TRAFICO DE MULHERES PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL[1] O tráfico de pessoas, especialmente o tráfico de mulheres, é um fenômeno em expansão em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Estima-se que cerca de 2 (dois) milhões de pessoas são traficadas por ano através de fronteiras internas e internacionais.[2] São diversas as questões agravantes do tráfico de pessoas. Entre elas estão a questão de gênero e raça, as desigualdades sociais e a globalização, o crime organizado, a produção e distribuição das riquezas, o trabalho, a pobreza, a exclusão social, a desigualdade entre nações, entre outras. Parte importante na compreensão do problema do tráfico é entender quais são as pessoas mais vulneráveis à ocorrência desse fenômeno.[3] As mulheres oriundas de classes populares, com baixa escolaridade, que habitam regiões periféricas com carência de serviços sociais básicos e que exercem atividades laborais de baixa exigência são mais suscetíveis. A pobreza é notoriamente um dos principais fatores de influência para qualquer tipo de exploração. No caso do tráfico de mulheres para exploração sexual, esse fato é mais relevante, uma vez que a pobreza no mundo é mais recorrente em mulheres, e inclusive denominam o fenômeno por “feminilização da pobreza”.[4] Alguns dos fatores de vulnerabilidade mais recorrentes para as vítimas do tráfico, além da pobreza, é a discriminação de gênero, a ausência de oportunidades de trabalho, idade, violência doméstica e migração indocumentada.[5] Sobre o fator da discriminação de gênero, segundo a Organização Internacional do Trabalho- OIT:
A idade das vítimas é outro fator determinante. O tráfico para fins sexuais ocorre, predominantemente, entre mulheres com idade entre os 15 e os 27 anos, pois as mulheres mais velhas, principalmente no caso de tráfico para exploração sexual, não correspondem à demanda dos clientes da indústria sexual e, portanto, não interessam aos traficantes. Além disso, as mulheres e adolescentes em situação de tráfico para fins sexuais comumente já sofreram algum tipo de violência intrafamiliar ou extrafamiliar. Para a OIT, “violência doméstica -física, psicológica e sexual- gera um ambiente insuportável e impele a pessoa para a rua ou para moradia precárias”[7]. Sendo assim, o aspecto financeiro não é o único a ser considerado na decisão das adolescentes. Há casos em que os problemas intrafamiliares também são determinantes.[8] De acordo com o Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas 2016, lançado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), no período entre 2012 e 2013, a maioria das pessoas condenadas por tráfico para exploração sexual era do sexo masculino, conforme demonstra a tabela abaixo. (tabela 1) De outro lado, o mesmo relatório, demonstra que perfil das pessoas traficadas para fins de exploração sexual na América do Sul é formado majoritariamente por mulheres, conforme consta nos dados compilados na tabela abaixo. (tabela 2) Das 517 vítimas de tráfico para exploração sexual detectadas em 2014 pelo UNODC na América do Sul, 486 eram do sexo feminino. Nos casos de vítimas de tráfico de trabalho forçado, servidão e escravidão, a questão de gênero se inverte. Segundo o relatório, essa modalidade de tráfico afeta mais homens do que mulheres. (tabela 3) Das 258 vítimas de tráfico para trabalho forçado, servidão e escravidão, detectadas em 2014 pelo UNODC na América do Sul, 86 eram do sexo feminino e 180 eram do sexo masculino. Na situação de tráfico de pessoas, as que foram traficadas tendem a ser exploradas durante um período de tempo. A relação entre traficante e vítima não termina no momento da passagem de fronteiras, mas há uma exploração continuada no país de destino com emprego de meios ilícitos como a força, coação ou engano. O lucro do tráfico de pessoas provém dos trabalhos forçados realizados pelas vítimas em regime de exploração econômica ou sexual.[9] O PROTOCOLO DE PALERMO E O TRÁFICO DE PESSOAS O tráfico internacional de mulheres para exploração sexual é espécie do crime de tráfico de pessoas, é um crime transnacional, que está relacionado com o chamado hard crime, composto pelo tráfico de entorpecentes e contrabando de armas de fogo, que movimentam todos os anos, grandes somas em dinheiro.[10] O tráfico de pessoas é um fenômeno complexo constituído por diversos crimes e violações a direitos. Sua definição foi proposta pelo Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, conhecido como Protocolo de Palermo. “O Protocolo Adicional refere-se à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo”.[11] O artigo terceiro do Protocolo dispõe que:
Da redação do artigo terceiro, pode-se pressupor a existência de três elementos constituintes do delito de tráfico de pessoas, são eles: a ação (recrutamento, transporte, transferência de pessoas), os meios (por meio de ameaça ou uso da força, coerção, fraude, engano, abuso de poder ou de vulnerabilidade, ou pagamentos ou benefícios em troca do controle da vida da vítima), e o propósito de exploração (fins de exploração sexual, trabalhos forçados, escravidão, remoção de órgãos). O Protocolo exige que o crime de tráfico disponha da combinação dos elementos constitutivos, e não apenas dos componentes individuais, contudo, alguns destes elementos considerados individualmente podem constituir infrações penais[13] Ao analisar a questão do tráfico de pessoas no contexto da sociedade capitalista, podemos dizer que este pode ser considerado como moderna forma de escravidão, com o objetivo principal de lucrar com a exploração de seres humanos, até porque as vítimas se encontram nas mais diversas situações de vulnerabilidades.[14] Segundo a ONU o tráfico de pessoas movimenta anualmente 32 bilhões de dólares em todo o mundo, sendo que 85% provêm da exploração sexual. O tráfico acontece para fins de exploração sexual, trabalhos forçados, escravidão, retirada de órgãos e práticas semelhantes.[15] O Protocolo de Palermo estabelece em seu artigo 3º que “o consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea (a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea (b)”.[16] Assim, o consentimento de uma vítima de tráfico de pessoas para exploração sexual é irrelevante uma vez que esteja demonstrado que o uso da força, a coerção, engano, poder ou outro meio proibido tenha sido utilizado.[17] No que diz respeito às crianças o Protocolo dispõe, no artigo 3 (c), que “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados tráfico de pessoas mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea (a) do presente artigo”.[18] O tráfico de pessoas é caracterizado independentemente da utilização ou não dos meios proibidos, pois uma criança não é capaz de consentir com essa conduta, pois se encontra em posição de vulnerabilidade conferida por legislações especiais. A questão consentimento voluntário merece ser problematizado, levando em conta as situações de miséria e de pobreza por detrás dessas decisões. Mesmo quando se trata de ato voluntário, estes são normalmente a expressão de atos de coerção coletiva, de atos de injustiça social coletiva. A sociedade cria situações em que uma jovem não tem outra possibilidade de criar um rendimento para si ou para sua família senão prostituir-se.[19] O Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas estabelece que mulheres e meninas correspondem a 71% das vítimas do tráfico, e 28 por cento das vítimas de tráfico identificados em todo o mundo são crianças. Mas, em regiões como a África Subsaariana e na América Central e no Caribe esta população compõe 62 e 64 por cento das vítimas, respectivamente. Por fim, o documento destaca que, enquanto mulheres e meninas tendem a ser vítimas de tráfico com fim de exploração sexual, homens e meninos são explorados geralmente para trabalho forçado na indústria, soldados e escravos.[20] LARISSA TOMAZONI Mestranda em Direito pelo Uninter,, Advogada, pós graduanda em Gênero e Sexualidade, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – Unibrasil, pesquisadora do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL/UFPR) e do Grupo de estudos Jurisdição Constitucional Comparada: método, modelos e diálogos (Uninter), Advogada no escritório Boeing e Tomazoni. E-mail: [email protected]. REFERÊNCIAS CAMPOS, Elza Maria et. al. Trafico de Mulheres: um estudo acerca da violência de gênero.Disponívelem:<http://portaldeperiodicos.unibrasil.com.br/index.php/anaisevinci/article/download/954/930.> Acesso em: 14 jan. 2018. Conselho Nacional de Justiça. Tráfico de Pessoas. Disponível em:< http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/assuntos-fundiarios-trabalho-escravo-e-trafico-de-pessoas/trafico-de-pessoas> Acesso em: 20 jan. 2018. Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006. Protocolo adicional à convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm> Acesso em: 20 jan. 2018. RAMINA, Larissa; RAIMUNDO, Louise. Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual: dificuldades conceituais, caracterização das vítimas e operacionalização. Disponível em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/viewFile/375/336> Acesso em: 14 jan. 2018. UNODC. Global Report on Trafficking in Persons 2016. New York, 2016. UNODC. Quase um terço do total de vítimas de tráfico de pessoas no mundo são crianças, segundo informações do Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas 2016. Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2017/03/quase-um-terco-do-total-de-vitimas-de-trafico-de-pessoas-no-mundo-sao-criancas-segundo-informacoes-do-relatorio-global-sobre-trafico-de-pessoas.html Acesso em: 28 jan. 2018. [1] Este artigo foi realizado no âmbito do Grupo de Estudos Trabalho, Gênero, e Violência. Doméstica e Familiar do Centro Universitário Autônomo do Brasil – UNIBRASIL vinculado ao Curso de Serviço Social do UNIBRASIL. Registro aqui, um agradecimento especial para todas as colegas pesquisadoras e ativistas do Grupo Getravi, em especial à professora Elza Maria Campos. [2] CAMPOS, Elza Maria et. al. Trafico de Mulheres: um estudo acerca da violência de gênero.Disponívelem:<http://portaldeperiodicos.unibrasil.com.br/index.php/anaisevinci/article/download/954/930.> Acesso em: 14 jan. 2018. [3] Idem. [4] RAMINA, Larissa; RAIMUNDO, Louise. Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual: dificuldades conceituais, caracterização das vítimas e operacionalização. Disponível em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/viewFile/375/336> Acesso em: 14 jan. 2018. [5] Idem. [6] Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006.p.16. [7] Idem. [8] RAMINA, Larissa; RAIMUNDO, Louise. Op.cit. [9] Idem. [10] Idem. [11] Idem. [12] Protocolo adicional à convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm> Acesso em: 20 jan. 2018. [13] RAMINA, Larissa; RAIMUNDO, Louise. Op.cit. [14] CAMPOS, Elza Maria et. al. Op.cit. [15] Conselho Nacional de Justiça. Tráfico de Pessoas. Disponível em:< http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/assuntos-fundiarios-trabalho-escravo-e-trafico-de-pessoas/trafico-de-pessoas> Acesso em: 20 jan. 2018. [16] Protocolo adicional à convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. Op.cit. [17] RAMINA, Larissa; RAIMUNDO, Louise. Op.cit. [18] Protocolo adicional à convenção das nações unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. Op. cit. [19] CAMPOS, Elza Maria et. al. Op. cit. [20] UNODC. Quase um terço do total de vítimas de tráfico de pessoas no mundo são crianças, segundo informações do Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas 2016. Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2017/03/quase-um-terco-do-total-de-vitimas-de-trafico-de-pessoas-no-mundo-sao-criancas-segundo-informacoes-do-relatorio-global-sobre-trafico-de-pessoas.html Acesso em: 28 jan. 2018. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |