No dia 27 do mês de julho do presente ano de 2016 fora publicada no DJE nº 2401, a decisão proferida nos autos de Apelação Criminal n. 2016.500032-7, de Joinville/SC. O acertado decisum de absolvição do réu apelante, o qual levou em consideração o requerimento do Ministério Público, por intermédio de seu membro atuante em 2º grau, pelo provimento do recurso da defesa, por conta de o fato narrado na denúncia não constituir crime, assim desistindo do ius accusationis. A decisão proferida pela Quinta Turma de Recursos de Joinville/SC levou ainda em consideração a condição de parte do Ministério Público no processo penal, bem como sua unicidade e indivisibilidade (CF, art. 127, § 1º), assim, havendo conflito de posições dentro do órgão ministerial acerca da pretensão acusatória, a medida que se impõe é a absolvição do acusado. Ponto este que terá extrema importância no presente artigo. Há de ser observado na importante decisão proferida pela Quinta Turma Recursal de Joinville que o fato de aqueles juízes, de forma acertada, mas diferente de inúmeros outros magistrados, terem concordado com a desistência do Ministério Público quanto à pretensão acusatória, sem adentrar ao mérito do processo. Segundo o Relator, Yhon Tostes, “caso se condene o réu sobre o qual não paira mais nenhuma pretensão acusatória, estará também o juiz usurpando o lócus acusatório do Ministério Público”. Outrossim, o venerável decisum ainda faz referência à teoria dos jogos no processo penal, a qual disciplina que o Ministério Público, quando atua como parte no processo, mantém sua posição de “player” inalterada, tanto em primeiro grau, com o Promotor de Justiça, quanto na fase recursal, onde atua o Procurador de Justiça, pois como disciplina a própria Carta Magna, o Ministério Público é uno e indivisível.[2] Tal decisão emanada da referida Turma de Recursos – a qual não deveria causar espanto, mas causa pela sua sensatez – se torna mais importante ainda quando analisado seu precedente aplicável em outros casos processuais penais, tal como o ponto de enfoque do presente trabalho, qual seja, a obrigatoriedade de arquivamento do inquérito policial quando assim requer o Promotor de Justiça. Hodiernamente, no ordenamento jurídico penal brasileiro, tem-se a possibilidade de o Juiz não arquivar o inquérito policial quando o Promotor de Justiça requer, simplesmente pelo fato de o magistrado estar intimamente convencido de que o investigado cometera a infração penal e merece ser punido. Dispõe o art. 28 do Código de Processo Penal que se o órgão do Ministério Público, ao invés de oferecer a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito, o Juiz poderá remeter o caso à análise do Procurador-Geral[3]. E, se este último membro do MP também entender que é o caso de se arquivar o inquérito, o Juiz, então, se obriga a homologar o requerimento daquela instituição. Ora, em um sistema penal acusatório, tal como o que vigora no Brasil – ainda que não totalmente puro por conta das raízes inquisitoriais do CPP – a função de acusar, nas ações penais públicas, pertence privativamente ao Ministério Público.[4] Portanto, ao MP pertence, exclusivamente, o ius accusationis, sob pena de se ofender ao princípio constitucional do contraditório. Certamente que tal dispositivo legal sequer deveria ter sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, a qual traz em seu bojo um sistema penal eminentemente acusatório. Todavia, por conta de tal disposição ainda constar na lei, esta não pode ser aplicada a olhos vendados. Nos dizeres do insigne jurista CARNELUTTI, “as leis não são mais do que instrumentos, pobres e inadequados, quase sempre, para tratar de dominar os homens quando, arrastados por seus interesses e suas paixões, em vez de se abraçarem como irmãos, tentam se despedaçar como lobos”.[5] Ademais, a aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal Brasileiro também fere inevitavelmente o princípio da imparcialidade do magistrado. Ora, o juiz que não aceita o requerimento de arquivamento do inquérito policial porque está intimamente convencido de que aquele investigado cometera a infração criminal, certamente já tem em sua mente uma condenação iminente em um processo no qual concorrera para a inicialização, ferindo assim, também, o princípio do ne procedatiudex ex officio. O eminente Professor LOPES JR. disciplina acerca da divisão de tarefas dentro de um processo penal como fator crucial na identificação do sistema vigente:
Neste ínterim, acerca da função do juiz no processo penal, o ilustre juiz e Professor Alexandre Morais da Rosa disciplina que “a função do julgador é dupla. No decorrer da instrução é a de garantir o cumprimento das regras do jogo, do fair play. Logo, sua função não pode se confundir com a dos jogadores”.[7] Acerca do arquivamento do inquérito policial ser uma opção do Ministério Público, TOURINHO FILHO assevera que:
Da brilhante doutrina, extrai-se, portanto, que o disposto hoje no art. 28 do Código de Processo Penal dá ao juiz uma certa possibilidade de recorrer do entendimento do Promotor de Justiça ao Procurador-Geral, quando este requer o arquivamento do inquérito policial, o que, logicamente, é diametralmente oposto ao núcleo de um sistema penal acusatório. Ora, quando o Juiz não aceita o requerimento do Promotor de Justiça, este está assumindo a função de player na relação processual. O que não teria tantas implicações negativas se não fosse o fato de que aquele mesmo juiz julgará o processo pelo qual está pleiteando o início contra o já determinado réu. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, no RT 540/417, que o juiz não pode arquivar o inquérito policial sem o requerimento do Ministério Público. Isto se dá exatamente porque ao MP pertence o ius accusationis. Denota-se, pois, que se o juiz não pode subtrair do órgão ministerial o direito de oferecer a denúncia contra o investigado, este também não deveria ter o poder de retirar a opção de aquele órgão do MP não denunciar o investigado sobre o qual não paira mais nenhuma pretensão acusatória. É de ser observado ainda que em o Promotor de Justiça requerendo o arquivamento do inquérito policial, o juiz não concordando e remetendo o caso para análise do Procurador-Geral, o qual pode entender da mesma forma do juiz e delegar a função de oferecer a denúncia a outro Promotor, está-se ferindo o Princípio do Promotor Natural. Este formado pela conjunção dos arts. 5º, LIII 128, §5º, I, b, da Constituição Federal, bem como art. 38 da Lei 8.625/1993 (lei orgânica do Ministério Público). É pacífico o hodierno entendimento do Pretório Excelso acerca existência e dever de observância do Princípio do Promotor Natural, ainda que não previsto expressamente na legislação:
É indiscutível que o Princípio do Promotor Natural, o qual prevê a necessidade de um Promotor pré-constituído para exercer o ius accusationis naquela competência territorial, é uma garantia da sociedade como um todo. Ora, certamente que não há paridade de armas se o acusado tiver que ir contra todo o Ministério Público. Posta assim a questão, é de se dizer que quando o membro competente para exercer o iusaccusationis requer que o inquérito policial contra determinada pessoa seja arquivado, tal requerimento deve ser obrigatoriamente acatada, pois neste momento retirasse a pretensão acusatória de jogo. Neste sentido, colaciona-se aqui um trecho do decisum ensejador do presente artigo:
Portanto, com o intuito de se manter e aprimorar o sistema acusatório, símbolo da democracia necessária a todos os povos, necessário se faz superar o reducionismo histórico que assevera que ao juiz cabe a função de justiceiro. Ao juiz cabe a função de julgar de forma imparcial e equidistante, e não a função de parte na busca de uma suposta verdade real. “A função do juiz é atuar como garantidor da eficácia do sistema de direitos e garantias fundamentais do acusado no processo penal”.[9] Gydeon Pereira França Acadêmico do 8º período do Curso de Direito das Faculdades Opet [1]Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. § 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. [2] Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. [3]Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; [4] CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Leme: Edijur Editora, 2015, p. 15. [5] LOPES JÚNIOR. Aury. Direito processual penal.11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 94-95. [6] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 40. [7] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 152. [8]LOPES JÚNIOR. Aury, op., cit., p. 145. BIBLIOGRAFIA CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Leme: Edijur Editora, 2015, p. 15. LOPES JÚNIOR. Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 94-95. ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 40. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 152. Comments are closed.
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