Artigo do colunista Samuel Ebel Braga Ramos no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Por outro lado, no que se refere ao uso da fórmula da conditio sine qua non, as críticas feitas a ela se estendem, como ferramenta na busca da causalidade na omissão. De tudo o que está descrito na concepção de Puppe, entende-se que no processo de imputação deve-se levar em conta a matéria fática, onde, em havendo seu abandono, seria injustificável para a resolutiva da práxis'' . Por Samuel Ebel Braga Ramos Percorrendo o caminho histórico, de forma célere, acerca das disposições de causalidade, fixa-se a John Stuart Mill a elaboração do conceito lógico‐científico de causa, mais bem elaborado por Julius Glaser, o qual lapidaria o pensamento com o desenhar da teoria da equivalência das condições, para posteriormente, Maximiliam von Buri atestar o conceito.
No ordenamento jurídico brasileiro, a causalidade está normatizada no artigo 13 do Código Penal, onde setores da doutrina se inquietam quanto a adoção da teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non), ante a ausência de objetividade técnica para abarcar os novos riscos e atenção para um Direito Penal que tutele os interesses jurídicos-penais contemporâneos. O presente texto funda-se na análise da causalidade através da leitura de Ingeborg Puppe, onde, para a autora, o curso causal deve consistir em uma cadeia ininterrupta de estados de coisas ilícitas, de maneira que, se atravessa um estado de coisas permitidas, se rompe com o nexo de imputação (requisito da continuidade). A temática, abordada de forma dogmática pela autora, consiste em soluções técnicas para o substrato da resolução de casos práticos, para além da exemplificação acadêmica. Um estado de coisas ilícito é, em primeiro lugar, aquele cuja evitação se orienta a norma de cuidado, em segundo lugar, a própria lesão do bem jurídico ilicitamente causada, em terceiro lugar, os estados intermediários do curso causal que a observância do dever de cuidado é geralmente idônea para evitar. Puppe defende o abandono da ideia de que a causa é uma condição necessária. Em vez disso, causa é todo componente necessário de uma condição suficiente, o que, no sentido das leis naturais, indica que, se uma série de pressuposições for dada, um certo efeito necessariamente se seguirá. Nesse sentido, Puppe afirma que a causa é todo componente necessário de uma condição suficiente do resultado de acordo com as leis da natureza. Puppe se desenvolve equidistante entre as teses normativistas radicais e as antinormativistas. Em particular, sem rejeitar a abordagem básica do normativismo, procura criticar o desprezo que, às vezes, se manifesta em relação às descrições e distinções fáticas, bem como as estruturas lógicas existentes entre elas. Em última instância, trata-se de não prescindir do uso das ciências empíricas e sociais onde possam fornecer conhecimentos relevantes para o direito penal. Diante disso, entende correta a importância do fato ou empírico dentro de um contexto em que os juízos de valor se destacam claramente, na medida em que se baseia em princípios como responsabilidade pelo fato, legalidade e imputação, bem como, pela rejeição da análise de cursos causais hipotéticos, onde teorias como evitabilidade ou aumento do risco disputam qual apresenta as consequências jurídico-criminais mais adequadas. Puppe posiciona-se ao estabelecer que a relação entre causa e consequência é definida como uma relação de condição ajustada às leis, portanto não será lógica, mas sim empírica. Em suma, os aspectos fáticos ou empíricos são as relações entre as ações do autor e o resultado; por outro lado, os aspectos normativos, por não se esgotarem na observância dos fatos, incidem na não observância de um dever. No entanto, Puppe está ciente de que, no mundo da causalidade, podem-se encontrar áreas que não apresentam leis causais específicas, mas isso não implica que o juiz aplique imediatamente o in dubio pro reo, uma vez que, na ausência de uma causalidade estrita, isto é, das leis causais com certeza absoluta, o juiz pode recorrer à lei das probabilidades que substitui a causalidade: em áreas que não são totalmente determinadas, apenas uma lei da probabilidade deste tipo pode ser empiricamente estabelecida; É, portanto, uma questão normativa se essas leis estatísticas podem ou não ser usadas para estabelecer uma relação causal em áreas que não estão totalmente determinadas. Esta questão não se resolve em sentido negativo in dubio pro reo, como pressupõe a doutrina. Quanto à causalidade na omissão, Puppe parte que a causalidade em sentido estrito é determinar, por meio de leis empíricas, a presença de um fato, perdendo toda a virtualidade a causa efetiva (a causa está ligada ao efeito por uma espécie de fluxo de força que vai da causa ao efeito), visto que essa força dita eficiente não pode ser percebida ou medida, sendo de pouca utilidade para a imputação jurídico-penal. A apuração do fato se dá por meio da formulação de uma proposição que descreve um estado de coisas e, se for verdade, então é um fato. Esse fato faz parte tanto da realidade quanto dos fatos que podem ser descritos por uma proposição em que aparece a palavra "não". Nessa ordem de ideias, para Puppe, a causalidade da omissão é estabelecida através do seguinte procedimento: a) a elaboração de uma proposição na qual é descrito, como um estado de coisas, que uma pessoa falhou no cumprimento de um determinado dever de garantidor; e, b) essa proposição é uma questão de fato que deve ser provada no processo e, quando estabelecida como verdadeira, então se tornando um fato. Obviamente, a virtude deste procedimento é elaborar adequadamente a proposição, que expressa uma causa individual (comportamento individual) diferente da condição suficiente ou causa global. Para isso, a causa individual, segundo Puppe, é a condição mínima segundo a lei natural aplicada ou uma parte necessária da condição suficiente e, portanto, a causa do resultado. A autora propõe o seguinte exemplo: A lei geral estabelece que uma decisão dos administradores de uma sociedade administrada em conjunto é tomada se a maioria dos administradores concordar com ela. Em quatro administradores, a maioria chega a três ou menos. Faz sentido, não preciso começar com mais de três votos para formar a condição mínima suficiente. Pega-se, por exemplo, os administradores A, B e C e verifico se seu voto foi suficiente para aprovar a decisão. Se o voto de A suprimir esta condição suficiente, ela não é mais suficiente. O voto de A é, nesse sentido, parte necessária dessa condição suficiente e, portanto, fundamento da decisão. Diante disso, pode-se aduzir que Puppe propõe, por um lado, uma lei geral, e por outro, a fórmula da conditio sine qua non, para encontrar a parte necessária da condição suficiente, que por sua vez é causa do resultado. No que diz respeito à lei geral, deve ser “natural”, isto é, fática ou empírica, que, por não ser encontrada, pode ser substituída pela lei das probabilidades. Porém, como é possível encontrar uma lei natural na omissão, quando se trata de uma figura normativa cujo fundamento se encontra no tipo. Ou seja, se na omissão punível o único relevante é a imputação ao autor de resultado segundo uma equivalência jurídica e material com o tipo penal de cometimento; e se essa acusação, nos termos do Puppe, for definida como violação de deveres legais; após, fundamentar a imputação por omissão tanto pelas leis naturais, quanto pelas leis legais. Se na omissão devêssemos identificar a parte necessária da condição suficiente por meio de leis empíricas, estaríamos procurando um dado ontológico em uma figura normativa per se, dando origem a resultados malsucedidos. Com efeito, no plano semântico é possível elaborar a seguinte proposição, mui conhecida na doutrina: Maria não amamenta seu filho, o qual vai a óbito; mas a partir daí transformá-lo em um dado ontológico, apoiado em leis naturais, é errado, especialmente se as leis naturais explicam positivamente o que acontece no mundo do ser. Portanto, não existe uma lei natural que explique negativamente um evento; A explicação é sempre positiva e, ao deduzir consequências dessa explicação, só aí será possível estabelecer semelhanças, identidades ou diferenças com outros acontecimentos; relações, no sentido afirmativo, ou, distanciamento, no sentido negativo, com outros fenômenos. Por outro lado, no que se refere ao uso da fórmula da conditio sine qua non, as críticas feitas a ela se estendem, como ferramenta na busca da causalidade na omissão. De tudo o que está descrito na concepção de Puppe, entende-se que no processo de imputação deve-se levar em conta a matéria fática, onde, em havendo seu abandono, seria injustificável para a resolutiva da práxis. Puppe propõe, portanto, dois requisitos para análise causal: a) O requisito da exaustividade: um resultado só pode ser considerado produzido por imprudência quando todas as condições constitutivas da infração do dever de cuidado do autor figuram na explicação causal do acidente: não somente as propriedades do comportamento que o fazem descuidado, senão também as precondições em virtude das que se consideram descuidadas tais propriedades, pois são tais precondições que as descrevem o risco ao que “deve” se enfrentar a norma de cuidado, isto é, o fim de sua proteção. b) O requisito da continuidade: Curso causal em sendo a cadeia de causas intermediarias que amarra a conduta descuidada com o resultado. Para imputar um resultado a um comportamento desaprovado, não é suficiente que as propriedades ilícitas das condutas apareçam em algum ponto do curso causal com os elementos necessários deste. É necessário que o comportamento do autor e o resultado se encontrem causalmente vinculados por uma cadeia de estados de coisas ilícitas. A relação de imputação (realização de um risco não permitido) se interrompe quando em um ponto da cadeia causal, somente são necessários para seguir explicando seu curso propriedades e consequências permitidas do comportamento do autor. Portanto, Puppe considera funesta a fórmula da conditio sine qua non em que se baseia a exigência da evitabilidade, entendendo a relação de causalidade como um vínculo entre causa e efeito, através de um processo progressivo e continuado no tempo, determinado mediante leis da natureza. REFERÊNCIAS PUPPE, Ingeborg. El sistema de imputación objetiva. InDret 1.2021, pp. 588-613. PUPPE, Ingeborg. Causalidad. Em: Anuario de Derecho penal y ciencias penales, No XLV - II, Ministerio de Justicia e Interior, Madrid – España, 1992. PUPPE, Ingeborg. Problemas de imputación del resultado em el ámbito de la responsabilidade penal por el produto. Em: Responsabilidad penal de las empresas y sus órganos y responsabilidad por el producto, Mir Puig y Luzón Peña (Coord.), Editorial Bosch, Barcelona – España, 1996. PUPPE, Ingeborg. La imputación objetiva presentada mediante casos ilustrativos de la jurisprudencia de los altos tribunales. Traducção: Percy García Cavero, Editorial Comares, Granada – España, 2001. Samuel Ebel Braga Ramos Sócio no Escritório Ebel & Battu em Curitiba/PR. Doutorando em Direito do Estado pela UFPR. Mestre em Direito (2019). Professor de Direito Penal na FESP/PR.
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