Após longos cinco anos de tramitação, o Supremo Tribunal Federal finalmente aprovou a Súmula Vinculante n. 56, que contém o seguinte enunciado: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nesta hipótese, os parâmetros fixados no Recurso Extraordinário (RE) 641320”. A decisão, embora consagre uma importante vitória da democracia e do princípio constitucional da individualização da pena, merece uma maior reflexão acerca de alguns aspectos que não foram amplamente divulgados, o que se faz nesse espaço. O enunciado derivou da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) n. 57, apresentada pela Defensoria Pública da União, que continha a seguinte proposição do verbete: “O princípio constitucional da individualização da pena impõe seja esta cumprida pelo condenado, em regime mais benéfico, aberto ou domiciliar, inexistindo vaga em estabelecimento adequado, no local da execução”. Tal pedido teve como fundamento a verificação de que milhares de apenados cumpriam pena em regime mais gravoso do que o estabelecido em suas respectivas decisões condenatórias, ou seja, muitos condenados ao cumprimento de pena no regime semiaberto (ou que haviam recebido o benefício da progressão) permaneciam (e permanecem) no regime fechado, o que também se aplica aos demais crimes. A manutenção do apenado em regime mais gravoso é clara afronta ao princípio da individualização da pena, entendido por Paulo Queiroz como “a fixação pelo juiz das consequências jurídicas (pena etc.) da infração penal punível (crime ou contravenção), conforme o grau de culpabilidade do agente, aferida de acordo com as circunstâncias jurídico-penalmente relevantes”[1]. No tocante à fixação do regime inicial de cumprimento, a individualização manifesta-se no artigo 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, que estabelece que o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado, o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto, bem como o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. Tudo isso também deverá estar em consonância com a análise das circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal, que é justamente a oportunidade em que o magistrado analisará a conduta do caso concreto. Por tais razões, a manutenção do apenado em regime mais gravoso do que aquele previsto em sua decisão condenatória, ou mesmo na decisão que deferiu benefícios como a progressão de regime, afronta não só a própria manifestação jurisdicional, mas também o princípio da individualização da pena, motivo pelo qual a proposição da Defensoria Pública da União não só possui fundamento, mas também era absolutamente urgente. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal alterou o enunciado proposto, fazendo remissão às diretrizes estabelecidas na decisão prolatada nos autos do Recurso Extraordinário n. 641.320, que restou assim ementado:
O Ministro Marco Aurélio, vencido, uma vez que votou pela manutenção do texto apresentado pela Defensoria Pública da União, fez a ressalva (muito pertinente, diga-se de passagem) de que “verbete vinculante deve, ante a própria finalidade, permitir uma compreensão imediata, sem ter-se que buscar precedente que teria sido formalizado pelo Supremo, sob pena de confundirmos ainda mais a observância do nosso direito positivo”. É que o enunciado proposto (e não o aprovado) permitia uma compreensão completa e objetiva de que o apenado não pode cumprir pena em regime mais gravoso do que aquele que deveria resgatá-la, sob pena de afronta à individualização da pena. Já a Súmula Vinculante n. 56 promove uma burocratização desnecessária que, ao invés de fazer remissão a princípios ou dispositivos constitucionais, o faz em relação a precedentes judiciais (que podem ser superados e revistos a qualquer momento), podendo criar situações que, novamente, permitam a manutenção dos apenados em regimes mais gravosos. Ultrapassada a discussão, tem-se como conclusão de que a Súmula Vinculante n. 56, por mais que contenha seus problemas, era medida urgente e esperada há muito tempo. Depois de 5 anos, as decisões judiciais que antes desrespeitavam o princípio da individualização da pena, agora devem respeitar, finalmente e ao menos, o verbete vinculante aprovado pelo Supremo Tribunal Federal, consagrando, mesmo que reflexamente, a individualização da pena. Rodolfo Macedo do Prado Advogado Bacharel em Direito pela UFSC Pós-graduando em nível de Especialização em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCrim, e em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus Professor Convidado nas disciplinas de Direito Constitucional e Processo Penal da UFSC Membro Associado da AACRIMESC e do IBCCrim Presidente da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SC (2010-2012). [1] QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte geral. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 118. Comments are closed.
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