1. INTRODUÇÃO
O presente estudo trará ao debate a teoria da cegueira deliberada, pois vem sendo cada vez mais reconhecida nos estados e no Distrito Federal. O grande destaque dessa teoria é a possibilidade de punir as pessoas que através de suas condutas conseguiam obstaculizar os fatos que chegavam ao seu conhecimento a fim de se eximir das devidas responsabilidades. A teoria da cegueira deliberada advém de uma interpretação retirada do Art. 18, inciso I in fine “(...) assumiu o risco de produzi-lo.”, pois trazendo a exemplo do crime de lavagem de dinheiro para melhores esclarecimentos, observa-se a explanação abaixo;
A teoria da cegueira deliberada significa não querer enxergar os elementos do crime por que de alguma forma obtém vantagem indevida, deve-se atentar que a comprovação dessa situação, ou seja, que o agente realmente não se preocupou com as coisas que estavam ocorrendo ao seu redor, ignorando todos os fatos, não tomando conhecimento de nada para que não fosse vinculada nenhuma conduta ilícita a este, de forma comissiva ou omissiva, para comprovar essa situação fática é necessário um conjunto de provas bastante robusto, pois deverá destrinchar o subjetivo do agente sem deixar nenhuma obscuridade. 2 APLICAÇÃO DA TEORIA EM CASOS CONCRETOS 2.1 No crime de receptação Ao analisar da teoria da cegueira deliberada face ao crime de receptação é possível verificar uma maior incidência da criminalidade, pois ao sairmos nas ruas observamos, geralmente em grandes focos de vendas, como é o caso da Uruguaiana, localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, pessoas vendendo produtos com preços irrisórios, como por exemplo, celular, máquinas de cabelo, óculos de sol, CD’s, relógios entre outros objetos. É nítida a origem ilícita daqueles objetos, podendo ser proveniente de furto, roubo, descaminho etc. Ocorre que nesses casos a população fica conformada, pois tem a falsa sensação de estar realizando um bom negócio, mas trata-se de uma visão completamente equivocada, pois ao adquiri aqueles produtos estará fomentando o comércio, ou seja, incentivando o vendedor a continuar a realizando suas praticas obscuras a fim de ofertar aqueles produtos em preços absurdamente baixos. Vale destacar que o agente por estar angariando vantagem não se importa com os fatos que estão ao seu redor, ignoram a possibilidade de estarem sendo cometidos diversos ilícitos para que o produto desejado consiga ter o preço satisfatório. Nota-se que a população acredita que ocorreu uma adequação, já que por vezes o poder público não intervém de forma a coibir tais práticas. Muito embora seja totalmente inviável a cogitação da aplicação do principio da adequação, tendo em vista tratar-se de produtos proveniente de um ilícito, como acontece nos crimes de pirataria. Abaixo é possível verificar em decisão proferida pela sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, o elucidado acima;
De acordo com todo o entendimento explicitado, cabe agora tratar da responsabilidade da pessoa que adquiri este produto, pois esta não pode se eximir alegando desconhecimento da origem ilícita, uma vez que por ser uma pessoa do século XXI é cercada de informações, embora não tenha um conhecimento aprofundado, ou até mesmo que não tenha escolaridade que lhe permita ler ou escrever, ainda assim conseguirá identificar quando um produto está exposto por um valor muito abaixo do normal e ao compra-lo estará influenciando cada vez mais a sua venda. Em defesa destes consumidores é alegado uma única tese, (...) Eu não sabia que era proveniente de um crime (...). Diante desta alegação torna-se perfeitamente cabível a aplicação da teoria da cegueira deliberada, posto que tais consumidores portaram-se de modo a ignorar todas as circunstância relevantes que giravam em torno daquela venda, como por exemplo o local que muitas vezes é informal, no meio da rua, metro etc, desconsideraram também o fato do valor estar em um preço muito abaixo da concorrência, e a depender do produto deve ser verificado que o vendedor geralmente estar com um quantitativo elevado, desconfigurando assim a tradicional venda entre particulares. Abaixo foi trazida a presente pesquisa um trecho do julgado que coaduna perfeitamente aos argumentos explorados acima, demonstrando a configuração do crime de receptação pela intenção dolosa de ignorar os fatos.
Abaixo consta a linha de pensamento a ser seguida, consoante a tipificação descrita pelo julgado acima mencionado. Em analise ao Art. 180, parágrafos 1 e 3 do Código Penal.
Como bem relatou o julgado, a legislação acima mencionada expõe claramente a respeito de que “deve saber ser” produto de crime, não bastando como tese de defesa a alegação de que desconhecia a origem, pois este tinha o dever de saber que havia alguma irregularidade/ilicitude ao seu redor. 2.2 No crime de tráfico de drogas Com relação ao crime em analise podemos citar algumas hipóteses em que seria possível a aplicação da teoria da cegueira deliberada. Abaixo consta o texto do artigo 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de drogas), a fim de ser estudado;
Nos crimes de tráfico de drogas a teoria da cegueira deliberada pode ser identificada quando o agente carrega a pedido de terceiros uma mala, ou outro objeto que sirva de camuflagem para a droga. Neste caso deve ser analisado as circunstâncias que rodeiam o agente, como; a pessoa que lhe entregou a mala, o local e o pretexto utilizado por essa pessoa na entrega da mala. Frisa-se que as circunstâncias apontadas acima devem ser analisadas com muito cuidado, pois há casos em que um agente confia no outro a ponto de ignorar qualquer ação delituosa, fazendo com que seja desconfigurada a aplicação da teoria da cegueira deliberada, visto que um dos agentes foi enganado. Vale destacar que para a hipótese apresentada acima deve haver uma relação de afinidade entre os agentes, posto que dificilmente, trazendo para o estudo o homem médio, seria capaz de confiar em alguém que acabara de conhecer em locais de trânsito como aeroportos, rodoviárias etc, assumindo o risco pelo conteúdo do objeto, ainda mais diante das constantes noticias que chega ao conhecimento de todos, de diversos ilícitos que são praticados nesses ambientes. Geralmente quando algumas pessoas se dispõem a zelar pelo patrimônio de outrem nessas circunstâncias é sob uma contraprestação sendo esta pecuniária ou de qualquer outra natureza, devendo assim ser responsabilizada por tudo que esteja sob sua guarda, pois ignoraram os fatos que podiam estar ocorrendo, ou seja, cegaram-se diante do contexto fático para que pudessem obter vantagem. Abaixo consta um julgado que coaduna exatamente como os argumentos trazidos no presente tópico.
Embora a alegação dos réus que depositavam uma confiança no prefeito a ponto de ignorarem o conteúdo da mala, mostra-se uma postura não condizente com o momento vivido, diante da enorme quantidade de crimes noticiados diariamente, o senso de cautela deve ser aumentado a fim de não incorrer em situações complicadas, pois deve ser do conhecimento do agente tudo aquilo que esta sob a sua responsabilidade. O trecho abaixo foi retirado de um julgado no Brasil que tratava do tráfico de entorpecente no cenário internacional:
É muito importante para o presente estudo trazer a analise um trecho da decisão proferida, demonstrando como foi conceituada a situação da cegueira deliberada.
3. Conclusão Em virtude dessas considerações verifica-se que há ausência da teoria debatida poderia gerar inúmeras impunidades, seu estudo veio abrilhantar o direito penal que agora detém mais uma ferramenta no combate a criminalidade, conseguindo responsabilizar o agente que sabia da tipicidade, angariava benefícios, mas buscava registrar o seu suposto desconhecimento, tentando assim escapar das responsabilidades perante a justiça. Embora seja dito por algumas pessoas que esta teoria imputa ao acusado o fato de forma objetiva, deve ser analisado que realmente tende a ser uma grande preocupação quando da sua aplicação, mas esta teoria vem sendo aplicado apenas em casos que deixam esse contexto fático muito nítido através das provas colhidas, por que se o juiz não conseguir vislumbrar essa realidade, será aplicado o principio do In dubio pro réu. 3. Bibliografia LAUFER, Christian (2009) Teoria da Cegueira deliberada e o Direito Penal Brasileiro. Edição n° 204. São Paulo. Boletim publicação oficial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. GALVÃO DA SILVA, Robson “A Cegueira deliberada na Lava Jato” Termo in: Empório do Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-cegueira-deliberada-na-lava-jato-por-robson-a-galvao-da-silva-e-christian-laufer/. 15/11/2015 A teoria da willful blindness foi utilizada, pela primeira vez, na Inglaterra, em 1861. Cf. RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. La ignorancia deliberada en Derecho penal. Barcelona: Atelier, 2007. p. 65 e ss. Sentença proferida nos autos n. 2005.81.00.014586-0, da 11ª Vara Federal da Subseção de Fortaleza, Seção Judiciária do Ceará. Acórdão proferido pelo TRF da 5ª Região, 2ª Turma, na Apelação Criminal ACR5520-CE, Relator Des. Federal Francisco Barros Dias, publicada no DJU de 22/10/2008. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. Jordan Miranda Brandão Advogado Pos Graduando em Ciencias Criminais (Universidade Candido Mendes) [1] BOTTINI, Pierpaolo. “A cegueira deliberada no julgamento da ação penal 470”. 2013. Disponivel em: http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direito-defesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470. Acesso em: 16/05/2016 [2] ACR 50002204120134047005 PR 5000220-41.2013.404.7005, publicado 22/11/2013. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |