Recentemente, em Curitiba, foram instalados monitores (telas de computador) para os jurados, no plenário do Tribunal do Júri. Sete monitores. Um para cada jurado. Aliás, não só monitores: cada jurado também dispõe de um mouse, a partir do qual pode acessar o conteúdo do que lhe é exibido em seu respectivo monitor.
De antemão, que fique claro: a instalação dos monitores mostra a preocupação bem intencionada de transparência do conteúdo dos autos aos jurados. Neste ponto, nenhum reparo. Entrementes, a situação é preocupante por várias razões. (1) EM PRIMEIRO LUGAR, não se sabe exatamente o que é exibido nos monitores. Presume-se que sejam os autos (eletrônicos ou scanneados) do processo que está em julgamento. Mas, ainda que assim o seja, causa preocupação que os jurados tenham acesso indiscriminado (e sem nenhuma assistência) ao conteúdo dos autos, sem nenhum filtro do juiz presidente do júri e das partes. Com efeito, o Código de Processo Penal estabelece, em seu art. 472, parágrafo único, que o jurado deve se inteirar sobre o caso a partir do acesso a “cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo”. Não dos autos integrais! Franquear ao jurado o acesso indiscriminado e desassistido a todo e qualquer elemento contido nos autos permitiria o contato com provas de duvidosa (i)legalidade, informações indiciárias não confirmadas em juízo (não custa lembrar a vedação do art. 155 do CPP no sentido de proibir a formação da convicção do juiz com base exclusiva em elementos indiciários do inquérito), decisões judiciais reformadas, decretos prisionais declarados nulos, arrazoados das partes que não foram acolhidos. Enfim, o jurado não pode, de per si, manipular a íntegra dos autos do processo, de forma descriteriosa, sem o filtro de racionalidade das partes e, principalmente, do juiz presidente do júri, sob pena de ser influenciado indevidamente por algum elemento a que teve acesso, sem um esclarecimento oportuno a seu respeito do contexto em que se insere. Tanto é assim que o art. 478 do CPP estabelece que, durante os debates, as partes não podem se referir a determinados elementos do processo, sob pena de nulificar o julgamento – o que bem demonstra a preocupação do legislador em evitar que o jurado (não) seja bombardeado com qualquer informação indiscriminada. Não se está, com isto, pretendendo tolher o acesso do jurado aos autos do processo. Não é isto! Os autos são públicos. É evidente. Qualquer do povo pode compulsá-los. Principalmente os jurados. Mas, esse exame dos autos, por parte do jurado, durante o júri, não pode ser desassistido. O ideal é que o jurado vá, paulatinamente, formando o seu convencimento, conforme os trabalhos vão se realizando, no Plenário do Tribunal do Júri, à medida que as provas vão sendo (re)feitas, na fase do judicium causae. Neste ínterim, se o jurado quiser examinar algum elemento específico dos autos – um laudo, um documento, uma fotografia, um croqui –, nada impede que assim o solicite ao juiz presidente, que, por sua vez, deverá franquear acesso, mediante criterioso filtro de racionalidade, sem perder a imparcialidade, para não influenciar o Conselho de Sentença, a teor do que dispõe o art. 480, §2º, do CPP. Aliás, durante os debates, os jurados podem pedir ao orador que “indique a folha dos autos onde se encontra a peça por ele referida”, o que bem mostra que o acesso dos jurados aos autos é mediato. Somente ao final dos trabalhos, depois de encerrados os debates é que o legislador permitiu que os autos pudessem ser franqueados, mediante solicitação, aos jurados para consulta geral. Mas para tanto, exige-se duas condições: (a) que os debates já tenham se encerrado; e (b) que haja solicitação dos jurados. Neste sentido, o §3º, do art. 480 do CPP estabelece que “os jurados, nesta fase do procedimento, terão acesso aos autos e aos instrumentos do crime se solicitarem ao juiz-presidente”. A expressão “nesta fase do procedimento” refere-se, obviamente, ao momento que sucede o encerramento dos debates, porque deve ser interpretada em consonância com o §1º do mesmo dispositivo, que deixa claro que está se referindo a esta etapa, quando inicia sua redação com a locução “concluídos os debates”. Fica claro que o acesso dos jurados à íntegra dos autos pode – e deve – ser franqueado, “se solicitarem”, somente “nesta fase do procedimento”. Antes, não! Por uma razão óbvia: o convencimento do jurado deve ser fruto de uma paulatina construção ao longo dos trabalhos no plenário do júri. Somente ao final, então, é que o legislador franqueou aos jurados a possibilidade de “acesso aos autos e aos instrumentos do crime”. Tanto pior, se o acesso é permitido de forma concomitante aos trabalhos, enquanto as provas estão sendo colhidas, porque há uma indesejada difusão de atenção dos jurados. Assim, se o jurado quiser consultar os autos, durante os trabalhos, em meio à inquirição de uma testemunha, por exemplo, cabe ao juiz interromper os trabalhos e franquear o exame do feito, para que, somente depois, o júri prossiga – e não permitir que a consulta seja feita simultaneamente à produção da prova. (2) EM SEGUNDO LUGAR, a atenção do jurado pode se dispersar, inutilmente, no manuseio de um documento de somenos importância. No afã de garimpar os autos, pode ser que o jurado acabe se atrapalhando na instrumentalização do feito. Afinal, se para os operadores do direito já não tem sido fácil manejar as ferramentas eletrônicas do processo virtual, o que não se dirá para um jurado leigo? O prejuízo é que, enquanto o jurado está entretido no manuseio do equipamento posto à sua frente, se batendo na decifração dos autos, os trabalhos estão em pleno andamento, no plenário do júri, as provas estão sendo produzidas, as testemunhas estão sendo ouvidas, as partes estão fazendo inquirições. E, neste momento precioso, em que o jurado deveria estar com o foco de sua atenção integralmente voltado à produção da prova, concentrado em absorver o teor das oitivas produzidas no plenário, não raro, sua atenção está dispersa, rosto mergulhado no monitor à sua frente, indicador girando a rodinha do mouse para cima e para baixo. Ou seja, a prova está sendo produzida no plenário (!) de forma alheia à atenção do jurado, que, por sua vez, está entretido com seu “vídeo game jurídico” posto à sua frente. (3) EM TERCEIRO LUGAR, por derradeiro, a afixação dos monitores individuais – um para cada jurado –, em frente ao rosto dos jurados, cria um obstáculo visual que impede o jurado de enxergar o que está se passando no plenário. Há um bloqueio físico entre o jurado e o plenário. Muitos não conseguem acompanhar os trabalhos, prestar atenção às expressões da testemunha, perceber os gestos do acusado, enfim, ver o que está se passando no plenário. Durante os debates, é ainda pior: os oradores ficam se esgueirando entre os monitores para tentar fazer contato visual com os jurados. Adriano Bretas Advogado Criminal Professor de Direito Processual Penal PUC-PR Membro da Comissão de Advogados Criminais da OAB-PR Comments are closed.
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