O estudo do Direito Penal da Fantasia ou Síndrome de Alice no Direito Penal tem sua origem no estudo da lei de organizações criminosas – Lei 12.850/13 – especificamente no que tange à colaboração premiada. Tema bastante discutido pelos doutrinadores no Brasil.
Perguntamos: qual a relação da história de Alice no País das Maravilhas com o direito penal? Como posso relacionar esta obra ao direito penal moderno? Em breves palavras vamos tentar mostrar. A obra de Alice no país das maravilhas é a obra infantil amplamente conhecida, de Charles Lutwidge Dodgson, que foi publicada no dia 4 de julho de 1865 sob o pseudônimo de Lewis Carroll. É uma das obras mais célebres do gênero literário nonsense. Resumidamente, o livro conta a história de uma menina chamada Alice, que cai numa toca de coelho e é transportada para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas, revelando uma lógica do absurdo, característica dos sonhos. A referida obra está repleta de alusões satíricas, dirigidas tanto aos amigos, quanto aos inimigos de Carroll, de paródias e poemas populares infantis ingleses ensinados no século XIX, bem como de referências linguísticas e matemáticas e frequentes enigmas que contribuíram para a sua popularidade. Diante desse contexto, tem-se uma obra de difícil interpretação, pois contém dois livros num só texto: um para crianças e outro para adultos. Na história constatamos que Alice passa a viver num mundo paralelo, desconexo da realidade, e é justamente aí que relacionamos essa fantasia ao direito penal moderno. O direito penal é uma forma de controle social. A nova lei de organização criminosa conta com o mais atual meio de obtenção de provas, conhecido como colaboração premiada, vulgarmente chamado de delação premiada. Não podemos nos furtar de trazer a indicação da Lei 12.850/13, que dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Aqui, estamos nos referindo a um dos meios de obtenção de prova trazido na referida lei, a colaboração premiada. Mas o que seria a colaboração premiada? Segundo Marcelo Batlouni Mendroni, “a delação premiada encontra a sua origem no ‘acordo’ de vontade entre as partes, mas, sem ser ‘acordo’ propriamente dito, revela sua característica e, como tal, opera seus efeitos”. Extraímos, então, que surge do Princípio do Consenso. Ressalte-se que, na verdade, não podemos considerar um acordo em seu mais puro significado, pois envolve uma terceira pessoa nesta negociação, que sequer participa dela, ou seja, o magistrado. O referido meio de obtenção de prova está previsto do artigo 4º ao 7º da lei. Não pretendemos aqui tecer comentários sobre os aspectos propriamente ditos da “delação premiada”, mas sua correlação entre o direito penal moderno e a referida obra, de forma bem simples. Parte da doutrina desqualifica a colaboração premiada como sendo antiética, não sendo aceita num regime democrático. Como pode o Estado exigir determinado comportamento do cidadão e, ao mesmo tempo, fomentar um comportamento contra a ética? Outra parte da doutrina defende o uso da colaboração premiada, pois, com a nova criminalidade, os meios tradicionais de investigação não são suficientes para atingir determinados núcleos criminosos. Dessa forma, a Síndrome de Alice ou o Direito Penal da Fantasia se ergue para aqueles que não aceitam a colaboração premiada como meio de obtenção de prova. Na atualidade, devido às grandes tecnologias que surgem para uma criminalidade macroeconômica, de forma que fazem girar grandes quantidades de dinheiro, e que são responsáveis pelo financiamento de tudo, não acreditar ou duvidar da efetividade desta técnica especial de investigação e combate à criminalidade é estar tão fora da realidade, que pode-se dizer que continua no "mundo fantástico de Alice". Raimundo de Albuquerque Advogado Criminalista Mestrando em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) Especialista em Ciências Penais Secretário-Geral e Coordenador de Direito Penal ESA/RRConselheiro Estadual da Associação Brasileira dos Advogados Criminais (ABRACRIM) no Estado de Roraima Membro do International Center for Criminal Studies (ICCS)Professor na graduação e pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia do Centro Universitário Estácio da Amazônia Referências 1. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: aspectos gerais e mecanismos legais– 6. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. 2. BRASIL. LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências, Brasília, DF, ago 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 13 set. 2018. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |