Artigo da Colunista Carla Tortato com Luís Roberto de Oliveira Zagonel, elaborando uma análise sobre a recente alteração do artigo 122 do Código Penal, vale a leitura! ''Além de apresentar referidas inconsistências, claramente estamos diante de uma alteração legislativa que fere o que dispõe a Constituição da República no que se refere à competência, portanto, pode-se dizer que a alteração legislativa é inconstitucional. Isso ainda terá muita repercussão, principalmente pós pandemia, quando se iniciarem os processos de crime de induzir, instigar ou auxiliar a automutilação com tramitação no júri. Já imaginaram os jurados julgando um crime em que o bem protegido será a integridade física, e não a vida humana?''. Por Carla Tortato e Luís Roberto de Oliveira Zagonel Clique aqui para Em 2019, com o advento da Lei nº. 13.968, houve uma alteração significativa nos elementos do tipo penal descritos no art. 122 do Código Penal, uma vez que foi acrescentado o ato de induzir, instigar ou auxiliar alguém a automutilação. Senão vejamos: “Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça”.
Automutilação é a conduta de causar lesões em si próprio, mas pelo princípio da alteridade, veda-se a punição pela autolesão e, pela tentativa de suicídio. Antes de adentrarmos na crítica, ora ponto central do presente diálogo, faz-necessário uma breve análise do tipo penal. Estamos a falar de um crime que está no rol dos delitos dolosos contra a vida, ou seja, o bem jurídico protegido é a vida humana - em tese, e trata-se de crime comum, de dano, comissivo ou omissivo, formal (caput) e material (§1º e §2º), instantâneo, unissubjetivo, e plurissubjetivo. Como visto na classificação doutrinária do delito, é possível que haja o auxílio por omissão, por exemplo, nos casos que existe o dever de agir para evitar o resultado, por exemplo, pais que percebem que o filho (criança ou adolescente) está sendo influenciado a se suicidar e não fazem nada. A participação no delito de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação pode ser de ordem moral nos núcleos de induzir e instigar, bem como pode ser de ordem material, por exemplo, nos núcleos de praticar e auxiliar outrem a se suicidar ou a se automutilar. O elemento subjetivo é o dolo direto ou eventual. Não existe modalidade culposa. Vale ressaltar que a conduta do agente deve exercer influência na vontade de vítima, conforme explica Greco (GRECO, 2015, p. 201): “A conduta do agente deve, de alguma forma, exercer influência na vontade da vítima em suicidar-se, bem como deverá ser idônea a este fim, não se de com ela brincar.” Na primeira parte do delito contido no tipo penal do art. 122 do código Penal (Induzir ou instigar alguém a suicidar-se) o tipo pode ser praticado por qualquer pessoa, e o sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que ambos com capacidade de autodeterminação. No caso de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, o sujeito passivo precisa possuir capacidade de autodeterminação, caso contrário estar-se-á diante de um crime de homicídio. Adotando-se a mesma lógica, para o caso de induzimento, instigação ou auxílio para a automutilação, se o sujeito não possuir capacidade de autodeterminação a conduta seria desclassificada para lesão corporal, o que acarretaria descompasso entre o comportamento e a sanção penal conforme se abordará adiante. Após essa breve descrição do tipo penal, voltemos à crítica que se trata do bem jurídico penalmente protegido do art. 122 do Código Penal: a vida humana, e agora com o advento da Lei nº. 13.968/19, a integridade física. Os crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri. Vale lembrar que essa competência formal está contida no art. 5º, XXXVIII, da Constituição da República/88. Observa-se que a partir da reforma legislativa de 2019, referente ao crime de “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça”, incidirá na prática do delito o sujeito ativo que somente induzir, instigar ou auxiliar alguém a praticar o ato de automutilação, e aqui surgem dois graves problemas e um aspecto absolutamente desproporcional entre os tipos penais:
Além de apresentar referidas inconsistências, claramente estamos diante de uma alteração legislativa que fere o que dispõe a Constituição da República no que se refere à competência, portanto, pode-se dizer que a alteração legislativa é inconstitucional. Isso ainda terá muita repercussão, principalmente pós pandemia, quando se iniciarem os processos de crime de induzir, instigar ou auxiliar a automutilação com tramitação no júri. Já imaginaram os jurados julgando um crime em que o bem protegido será a integridade física, e não a vida humana? Sabe-se que a intenção da alteração legislativa foi nobre: a de instaurar a penalização e reprimir os “condutores” dos desafios mortais, por exemplo, o jogo da baleia azul, o jogo da asfixia, entre outros. Esse assunto, realmente, merece destaque e avanço, uma vez que tal conduta não existia em nosso ordenamento jurídico como conduta típica, bem como há estudos que apontam que de 2011 a 2016, foram notificados ao Ministério da Saúde, por serviços públicos e privados, mais de 41 mil casos de automutilação por jovens de 10 a 19 anos.[2] Contudo, o modo como foi posto pelo legislador, nos parece que trouxe muitos problemas processuais, que na verdade, ainda nem começaram. Desse modo se faz importante uma nova reflexão, novos estudos e pesquisas por parte dos profissionais do Direito e por parte do legislador, para então promover a devida e necessária adequação legislativa. Para concluir, destacamos que a melhor opção do legislador na questão do crime de induzimento, instigação ou auxílio à automutilação não deveria ter sido acrescido no art. 122 do Código Penal, mas sim no Título I – “Dos Crimes contra a pessoa”, Capítulo II – “Das Lesões Corporais”, do Código Penal. Precisamente, no art. 129 do Código Penal, ou até mesmo a criação de um art.129-A, para assim não gerar problemas na esfera do Direito Penal (parte geral: dolo) e Direito Processual Penal (competência) que estão por vir. Carla Tortato Mestre em Teoria e História da Jurisdição (UNINTER). Especialista em Direito Penal e Processual Penal (ABDCONST). Advogada e Professora. Luís Roberto de Oliveira Zagonel Mestre em Direito Empresarial e Cidadania (UNICURITIBA). Especialista em Direito Penal e Processual Penal (ABDCONST). Advogado e Professor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS EUGÊNIO, Raul Zaffaroni. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 11ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2015. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. v. II. 12ª ed. Niterói: Impetus, 2015. NOTAS: [1]No caso de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, o sujeito passivo precisa possuir capacidade de autodeterminação, caso contrário estar-se-á diante de um crime de homicídio. [2] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/01/agora-e-crime-finalmente.shtml Acesso em 20.06.20.
1 Comment
Adriano M. A. Oliveira
8/30/2021 12:11:37 pm
Parece-me que a crítica sobre a contradição apontada não procede. Quando vocês afirmam que "a vítima tendo discernimento, o fato se encaixaria no art. 122, caput, do CP, com pena de reclusão de 6 meses a 2 anos e, a vítima não tendo discernimento, o fato se encaixaria no art. 129, caput, do CP, com pena inferior, a ser de detenção de 3 meses a 1 ano", vocês partiram de interpretação equivocada da lei, chegando, portanto a conclusão equivocada.
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