Há de se concordar que o mundo do trabalho atualmente está a cada dia mais competitivo e exigindo múltiplas funções daqueles que estão ingressando e também daqueles que já estão inseridos no mercado. Conforme evoluímos para uma vida mais fluida e imediatista, torna-se lógico que o papel desempenhado pelo empregado deve seguir essa evolução, o que pode tornar o ambiente de trabalho mais acelerado, com menos tempo de abstração e, como uma consequência possível, mais competitivo.
Essa última característica, quando não bem gerenciada, acaba por criar um espaço nocivo, fazendo com que haja a necessidade de destaque de alguns, ora de maneira positiva, ora negativa. Dessa forma, certos comportamentos podem estabelecer o que é tido como assédio moral, que, pode ser definido como o abuso dos direitos de uma pessoa através de atos humilhantes, vexatórios, ofensivos e discriminatórios que prejudiquem os direitos de outrem (RUFINO, 2007). Essa situação pode ocorrer em diversos lugares, não sendo uma exclusividade do ambiente de trabalho, mas é neste em que podemos detectar com certa frequência, visto a delimitação hierárquica necessária, que dá margem à desigualdade de poderes e ao abuso por conta dele. Dessa forma, visto que quando se iniciou os estudos sobre assédio moral, globalmente, origens diferentes foram percebidas e, sendo assim, deve-se evidenciar a questão de que o fenômeno pode ser tratado de diversas formas e abordagens, focando tanto no indivíduo quanto no contexto ou, até mesmo, em ambos (SOARES, 2012). Entretanto, uma coisa é certa: por ferir os direitos de uma outra pessoa, não deve ser tratado como algo diferente de violência. E, dessa forma, deve-se pensar de maneira séria, não banalizando ou minimizando as consequências e as interferências que serão causadas a partir do ato. Dito isto, é importante lembrar que já existem leis que abrangem o fenômeno, tanto na Constituição Federal quanto na CLT e até mesmo no Código Penal, que discorrem sobre assédio moral e sexual e crimes contra a honra, tais como calúnia e difamação, por exemplo (HELOANI, 2004). Amparo legal existe, mas ainda há um longo caminho entre o ato e a devida sansão. Inicialmente, é relevante saber identificar quando um assédio se estabelece no ambiente de trabalho, fato que não é explícito, já que as pessoas são diferentes e interpretam as situações de maneiras distintas. Novamente, por estarmos tratando de algo complexo que é o ser humano e suas particularidades, encontramos a maior dificuldade na penalização do assédio moral, que é justamente a sua “invisibilidade”, já que envolve um alto grau de subjetividade (HELOANI, 2004). Essa característica se dá pela linha abstrata que ocorre nessa situação, pois não temos como estipular, com um nível substancial de certeza, um nexo entre a causa e a consequência, essenciais no âmbito criminal. Além disso, vale destacar que, ao pensarmos na subjetividade humana, essa correlação de causa-consequência sequer pode ser vista, pois há muitos outros fatores envolvidos que se influenciam entre si para que um indivíduo possa apresentar comportamentos que sugiram que ela seja uma possível vítima de abuso. Ademais, sendo uma violência psíquica perpetuada no ambiente de trabalho, entende-se como atos atentatórios aos direitos de personalidade, reiteração e sistematização de condutas e também a consciência do próprio agente dos atos abusivos praticados (SILVA, 2011). Sabendo que se trata de uma relação entre duas ou mais pessoas, não somente o comportamento da vítima que deve ser visível, mas também de quem realiza o abuso. E essa visibilidade é extremamente prejudicada pela esfera em que acontece, pois uma grande parte das pessoas colocará o trabalho (ou a necessidade dele) em primeiro plano, “engolindo” situações que podem acabar virando uma “bola de neve psíquica”, empurrando o empregado para um abismo que facilitará o aparecimento de condutas negativas tanto no trabalho quanto na vida pessoal, como queda de rendimento, absenteísmo e, até mesmo, depressão. Deve-se ter em mente que passamos cerca de oito horas de nossos dias no ambiente laboral. Consequentemente, o emprego deveria se tornar algo com o nos identificamos, com o qual colocamos um pouco de nós naquilo que produzimos. Portanto, é necessário que haja uma colaboração entre os funcionários e estímulo superior para que se possa criar um espaço propício para desenvolver essas características. Juridicamente, sabendo que a dignidade humana é considerada o pilar do Estado Democrático de Direito, figurando um caráter de proteção à pessoa, consequentemente, essa proteção estende-se ao próprio trabalhador (SILVA, 2011) e isso também deve-se ser observado, pois define que o Estado é responsável e precisa criar mecanismos de identificação mais eficazes para que um processo de prevenção seja estabelecido. Entretanto, não devemos nos omitir para mais essa questão, pensando ser de único e exclusivo dever de instâncias superiores. Por tratar de relacionamentos interpessoais, devemos tratar como tal, sabendo que nossas ações se desdobram em consequências que podem ter interferência em diversos setores, atingindo outras pessoas e, por consequência, todo um ambiente de convivência. Heloani (2004) já explicitava, há 15 anos atrás, que é apenas através da organização do coletivo e de sua abertura dialógica que é possível uma sociedade mais democrática e, assim sendo, menos passível de desenvolver uma cultura violenta; consequentemente, a questão do assédio moral pode ser minimizada. Parafraseando o autor: “a saída está na organização do coletivo para que possamos transformar súditos em cidadãos”. Isso torna evidente que o momento em que a sociedade está, atualmente, cria pessoas cada vez menos “pensantes”, pois, visto que vivemos dentro de uma comunidade e dependemos dela tanto quanto ela depende de cada um de nós, parece óbvio que essa reestruturação coletiva é essencial para o bem-estar de toda a população, inclusive no âmbito do trabalho. Mesmo assim, qual será o motivo de tantas pessoas ainda colocarem a si em primeiro lugar? Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica HELOANI, Roberto. Assédio Moral – Um ensaio sobre a expropriação da dignidade no trabalho. In. RAE eletrônica. v.3, n.1, jan/jun 2004. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/raeel/v3n1/v3n1a12>. Acesso em: 25 mar. 2018. RUFINO, R. C. P. Assédio moral no âmbito da empresa. São Paulo – SP. Editora LTr, 2007. SILVA, Aluska S. M. Assédio moral no ambiente de trabalho. Orbis: Revista Científica. v. 2, n. 1. 2011. Disponível em: < http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/52/52>. Acesso em 24 mar. 2018. SOARES, Angelo. As origens do conceito de assédio moral no trabalho. In. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. v. 37, nº 126. São Paulo, 2012. Disponível em: < http://www.redalyc.org/pdf/1005/100524977009.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2018. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |