sucessivos decretos de prisão, a despeito do acima consignado e da censura de alguns comportamentos referidos pelos impetrantes (v.g. demora na expedição de alvará de soltura, cumprimento do decreto de prisão em audiência, autorização para obtenção de informações de vôos dos defensores), há que se observar que os atos ilegais foram devidamente desconstituídos pelos meios próprios, isto é pelos recursos interpostos pela defesa''. Por Iuri Machado 1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL HC 95518. Órgão julgador: Segunda Turma. Relator(a): Min. EROS GRAU. Redator(a) do acórdão: Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 28/05/2013, Publicação 19/03/2014. Ementa do julgado:
2 O CASO Foi impetrado habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, contra denegação de habeas corpus pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na qual se discutia a parcialidade do Juiz Federal Sérgio Moro na condução de ações penais que envolviam o mesmo acusado. Dentre os fundamentos da impetração, foram destacados: (i) teria usurpado atribuições do Ministério Público ao compeli-lo à complementação de medidas cautelares que objetivavam o arresto de bens, afirmando, em despacho, serem insuficientes os bens indicados à reparação do dano em caso de eventual condenação, bem assim ao afirmar que seria necessária a indicação de administrador para venda antecipada dos bens; (ii) teria decretado cinco vezes (quatro sequenciais), de ofício e sem a oitiva prévia do MPF, a prisão preventiva do paciente de forma alternada em duas ações penais, não obstante decisões do TRF da 4ª Região e do Supremo Tribunal Federal [HC n. 85.519, de minha Relatoria, DJ de 13.12.05], concedendo liberdade no curso da ação; diz que o Juiz, ao alternar as prisões nas duas ações penais, utilizava a mesma fundamentação tida por inidônea pelo TRF da 4ª Região, adotada na outra ação penal; assim estaria, o Juiz, em verdade descumprindo as decisões da Corte Regional; (iii) teria avocado para si a competência para processar representação criminal a respeito de fato, relativo ao paciente, ocorrido em outra unidade da federação (Santa Catarina), além de ter negado o acesso dos autos à defesa; a aludida representação criminal fora instaurada em Itajaí, SC, a fim de investigar suposta ameaça feita pelo paciente a corréu, ameaça que justificaria nova decretação de prisão cautelar por conveniência da instrução processual; após a avocação dos autos, o Juiz teria simulado a distribuição, por conexão, a processo cujos fatos em apuração não eram conexos com os investigados em Santa Catarina; apresentou, para tanto, justificativa no sentido de que o apensamento ao processo não conexo tinha por objetivo o não conhecimento de medidas sigilosas pela defesa; o Juiz, reconhecendo essa circunstância, despachou afirmando que juntaria oportunamente a representação criminal ao processo conexo; (iv) visando à efetividade de prisão preventiva que decretara, teria determinado à autoridade policial que levantasse junto a qualquer companhia aérea ou à Infraero registros de vôos, nacionais ou internacionais, em relação às pessoas de Rubens Catenacci (paciente) e seus advogados Cezar Roberto Bitencourt e André Zekner Schimidt, decretando, a seguir, o sigilo da decisão. Na inicial do writ, os impetrantes consignaram que “o paciente figura como réu, perante a Justiça Federal de Curitiba/PR, nos processos penais nº 2004.70.00.012219-8 e 2005.70.00.004316-3” e que “logo na ocasião do recebimento da denúncia, em agosto de 2003, fora decretada a prisão, dentre outros, do paciente”. Tal prisão foi decretada com a seguinte fundamentação: Vale repetir talvez o elemento mais importante no sentido da ciência pelos acusados da fraude, de que o volume dos recursos depositados nas contas CC5 titularizadas pela Cambios Imperial a título de disponibilidades no exterior era proveniente em sua maior parte de contas titularizadas por "laranjas'". Alcançando as cifras mais de quinhentos milhões de reais, é absolutamente improvável que a fraude fosse desconhecida dos dirigentes da entidade. Ao contrário, é mais provável que decorresse da própria política institucional da Empresa. É necessário apenas ressalvar a posição de Crescencio Barreto Portillo que apenas figura como sócio no contrato constitutivo da Imperial, não havendo maiores provas, ao contrário do que ocorre com os demais dirigentes, de que tenha exercido papel mais ativo na fraude. Se o que há contra ele é suficiente para o recebimento da denúncia, isso não significa mesmo juízo em relação à decretação de sua prisão, para o que exige-se uma carga probatória mais elevada. Resta verificar se encontra-se presente alguma outra das exigências necessária para a decretação da prisão preventiva . Ora, a fraude perpetrada pela Imperial através da contas CC5 teria perdurado entre os anos de 1996 e 1998. Envolveu a abertura de dezenas de contas de "laranjas" e acarretou a remessa ao exterior de mais de quinhentos milhões de reais, ocultando-se ao órgão fiscalizador o real titular do numerário. Somente a conta da laranja Elvira Werle, cujos créditos foram explicitados no laudo de nº 1.676/03 (apenso XVII, fls. 3.343-3.344), teria recebido dezenas de depósitos para posterior remessa a contas CC5, o que revela habitualidade da conduta delitiva. Devido a dimensão dos fatos e o número dos envolvidos, não estão de todo identificados os reais titulares do numerário remetido ao exterior. É, provável, porém, que o estratagema tenha servido para ocultar o produto de diversos crimes, desde sonegação fiscal a crimes mais graves como corrupção de agentes públicos, peculato e até mesmo tráfico de drogas. Como vem sendo investigado no inquérito 207/98, já se tem indicias de que o esquema fraudulento de remessa de numerário através de contas CC5 teria servido para desvio de dinheiro da Prefeitura de São Paulo e ainda sido utilizado por João Arcanjo Ribeiro, conhecido criminoso, atualmente preso no Uruguai. Como apontado supra, esta foi a primeira de cinco decretações sucessivas de prisão preventiva, todas reformadas pelas instâncias superiores, mas que, devido a forma como foram tomadas, com “casadinhas” em dois processos, acabou por levar o acusado a ajuizar as ações de habeas nos incidentes de suspeição/impedimento. No Superior Tribunal de Justiça, a imparcialidade do juiz não foi analisada sob o fundamento de que não seria possível o reexame do contexto fático-probatório, sendo, assim, denegada a ordem. Por sua vez, no Supremo Tribunal Federal, a ordem foi conhecida e denegada, sendo reconhecido que “o conjunto de atos abusivos, no entanto, ainda que desfavorável ao paciente e devidamente desconstituído pelas instâncias superiores, não implica, necessariamente, parcialidade do magistrado”, determinando-se a remessa dos autos à Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região e ao Conselho Nacional de Justiça. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O relator originário, Ministro Eros Grau, denegou a ordem de habeas corpus sob o fundamento de que as hipóteses de imparcialidade previstas no Código de Processo Penal são taxativas. Sobre elas, afirmou o Ministro que “decorrem da relação de interesse do Juiz com o objeto do processo, o queno caso não se dá. A suspeição resulta do vínculo firmado entre o juiz e aparte ou entre o juiz e a questão discutida nos autos.”. Em voto-vista, o Ministro Gilmar Mendes, de início, afirmou que não parecia razoável a reiterada decretações de prisões preventivas em crime sem violência ou grave ameaça. Nada obstante, quanto à alegação de imparcialidade, e as várias decretações ex officio de prisão preventiva, o Ministro afirmou “que não é possível confundir excessos com parcialidade”. Apesar de reconhecer que houve abusos por parte do magistrado, o Ministro não anulou o processo por entender que as prisões haviam sido reformadas pelas instâncias superiores: Quanto aos sucessivos decretos de prisão, a despeito do acima consignado e da censura de alguns comportamentos referidos pelos impetrantes (v.g. demora na expedição de alvará de soltura, cumprimento do decreto de prisão em audiência, autorização para obtenção de informações de vôos dos defensores), há que se observar que os atos ilegais foram devidamente desconstituídos pelos meios próprios, isto é pelos recursos interpostos pela defesa. Não significa que as decisões, a par de censuráveis e desastradas, não podem ser impregnadas de parcialidade e, portanto, viciadas. … Conquanto censuráveis os excessos cometidos pelo magistrado, não vislumbro, propriamente, causa de impedimento ou suspeição; não se mostram denotativos de interesse pessoal do magistrado ou de inimizade com a parte. Ao meu sentir, os excessos cometidos, eventualmente, podem caracterizar infração disciplinar, com reflexos administrativos no âmbito do controle da Corregedoria Regional e/ou do Conselho Nacional de Justiça, não o afastamento do magistrado do processo. Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, houve debate entre os integrantes da 2ª Turma, cujo teor, apesar de longo, merece transcrição: O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu estou pedindo que se encaminhe à Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ªRegião e à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – À Corregedoria para fins de averiguar esse retardamento. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) – O comportamento. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Esses são fatos gravíssimos. Por exemplo, monitoramento de advogados. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) – De deslocamento de advogados. [...] O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Revela-sei mpressionante essa sucessão de medidas que foram relatadas nesta sede processual. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Agora, neste caso específico, também levei em conta que houve sentença condenatóri aparcialmente mantida pelo TRF. E nós teríamos, inclusive, uma dificuldade que seria de identificar o momento a partir do qual se operou a suspeição, para efeito da anulação. Acho, como Vossa Excelência, os fatos aqui narrados lamentáveis, por toda ordem. Agora, de fato, levei em conta esses aspectos, inclusive o fato de existir, hoje, um acórdão do TRF que parcialmente confirma a condenação. [...] O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – Ministro Gilmar Mendes, agora eu realmente percebi a intensa gravidade dos fatos. Porque, se nós estamos imputando ao juiz - e parece que essa é a tendência da Turma - uma parcialidade que tisnou o processo de conhecimento, inclusive produzindo provas ilegais, induzindo possivelmente em erro a própria segunda instância, o TRF, eu estaria inclinado, sobretudo depois dessa densa argumentação do Ministro Celso de Mello, a conceder a ordem para anular o feito, isso para sermos consequentes com o envio dessa documentação que se encerra nos autos ao CNJ, porque a situação é realmente muito grave. Penso que o Ministro Celso agora descreveu a questão – Vossa Excelência também, sem dúvida nenhuma, sem demérito para o seu brilhante voto -, descreveu a situação realmente como, de fato, ela é. Houve uma parcialidade do juiz, que levou, quiçá, à produção de provas ilegais; e o fato da segunda instância ter parcialmente ratificado a decisão de primeiro grau não impressiona porque a prova possivelmente é nula, tendo em vista essa parcialidade do magistrado de primeiro grau. Eu deferiria a ordem. … O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Então, nesse sentido, ainda que se fosse considerar o juiz impedido ou suspeito, teríamos que estabelecer um momento, no curso do processo, em que isso ocorreu, para não anular todo o processo. Mas, de qualquer modo, parece-me que isso não está muito claro e que a essência da garantia do devido processo, inclusive com a possibilidade de recurso, ficou preservada. Por isso, a solução adotada pelo ministro Gilmar está adequada ao caso. Consoante constatado pelo Ministro Lewandowski, o Ministro Celso de Mello concedeu a ordem de habeas corpus sob a afirmativa de que não houve um julgamento justo, vez que o magistrado Sérgio Moro não se manteve equidistante das partes e que “a ideia de imparcialidade compõe a noção mesma inerente à garantia constitucional do “due process of law”. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Direito Penal e Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Penitenciário da ANACRIM-PR. Ig: @advogado_iurimachado
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