Estreando como Colunista do sala de aula criminal, Leomar Rippel elabora artigo dissecando política e economia nas eras pandêmicas. Vale a leitura! ''Algo que não me deixa surpreso nem perplexo, mas indignado, diz respeito a parte da esquerda e da oposição brasileira, extasiada, com delírios de olhos abertos ou com a cabeça no divã psicanalítico (como todo respeito aos profissionais da psicanálise), que espera a saída pelo impeachment ou renúcia do protofascista Bolsonaro da presidência república para resolver os problemas econômicos. Quem assim pensa está redondamente enganado e não compreende as metamorfoses do capital. Apresentarei apenas dois argumentos nesse sentido''. Por Leomar Rippel Não é preciso ser historiador(a) para saber que a pandemia causada pelo covid-19 não é a primeira nem será a última que a humanidade terá de enfrentar. A título de curiosidade, citaremos apenas algumas: a chamada “Peste Negra” (1333 a 1351), que teve em torno de 50 milhões de mortes na Europa e na Ásia; a tuberculose (1850 a 1950), que causou cerca de 1 bilhão de mortes; e a gripe espanhola (1918 a 1919), com 20 milhões de mortos. Nesse sentido, algumas indagações surgem: o que a pandemia atual nos ensina? Qual a capacidade que temos para lidar com ela? O Estado capitalista, mais especificamente o Estado capitalista dependente, tem condições de combatê-la? É a pandemia causada pelo covid-19 a causa da crise? Ou a pandemia está sendo utilizada como justificativa ideológica da crise? A pandemia causada pelo covid-19 deixou despido o cretinismo da ideologia liberal burguesa a qual sustenta que as determinações do valor das mercadorias estão na utilidade marginal. Bastaram menos de duas semanas em que a maioria dos trabalhadores não foram para o trabalho, para que os mesmos cretinos liberais, que negam o trabalho como produtor de valor, fossem para as ruas com seus carrões (a maiorias com máscaras e carros fechados) pedindo a volta ao trabalho. Outro ensinamento dessa pandemia é o desmascaramento do péssimo caráter da burguesia mundial e especificamente da brasileira, que vem há muitos anos defendendo a lei de responsabilidade fiscal como se fosse imposição divina. No entanto, os arautos do laissez faire agora pedem socorro ao Estado para injetar quase 2 trilhões de reais na economia brasileira. Ou seja, os liberais tornam-se keynesianos, implorando para que o Estado atue em favor do capital. Nesse sentido, já que os conhecimentos da economia política clássica (me refiro a Adam Smith e David Ricardo), mas acima de tudo Karl Marx) não foram suficientes para nos ensinar que só o trabalho produz valor, como num passe de mágica uma pandemia nos mostrou, e começamos a perceber (assim espero), que as mercadorias não chegam ao mundo com se tivessem vida própria. Assim sendo, percebemos desmoronar o suposto (ou não) fetichismo das mercadorias engendradas pelas relações de produção e reprodução do capital. Está evidente que o mercado (capitalismo) não tem capacidade de lidar com uma pandemia de tamanha proporção como essa, pois é da natureza do capital a individualização da riqueza produzida socialmente e a socialização dos prejuízos causados pelos detentores do capital. Está clara a necessidade do Estado (tão demonizado pela cretinice liberal) de intervir em vários aspectos para atenuar a catástrofe que se avizinha. Mesmo com as inúmeras intervenções dos Estados nos países desenvolvidos, que historicamente constituíram uma relativa rede de proteção social com o Estado de Bem Estar Social, percebemos as enormes dificuldades enfrentadas por eles – dificuldades estas extremamente mais graves nos países dependentes/periféricos, como é o caso brasileiro, marcado historicamente por uma brutal desigualdade social. Aproveitando-se da referida pandemia, a grande imprensa e a burguesia nacional associada e subalterna às burguesias internacionais têm intensificado seus argumentos no intuito de sustentar que a crise é causada pela pandemia, mas na verdade o covid-19 é apenas uma justificava ideológica para esconder/camuflar a “grande crise que se avizinha”, como muito bem mencionou o camarada Nildo Ouriques[1]. Inclusive parte dos que se dizem de esquerda (que possivelmente não leram nem a orelha da obra A teoria geral do emprego do juro e da moeda de John Jaynard Keynes, quanto mais O capital: crítica da economia política de Marx), estão também tomando o efeito pela causa. No entanto, o que precisa ficar muito claro para o pensamento crítico, é o fato dessa crise não ter uma relação direta com a pandemia, e isso as grandes burguesias nacionais e internacionais sabem. Não é por acaso, que elas vêm fazendo assaltos constantes ao Estado brasileiro e tem intensificado ainda mais os assaltos nos últimos meses. Nesse sentido, pelas características singulares do nosso capitalismo dependente e rentístico “está acontecendo uma transformação qualitativa no desenvolvimento capitalista latino-americano e em particular no brasil” (ORIQUES, 2020). Algo que não me deixa surpreso nem perplexo, mas indignado, diz respeito a parte da esquerda e da oposição brasileira, extasiada, com delírios de olhos abertos ou com a cabeça no divã psicanalítico (como todo respeito aos profissionais da psicanálise), que espera a saída pelo impeachment ou renúcia do protofascista Bolsonaro da presidência república para resolver os problemas econômicos. Quem assim pensa está redondamente enganado e não compreende as metamorfoses do capital. Apresentarei apenas dois argumentos nesse sentido. Primeiro: se o vice-presidente assumir, não alterará em nada o curso dos acontecimentos, visto que Bolsonaro é a expressão fidedigna (com algumas exceções) da maioria da oficialidade militar das FFAA. Os oficiais militares estão constrangidos com Bolsonaro? Sim! Mas não é pelo fato do presidente pensar o que pensa, pois o pensamento militar está muito bem representado por Bolsonaro. Mas de onde vem o possível constrangimento dos militares das FFAA? Ele vem do fato de que parte da sociedade está percebendo quem eles são realmente. Segundo: acredito que Bolsonaro não cairá. Apesar de ter algumas divergências do ponto de vista moral com parte do parlamento brasileiro, o presidente protofascista solda e dirige uma coesão burguesa (agrária, industrial, comercial e bancária) de fazer inveja na história do Estado brasileiro. Alguns poderiam dizer que ele é um canalha, protofasicsta, imbecil, incompetente, irracional, negador da ciência e outros adjetivos mais. Porém, nesse “aparente irracionalismo Bolsonaro é de uma racionalidade exemplar, que inclusive falta aos seus opositores e em particular para a esquerda” (OURIQUES, 2020). Além do mais, Bolsonaro está ocupando um espaço significativo cada vez maior com uma parcela expressiva dos trabalhadores brasileiros desorganizados, que hoje somam segundo IBGE aproximadamente 40% da população economicamente ativa. A grande burguesia nacional e internacional sabe que estamos diante de uma profunda crise capitalista. Apesar de sua caixa de ressonância ser o capital financeiro, ela é uma crise estrutural das determinações do capital, não é por acaso que nos últimos meses (mesmo depois das tão badaladas “reformas”) o assalto ao Estado tem se intensificado. Alguns dados são ilustrativos nesse sentido, segundo relatório do Banco Central brasileiro mencionado por Welton Máximo da Agência Brasil, somente em 2019, a saída líquida de capitais do Brasil foi de US$ 44,77 bilhões. Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2020, o Brasil torrou U$$ 30 Bilhões das reservas em leilões com a justificativa de conter a desvalorização do real. E, para piorar ainda mais, as empresas brasileiras e os bancos nacionais e estrangeiros estão contraindo empréstimos em dólares no exterior, o que acarretará uma pressão ainda maior para a valorização do dólar frente à moeda nacional. Utilizando como justificativas a pandemia, o presidente da Câmara dos deputados, Rodrigo Maia, foi autor da PEC 10/2020, que libera por meio do “orçamento de guerra” os gastos para o controle da pandemia. No entanto, por trás de um projeto aparentemente bem intencionado, estava legalizando um mecanismo fraudulento de geração de dívida pública, mecanismo que vem sendo realizado há anos, que é a remuneração com dinheiro do Tesouro Nacional das sobras dos caixas dos bancos privados, essa manobra já custou ao povo brasileiro mais de 1 trilhão de reais nos últimos dez anos. Graças ao trabalho da Auditoria Cidadão da Dívida Pública, liderado por Maria Lúcia Fattorelli, foi derrubado na PEC 10/2020 esse mecanismo fraudulento de remuneração de sobra dos caixas dos bancos. No entanto, falta derrubar o Art. 7 do substituto apresentado no Senado no dia 13/05/2020 conforme a nota técnica da Auditoria Cidadão da Dívida[2], referente a outro assalto ao estado nessa PEC onde permite a liberação para que o Banco Central compre com dinheiro público do Tesouro Nacional os títulos podres dos bancos nacionais e internacionais tendo como garantia suas dívidas. Também por meio dessa PEC 10/2020 serão injetados nos bancos mais de 1,2 trilhões de reais para garantir os lucros desses bancos, sendo que os mesmo não têm compromisso nenhum em emprestar esse dinheiro ou reduzir taxas de juros. Um verdadeiro escândalo, um verdadeiro assalto ao Estado brasileiro. Dito isso, não podemos abandonar a perspectiva crítica da realidade. Não é por acaso que Bolsonaro está trazendo para a coesão burguesa os trabalhadores desorganizados que não confiam em políticos, muito menos em partidos políticos (por razões óbvias). Se a esquerda brasileira não voltar às suas bases, não voltar a sujar os pés de barro, para construir um projeto alternativo de sociedade através da transformação radical na sociedade que possibilite outra forma de sociabilidade em torno do trabalho, Bolsonaro irá ampliar ainda mais seu autoritarismo e construirá um Estado Policial. Para finalizar, a burguesia está atuando de forma consciente e coesa, porque ela tem um projeto político e econômico claro. A pergunta que fica é: a esquerda brasileira tem um projeto claro que nos conduz à revolução brasileira? Apesar de algumas pessoas lutarem pela Revolução Brasileira, ela não se tornou hegemônica no campo da esquerda marxista. De maneira geral os que se dizem de esquerda, se batem em torno de suas pautas identitárias (importantes, mas não suficientes). Portanto, dadas as dificuldades organizativas da esquerda brasileira e da superficialidade da compreensão da crise estrutural do capitalismo, tudo leva a crer que estamos caminhando a passos largos para o fechamento do regime e instauração de um Estado Policial explicito no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS OURIQUES, Nildo. Uma grande crise se avizinha. Youtube, 2 de abril de 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6yMhKEAzxBc&t=161s>. Acesso 03 de abril de 2020. MÁXIMO, Welton. Branco Central revela que US$ 44,7 bilhões saíram do Brasil em 2019: saída de dólares é a mais alta em 38 anos. Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-01/banco-central-revela-que-us-447-bilhoes-sairam-do-brasil-em-2019>. Acesso em 04/04/2020. FATTORELLI, Maria Lucia. Nota técnica acd 3/2020 substitutivo do senado à “PEC do orçamento de guerra” mantém escandalosa transformação de papéis podres dos bancos em dívida pública. Disponível em: <https://auditoriacidada.org.br/conteudo/nota-tecnica-acd-3-2020-substitutivo-do-senado-a-pec-do-orcamento-de-guerra/>. Acesso em 14/04/2020. [1] Professor de Economia da UFSC e membro da corrente Revolução Brasileira [2] https://auditoriacidada.org.br/conteudo/nota-tecnica-acd-3-2020-substitutivo-do-senado-a-pec-do-orcamento-de-guerra/. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020.
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