A Teoria do Contratualismo, em síntese, versa que os homens antes do surgimento do Estado viviam em um estado natural, sem poder e sem organização. Sendo que tal organização apenas surgiu com o contrato social, que por sua vez é um pacto firmado entre os homens, os quais abrem mão de certas liberdades em prol de um poder maior que lhes garanta um mínimo de segurança, estabelecendo regras para convívio em sociedade e de subordinação política. (RIBEIRO, 2002) [1]
Em seu estado de natureza, segundo Hobbes, o homem tende a atacar o outro, seja para evitar ser atacado, seja para simplesmente vencê-lo. Ainda segundo Hobbes, o homem em seu estado de natureza, encontra 03 causas principais de discórdia, sendo elas: a) Competição; b) Desconfiança; c) A glória. (RIBEIRO, 2002) [2] A primeira causa (competição) pode ser compreendida como o motivo da obtenção do lucro, a segunda, pela segurança (o medo de ser atacado, o faz atacar primeiro), e a última causa se refere a reputação. (RIBEIRO, 2002) [3] Assim, é possível concluir que sem um poder organizacional e regras definidas, o homem tende a viver em um constante estado de guerra, de todos contra todos. Importante frisar que a guerra não é tão somente o ato da batalha como cita Hobbes, mas sim a preparação para ela, bem como a tensão existente antes mesmo de haver o conflito físico. Pode parecer estranha tal visão, porém Hobbes traz exemplos claros sobre esta tensão entre os homens em seu estado de natureza, mencionando que quando o homem faz uma viagem, se arma e procura ir bem acompanhado, bem como quando vai dormir fecha as portas, e mesmo estando em casa, tranca seus cofres, e isso tudo sabendo que existem funcionários públicos armados, que podem lhe proteger. (RIBEIRO, 2002)[4] Cabe ressaltar ainda que há leis naturais dos homens, que os impedem de fazer tudo o que querem, como exemplo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la. A lei natural para Hobbes se diferencia do direito no passo que a lei trata-se de uma obrigação, sendo o direito a liberdade. Sendo ainda a primeira regra geral da lei da natureza, que o homem deve esforçar-se para buscar a paz, sendo que o direito corresponde ao fato de utilizar de todos os meios necessários para se defender. (RIBEIRO, 2002)[5] Com relação a segunda lei natural fundamental de Hobbes, pode-se dizer que é derivada da primeira, ao passo que para a própria segurança, o homem cede parte de sua liberdade, renunciando o seu direito sobre todas as coisas, estando em pé de igualdade em termos de liberdade com os outros homens. (RIBEIRO, 2002)[6] Hobbes menciona que há a necessidade da existência do Estado pleno, como órgão soberano, com poderes suficientes para assegurar as leis naturais dos homens, mas também com o poder da espada, para decidir e punir os que violarem as leis estabelecidas, sendo, inclusive, imparcial. (RIBEIRO, 2002)[7] Desta forma, a sociedade nasce com o Estado, vez que o Estado será responsável pela resolução dos conflitos entre os homens e aplicar as decisões, dotado de um poder ilimitado e absoluto, não estando entre as partes que firmaram o pacto social, e, assim o sendo, não é submisso as regras estabelecidas entre os homens. (RIBEIRO, 2002) [8] Ainda, o ponto nevrálgico do presente escrito se estabelece na proposta de Hobbes em relação a uma liberdade do homem, o qual o homem renuncia seu direito para proteger sua própria vida, em prol de uma proteção do Estado. Assim, a partir do momento em que o Estado deixa de oferecer esta proteção, o homem não lhe deve mais obediência, pois desapareceu a razão do súdito submeter-se ao Estado. (RIBEIRO, 2002) [9] O ponto que se coloca em debate se refere justamente neste direito de proteção do Estado, o qual será retomado mais a frente. Nesta linha de pensamento acerca do contrato social firmado entre os homens, há que se analisar o sujeito que viola o pacto, ou seja, quebra as regras estabelecidas. Nesta toada, segundo ROUSSEAU, o ato do indivíduo violar as regras do pacto social, o coloca no status de traidor da pátria, uma vez que o ato de violar as regras do contrato social é visto como um atentado a toda coletividade, e desta forma, o indivíduo deverá ser excluído do pacto e consequentemente, retirada a proteção que o Estado lhe concedia.[10] Consequentemente com o raciocínio acima, nos remete a ideia do direito penal do inimigo, e nesta senda, JAKOBS revela que o inimigo é aquele sujeito que se negue a participar do contrato social pré-estabelecido na sociedade, como um ser desviante, e sendo assim, será incabível tratá-lo com o status de pessoa com direitos e garantias. (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2003) [11] ZAFFARONI vai ao encontro do raciocínio acima explicando as consequências de encarar o sujeito que violou o pacto como inimigo:
Neste aspecto, BATISTA e ZAFFARONI citam que o sujeito passa a ser tratado como uma peça pequena de um mecanismo maior que é a sociedade, e o delito cometido por este, passa a ser um problema para toda a sociedade, e esta falha no mecanismo, indica um estado de periculosidade. (BATISTA; ZAFFARONI, 2006)[13] Retomando o contratualismo de HOBBES, o referido doutrinador assinalava que o inimigo para o direito penal é aquele que possa oferecer risco a coletividade, através da sua possível reiteração na conduta tida como desviante, e desta forma, está destituído das garantias dadas pelo Estado, pois este quebrou o pacto social, e assim, retornou a natureza, o que não pode ser admitido pelo Estado, vez que, assim, perderia o controle, gerando a sensação de insegurança para a coletividade. (VALENTE, 2010)[14] Por mais que a semelhança entre os dias atuais com a visão dos inimigos da sociedade e a doutrina de Hobbes esteja cada vez mais nítida, cabe assinalar que HOBBES pauta seu raciocínio em um Estado Absolutista o qual não está submisso a nenhuma regra estabelecida pela sociedade, raciocínio este não admitido em um Estado Democrático de Direito, o qual limita o poder de agir do Estado e as garantias previstas em dispositivos constitucionais e princípios constitucionais são o meio pelo qual se assegura a proteção ao indivíduo, não somente a proteção ao seu corpo, mas sim a sua dignidade dentre outros direitos inerentes a própria existência humana. Porém o cotidiano tem se mostrado mais próximo do Estado de HOBBES do que de um Estado Democrático de Direito genuíno, pois conforme CASARA através do processo penal do espetáculo, o senso comum acredita que as garantias servem, em verdade, como obstáculo para concretização da punição, bem como para se chegar à justiça, vivenciando o verdadeiro duelo entre o mocinho e o bandido. (CASARA, 2015)[15] Aliando este raciocínio a Política de Drogas adotada, o que se verifica, é que todos aqueles ligados de alguma forma com os entorpecentes ilícitos, são considerados inimigos pelo Estado, a exemplo do que ocorre com as divulgações de fotos e recompensas por informações que levem o Estado a captura (neutralização) de um traficante. A grande problemática de adotar o indivíduo como inimigo pelo fato de quebrar o pacto social estabelecido pelos outros homens, é que este estará inserido fora do pacto e fora da proteção do Estado, e assim o sendo, não estará mais submisso as regras do Estado, vivendo em um Estado paralelo com regras e outras determinações feitas por tais sujeitos. Colocando o sujeito com status de inimigo, estes tenderão a se associar entre si para resistir as forças do Estado, gerando assim, as organizações criminosas, dotadas de regras próprias criando um verdadeiro Estado paralelo. (Seria esse um novo pacto social entre outros indivíduos?) Desta forma, agora para assegurar este Estado paralelo, os indivíduos adquirem armas, cometem outros delitos, tudo para conseguir confrontar o Estado que tenta neutralizá-los, gerando consequentemente os conflitos armados entre as forças repressivas do Estado vs. Traficante, levando ainda mais violência para toda a sociedade, em uma verdadeira guerra com direito a todos os seus horrores, retornando assim, os indivíduos ao seu Estado Natural, vez que todos estarão desprotegidos nesta guerra de todos contra todos. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminalista Graduado em direito pela Universidade Positivo Pós-graduado em Direito Contemporâneo no Curso Jurídico Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). [1] RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In Os Clássicos da Política. Org. WEFFORT, Francisco C. vol. 1. São Paulo: Ática. 2002. P. 53. [2] Ibidem. P. 56. [3] Ibidem. P. 56. [4] Ibidem. P. 57. [5] Ibidem. P. 60. [6] Ibidem. P. 60. [7] Ibidem. P. 62. [8] Ibidem. P. 63. [9] Ibidem. P. 68. [10] Cf. ROUSSEAU: De resto, todo malfeitor, ao atacar o direito social, torna-se, por seus delitos, rebelde e traidor da pátria; cessa de ser um de seus membros ao violar suas leis, e chega mesmo a declarar-lhe guerra. A conservação do Estado passa a ser então incompatível com a sua; faz-se preciso que um dos dois pereça, e quando se condena à morte o culpado, se o faz menos na qualidade de cidadão que de inimigo. Os processos e a sentença constituem as provas da declaração de que o criminoso rompeu o tratado social, e, por conseguinte, deixou de ser considerado membro do Estado. Ora, como ele se reconheceu como tal, ao menos pela residência, deve ser segregado pelo exílio, como infrator do pacto, ou pela morte, como inimigo público, pois um inimigo dessa espécie não é uma pessoa moral; é um homem, e manda o direito da guerra matar o vencido. ROUSSEAU. Jean Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat Mores. Versão E-Book. P. 49. [11] JAKOBS, Günther. Derecho Penal del Ciudadano y Derecho Penal del Enemigo. JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho Penal del Enemigo. Madrid: Civitas. 2003. P. 47. [12]ZAFFARONI, Eugênio Raúl. O Inimigo do Direito Penal. Tradução Sérgio Lamarão. 3ª Reimpressão. Rio de Janeiro: Revan. 2015. P. 18. [13]ZAFFARONI, Eugênio Raul. BATISTA, Nilo. ALAGIA, Alejandro. SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: Teoria Geral do Direito Penal. Vol. I. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Revan. 2006. P. 132. [14] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito Penal do Inimigo e o Terrorismo - O “Progresso ao Retrocesso”. São Paulo: Almeidina. 2010. P. 37/43. [15] Cf. CASARA: “O enredo do “julgamento penal” é uma falsificação da realidade, uma representação social distante da complexidade do fato posto à apreciação do Poder Judiciário. Em apertada síntese, o fato é descontextualizado, redefinido, adquire tons sensacionalistas e passa a ser apresentado, em uma perspectiva maniqueísta, como uma luta entre o bem e o mal, entre os mocinhos e os bandidos. O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo”. CASARA, Rubens R. R. Processo Penal do Espetáculo: Ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. P. 12. Referências Bibliográficas CASARA, Rubens R. R. Processo Penal do Espetáculo: Ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. JAKOBS, Günther. Derecho Penal del Ciudadano y Derecho Penal del Enemigo. JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho Penal del Enemigo. Madrid: Civitas. 2003. RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In Os Clássicos da Política. Org. WEFFORT, Francisco C. vol. 1. São Paulo: Ática. 2002.. ROUSSEAU. Jean Jacques. Do Contrato Social. Ed. Ridendo Castigat Mores. Versão E-Book. VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito Penal do Inimigo e o Terrorismo - O “Progresso ao Retrocesso”. São Paulo: Almeidina. 2010. ZAFFARONI, Eugênio Raul. BATISTA, Nilo. ALAGIA, Alejandro. SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: Teoria Geral do Direito Penal. Vol. I. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Revan. 2006. ZAFFARONI, Eugênio Raúl. O Inimigo do Direito Penal. Tradução Sérgio Lamarão. 3ª Reimpressão. Rio de Janeiro: Revan. 2015. Comments are closed.
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