O acusado, ali, no “seu canto”, durante o julgamento, aguardando o tal do veredito. Os olhos recaem sobre ele. A aparência pode fazer a diferença. Ele escuta muitas vezes atento tudo o ocorre na instrução em plenário, bem como os debates orais, onde a eloquência dá o mote, quiçá principal, para influenciar na decisão que virá na sequência. Algumas vezes não, pois ele pode ter como certo o seu destino. Para suportar tudo aquilo que se desenrola à sua frente, a fuga reside em sua mente. Seus pensamentos voam longe, olhando eventualmente, pelo canto do olho, para tudo aquilo que o cerca. Faz diferença? Cada caso é sempre um caso. A ansiedade quase sempre é a regra. Considerando todos os fatores que se fazem presentes durante um julgamento, e digo aqui mais especificamente ao julgamento pelo Tribunal do Júri, faz diferença o fato de o acusado estar ou não algemado durante a sessão? Faz sim. E como faz. Mas isso não pode ser observado da forma errônea como algumas vezes é feito. Explico: a regra, durante o julgamento, é o acusado estar livre de quaisquer amarras, esteja ou não preso. A gravidade do crime ou qualquer tipo de receio injustificado (sem base concreta) não são motivos idôneos para se manter o acusado preso durante a sessão de julgamento. Tomemos como exemplo literário o caso de Mersault, protagonista de “O Estrangeiro”, de Albert Camus. Ao receber a notícia da morte de sua mãe, o personagem passa a agir de acordo com suas vontades, poucas vezes refletidas, sem se importar com a forma com a qual será interpretado pelas pessoas. Um modo de viver existencial, beirando o absurdo, é o que o guia. Isso é perceptível em diversas condutas tomadas por Mersault: a pouca importância dada com a morte de sua mãe, a forma de condução de um relacionamento que possui um dia depois do enterro e o ápice de tal "crise existencial" (a qual, em realidade, se dá meramente em aceitar suas próprias escolhas como forma de condução de sua vida, pois inexistiriam motivos a priori), quando mata um árabe sem motivo aparente. É pelo assassinato praticado que Mersault vai à julgamento. Foi Rômulo de Andrade Moreira que recentemente trouxe a reflexão do uso de algemas com base na obra de Albert Camus:
Mesmo considerando o homicídio como sendo um crime grave, Mersault foi desalgemado para que assim permanecesse durante o julgamento. Essa é a regra. A utilização das algemas no acusado exerce um poder simbólico muito significativo para os jurados. Para além de todos os diversos fatores que acabam influenciando na tomada de decisão pelo sete jurados, o uso de algemas é algo que diz muito. Eduardo Newton diz que “todos sabem que, no júri, o “réu entra condenado””. Se é assim, imagine quando o acusado está ali, no assento destinado ao réu, algemado. A imagem diz muito. E ao manter um acusado algemado durante o julgamento, o Estado contribui para piorar essa imagem, acarretando num prejuízo notório para a parte hipossuficiente dessa peculiar relação Estado-acusado. Como dito, a regra é clara quando se diz que o uso de algemas é medida excepcional. Assim prevê o § 3º do artigo 474 do Código de Processo Penal:
Claro que existem exceções. O problema é quando se tomam as exceções como regras fossem, muitas vezes usando e abusando dos significados que se atribuem convenientemente aos significantes previstos. O crime ser grave, por si só, não justifica o uso de algemas. Que crime contra a vida não é grave? É mais fácil, conveniente e até mesmo oportuno (por razões descabidas) “embasar” com fórmulas prontas o uso de algemas no acusado. O prejuízo é sempre do acusado. Já passou do tempo de se ter como superada essa questão das algemas. Mas as violações em tal sentido continuam sendo perpetradas. Vale lembrar do teor da Súmula Vinculante 11:
Mersault teve respeitado o direito de acompanhar o seu julgamento sem que estivesse agrilhoado. É um direito inerente de todo acusado no nosso sistema pátrio. Contudo, conforme menciona Rômulo de Andrade Moreira, “como se vê cotidianamente, o uso das algemas continua banalizado no Brasil”. Avancemos, portanto, no sentido de superar o uso desarrazoado das algemas. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura E-mail: [email protected] BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CAMUS, Albert. O Estrangeiro.6ª Ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2015. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Mersault está aqui. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/mersault-esta-aqui/ISSN 2446-7408. Acesso em 09/01/2017. NEWTON, Eduardo Januário. A defesa Intransitiva de Direitos: ácidos inconformismos de um Defensor Público.1ª Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. p. 42 Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |